O que S. Pedro diz, é para se fazer

Ao longo da minha vida tenho-me cruzado com todo o tipo de pessoas, desde educadas a malcriadas, de humildes a arrogantes, de pobres a ricas, etc., etc., presumindo que isso acontece com toda a gente. Não é possível fazer uma triagem só para lidarmos com as que nos agradam, até porque se não conhecêssemos as outras, não seria possível comparar. Só temos noção do amargo na comparação com o doce, como o bom com o mau ou o alto com o baixo, porque tudo é relativo.

Há uma espécie de pessoas em particular que me faz uma certa “comichão”: Os que se dizem “amigos”, nos batem com a mão nas costas e nos vão usando sistematicamente, dia após dia, sugando-nos, sem retribuírem a amizade.

Um desses “amigos” sempre que me via na rua, fazia-me parar e metia conversa para depois me “consultar” sobre a forma de tratar a macieira que tinha piolho ou como resolver o problema daquela “ferrugem” e “algodão” que as suas laranjeiras tinham, ou outra coisa qualquer. Eu dava-lhe as minhas sugestões com prazer de ajudar um amigo e cada um seguia o seu caminho, até nos encontrarmos novamente e me colocar outras questões, novos problemas. Foram anos assim, nestes encontros/consultas de rua, sem qualquer problema, sem complicação nem retribuição. Um dia, estava numa repartição local a tomar notas sobre a forma como fazer um requerimento e ele, apercebendo-se do que eu queria , tirou-me o papel da mão e disse: “Deixa que eu faço-te isso”. Protestei alegando que era uma coisa simples e que eu mesmo o faria, mas ele insistiu e levou-me o rascunho. Nessa mesma tarde entregou-me o requerimento, uma folha A4 escrita de um lado, dizendo que eu só precisava de assinar e entregar na repartição. Agradeci-lhe, virei as costas para me ir embora mas, para descarga da consciência, voltei atrás e perguntei-lhe: “Quanto te devo?”. Com a prontidão de quem já está preparado, respondeu-me: “Deves-me XXX, mas podes pagar depois”. Fiquei chocado, não só por ele ter “lata” de me cobrar como, pior ainda, apresentar uma conta dez vezes o preço normal do serviço prestado… voluntariamente.

Ao recordar-me deste e de outros “amigos” com quem me cruzei nesta viagem que é a vida, lembrei-me de uma história real: O senhor Bastos era proprietário de uma loja de tecidos em Lousada, no tempo em que não existiam lojas de “pronto a vestir”, e gostava dos vendedores, especialmente de um que tinha muito jeito para contar anedotas. Mal chegava, fazia-o sentar-se num banquinho que a empregada trazia, para “o meu amigo me contar as últimas”. E ele lá contava fazendo-o rir, mas quando se falava de negócios o sr. Bastos respondia-lhe sempre: “Que azar, comprei na semana passada a outro , hoje não preciso de nada”. E isto repetia-se regularmente, sem que ele lhe comprasse um metro de tecido sequer. Um dia, quando o sr. Bastos o mandou sentar, ele disse-lhe: “Hoje não tenho anedotas para contar”. “Não pode ser, pense um pouco porque sabe sempre alguma nova”, respondeu. “Não, não tenho, e a única coisa que lhe podia contar era um sonho, mas é melhor não o fazer, pois é desagradável”. Mas insistiu tanto que ele acabou por contar: “Sonhei que morri e fui para o Céu. À porta estava o S. Pedro que me mandou esperar ali ao lado. Fiquei a ver as pessoas que estavam sempre a chegar e o S. Pedro deixava entrar algumas no Céu mas também mandava outras para o Inferno ou para o Purgatório. Ao fim de algum tempo comecei a ficar aflito, com vontade de fazer as minhas necessidades e fui falar com ele: “Senhor S. Pedro, estou aflito, onde é que me posso aliviar?” E ele indicou-me uns arbustos e que ali atrás havia um buraco onde o poderia fazer. Assim fiz, fui atrás dos arbustos e lá estava o buraco. Desci as calças e quando me ia a aninhar olhei cá para baixo, para a Terra, e que vejo eu? A careca do sr. Bastos, mesmo por debaixo do buraco. “Puxei à pressa as calças acima, fui ter com S. Pedro e disse-lhe para me arranjar outro sítio porque ali não podia ser, pois por debaixo daquele buraco estava um cliente meu. E o S. Pedro perguntou-me: “E ele já te comprou alguma coisa”? “Não, nunca me comprou nada”, respondi prontamente. E com toda a convicção, ele ordenou-me: “ENTÃO C… (FAZ-LHE) EM CIMA.” E não é que a história do sonho deu resultado!!!

Por isso, no caso de serem os nossos ditos “amigos” a estarem por debaixo do buraco, seja ele qual for, devemos seguir o conselho que S. Pedro deu ao vendedor, despejando o “saco” à vontade. Sejam eles carecas ou cabeludos…

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