Hoje, devedores, e amanhã? Caloteiros?

O meu amigo João está radicado no Brasil há mais de cinquenta anos e, nos últimos, tem dividido o seu tempo entre o Rio de Janeiro e Lousada. Assim, foram inúmeras as viagens que fez do Rio para cá e vice versa.

Ora, no tempo em que para viajar era costume mandar fazer um guarda roupa novo, antes de uma dessas viagens de vinda o João foi ao seu alfaiate encomendar dois “paletós”, isto é, dois fatos. Ali encontrou outro português, com fama de caloteiro crónico, que também ia comprar um “paletó”. Depois do João ter acertado tudo com o alfaiate, seguiu-se o seu conhecido que fez uma “fita” terrível a marralhar o preço, obrigando o alfaiate a fazer-lhe desconto. Já cá fora, o João voltou-se para ele e disse-lhe: “ Oh meu amigo, para que é que você teve aquele trabalho todo pedindo para baixar o preço, se você não lhe vai pagar nunca”? E com a maior desfaçatez o outro respondeu-lhe: “Sabe, João, eu gosto muito daquele cara e é que assim… ELE PERDE MENOS…”

Circulou na net uma carta dita da autoria de um “caloteiro, que dizia mais ou menos o seguinte: “Prezados Senhores: Esta é a oitava notificação que recebo de V. Exas.. Acontece que estou devendo a outros e todos esperam que eu lhes pague. Contudo, os meus rendimentos mensais só permitem que eu pague duas prestações por mês, ficando as outras para o mês seguinte. Estou ciente que não sou injusto, daquele tipo de pessoas que prefere pagar a esta ou àquela empresa, em detrimento das demais. Ocorre o seguinte: Todos os meses quando recebo o meu salário, escrevo o nome dos meus credores em pequenos pedaços de papel que enrolo e coloco numa caixa. Depois, olhando para o lado, retiro dois papéis que são os “sortudos” que irão receber o meu rico dinheirinho. Os outros, paciência, ficam para o mês seguinte. Garanto aos senhores que a vossa empresa consta todos os meses na minha caixa. Se não lhes paguei ainda, foi porque os senhores estão com pouca sorte. Para acabar, uma advertência: Se continuarem com essa mania de me enviarem cartas de cobrança, ameaçadoras e insolentes, serei obrigado a excluir o nome de V. Exas. da caixa nos meus sorteios mensais. Cumprimentos”.

Sempre existiram caloteiros, mais ou menos conscientes, mais ou menos profissionais, embora em número tanto menor quanto mais recuarmos no tempo. Há meio século, ser-se bom pagador era uma questão de honra, caso contrário era uma vergonha para o próprio e para a família. Quando não se podia pagar era-se humilde, dava-se a cara pedindo desculpa e aceitando outras formas de liquidar o débito.

A transformação política, económica e social que o país sofreu, foi também acompanhada de uma perda de valores éticos, morais e religiosos a troco do materialismo em que o TER virou muito mais importante que o SER.

Era preciso ter a qualquer preço, mesmo que se tivesse de passar por cima de quem quer que seja. Daí o querer ter-se tudo, tantas vezes sem se poder. Foi assim que a sociedade deu lugar a uma geração de caloteiros desavergonhados, arrogantes, malcriados e até agressivos, orgulhosos de o serem, intimidando os credores como se estes fossem os culpados da sua desonra.

É vê-los a comprar carrão novo e a negarem-se a pagar o que devem, alegando não terem como. Nada têm em seu nome mas estão bem de vida, divorciam-se continuando a viver com a mulher, enquanto fazem falir empresas à sua volta sem qualquer tipo de escrúpulos. E o mais lamentável é que a ineficácia do nosso sistema de justiça joga a seu favor, diante do qual os lesados se questionam “afinal de que lado está a justiça?.

A crise veio pôr a nu ainda mais o bom e o mau que há em cada um de nós, pois é nos momentos difíceis que os homens se revelam: Homens ou moços. Podemos deixar de ter condições para pagar, para cumprir as nossas responsabilidades, tantas vezes por culpa de terceiros. Mas aí é preciso assumir (ainda mais), conversar em vez de não atender o telemóvel, aparecer em vez de fugir.

Mas vem tudo isto a propósito dos mais de duzentos mil milhões de euros (Uma pipa de massa) que o país deve e que me leva a perguntar: Qual era a intenção dos “homenzinhos” armados em governantes, de vários quadrantes políticos, que durante 38 anos criaram e esconderam o “monstro”? Pensariam em pagar só duas prestações à sorte, como o caloteiro da carta? Pensariam como o primeiro, em pedir para baixar o valor do débito para, não pagando nada, o prejuízo dos credores ser menor? Ou julgavam-se com esperteza suficiente para convencer os credores de que, afinal, eles é que nos deviam?

Uma coisa esses “homenzinhos” conseguiram: FAZER DE TODOS NÓS DEVEDORES, sem termos consciência de o sermos, em oposição aos casos citados. E amanhã? SE CALHAR, … “CALOTEIROS”.

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