O pagador das promessas… dos outros

Quem não se lembra da Dona Branca, a “banqueira do povo”, uma mulher surgida do nada, que prometia pagar juros de 10% ao mês a quem investisse o seu dinheiro nela?

Recordo-me que, no decorrer de uma edição da Agrival em que participei, ter sido massacrado por um colega meu que se dizia seu colaborador, tentando vender-me a promessa de tais juros e garantindo-me o retorno do capital investido em dez meses, demasiado tentador para o mais cético. E ainda hoje me pergunto qual a razão porque não caí no logro…

A verdade é que muitos milhares de portugueses lhe entregaram as suas poupanças, alimentando uma ilusão que só pôde durar enquanto a entrada de dinheiro foi suficiente para alimentar o tal pagamento de juros, para além dos gastos e desvios feitos por ela e pelo bando que a rodeava. Quando isso se inverteu, ruiu o esquema e alguns milhões de contos tinham voado.

Resultado: Os investidores, na sua maioria gente humilde, pagaram a promessa … de outros. E como foi possível? Como é que uma mulher de aspeto tão simples conseguiu enganar tanta gente, alguns tidos como muito inteligentes? Bom, quanto maior é a mentira mais fácil é acreditar nela.

Os burlões normalmente usam a ganância ou a vaidade dos incautos como isco para os ludibriar, chamando-se a isso “ir buscar lã e sair tosquiado”. Este caso, apesar de muito badalado, não serviu de lição a ninguém porque outras “Donas Brancas” se seguiram e de que são exemplo os casos dos bancos BPP e BPN, noutra escala e com outra roupagem, que lhes conferia um ar de respeitabilidade. Se no caso do primeiro voltaram a ser os investidores a pagar as promessas… dos outros, já no caso do BPN quem pagou as ditas promessas… dos outros, não foram os investidores, aqueles que correram atrás da ilusão, mas todo um povo que nada tinha a ver com o caso, por decisão de meia dúzia de políticos, unilateralmente e em seu nome. Neste caso, foi o povo o pagador das promessas… dos outros.

Mas nisto de prometer e mandar a conta a outros, a lista é tão extensa que teria de escrever um livro e não um simples artigo de fim de semana, para relatar (só) os casos que conheço. Por isso vou-me ater numa área onde as promessas foram tantas, tantas ( e continuam a ser), que a fatura tinha de ser brutal… para (nós) os outros.

Após o 25 de Abril cada político passou a prometer mais do que o seu antecessor, num desaforo e descaramento impressionantes, sem cuidar de dizer quem pagaria a fatura. Prometeram-nos, e até lavraram na constituição deste país, educação, saúde e sei lá bem mais o quê, inteiramente grátis, autoestradas, hospitais, escolas, estádios, exposições mundiais e outras que tais, para que o nosso futuro fosse mais risonho, porque deveríamos pertencer ao pelotão da frente da Europa. E nós acreditamos…

Bom, o certo é que depressa se abriram os cordões da bolsa que a ditadura mantivera fechada, para cumprir o prometido. As obras começaram a ser feitas, o desenvolvimento aconteceu, embora o passo dado “fosse maior que a perna”. E se em 1975 se gastou mais do que se produziu, qual era o problema? Havia quem emprestasse dinheiro à república para que as promessas fossem sendo cumpridas. E no ano seguinte gastou-se novamente demais, dando origem a uma palavra nova para nós: o deficit. E a partir daí e até aos nossos dias, foi um regabofe de promessas, sensatas ou insensatas, pois o que era preciso era prometer para ganhar eleições e em muitos casos fazer, porque era no fazer que se pagavam favores, ganhavam comissões, encontravam patrocinadores para as campanhas eleitorais para prolongar o tempo no poder, em jogos de interesse onde a corrupção grassou e o dinheiro correu. E neste fazer de obra por todo o país esconderam-nos que se pedia mais e mais dinheiro a entidades externas cujo negócio é especular.

Mas continuamos a ser iludidos (e até participamos nessa ilusão pedindo para que fizesse mais do que o bom senso aconselharia). Por isso batemos palmas aos estádios de que agora ninguém quer ouvir falar, à Expo e ao Euro 2004 feitos para os políticos se porem em bicos de pé, às autoestradas exigidas pelo interior convencidos que iriam ser à borla e que agora vão pagar com língua de palmo (desprovidos que foram de alternativas), aos hospitais e outros que tais feitos pelas parcerias público/privadas de que ninguém quer ser pai, etc., etc. … E ainda ficaram na gaveta o TGV, o aeroporto da Ota/Alcochete, a nova travessia do Tejo, a miragem de uma candidatura aos Jogos Olímpicos., por falta de tempo para…

Mas os credores, esses “amigos” que nos financiaram nestes quase 40 anos sem se esquecerem de cobrar juros cada vez mais altos, ao verem que corriam o risco de nem esses juros receberem, disseram “BASTA”, impondo-nos a Tróika. E vieram novos governantes, rapidamente transformados em “comissão liquidatária” ou “administração da massa falida” e que, perante a fatura das promessas dos inúmeros (ir)responsáveis que os antecederam (dotados de imunidade criminal) e que nos prometeram o Céu enquanto nos preparavam o Inferno, agiram como “baratas tontas”, sem rumo nem objetivo.

E é por isso que nós, Povo deste país, estamos a ser espoliados, empobrecidos brutalmente, obrigados a ser os Pagadores das Promessas… dos Outros.

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