Não tenho inclinação para a história porque não tive nenhum professor que me despertasse o interesse pela matéria, antes pelo contrário, a forma como esta disciplina me foi ensinada era, em gíria estudantil, uma “seca”.
A minha aprendizagem desta matéria teria sido muito melhor se me tivesse sido incutida motivação, que não aconteceu, e se tivesse sido valorizada a compreensão em detrimento da memorização. Não sendo matéria da minha especialidade, já há uns meses que me propus fazer um pequeno exercício de memória no que à história diz respeito a propósito de três homens, três empresários que, em meu entender, se tornaram personalidades, ao destacarem-se e deixarem a sua marca em Lousada durante o século XX e a quem o concelho muito deve e vai continuar a dever ao longo do século XXI. Mas, um acontecimento imprevisto fez-me alterar essa intenção, levando-me a escrever hoje, somente sobre um deles.
É sempre subjetivo referir da maior ou menor importância de uma pessoa, até porque alguns são considerados grandes porque “também lhes mediram o pedestal”. No entanto falamos de quem fez obra, de factos que não podem nem devem ser esquecidos, de homens que tiveram a ver com a vida de muita gente e que por isso têm de merecer o nosso respeito e cujos nomes devem ser preservados na história de Lousada. Um empresário é alguém que exerce profissionalmente uma atividade económica organizada para a produção de bens e serviços.
Sem empresários não há empresas, sem empresas não há emprego – que tanta falta faz hoje a centenas de milhares de pessoas em Portugal – sem emprego não há criação de riqueza. Muito vilipendiados e raramente adorados, os empresários são quase sempre mal amados, tidos como um mal necessário, sujeitos à inveja e à calúnia, até porque são quase sempre considerados ricos, mesmo que o não sejam. É verdade que há bons e maus, alguns com formação e capacidade mas muito mais sem qualquer preparação para tal, e que acabam por denegrir a imagem geral do grupo.
Um empresário é um homem de ação, ação esta que não vem do pensamento mas da disposição de assumir responsabilidades. E um bom empresário é um homem que as assume. Nestas breves linhas falo de um empresário, de um homem que, por tudo o que fez, passou a ser uma das personalidades de Lousada do século passado.
E falo especialmente dele porque, hoje mesmo, último sábado de Outubro, fui surpreendido com a notícia que o Manuel Mendonça me deu: Faleceu o senhor JOSÉ DOMINGOS DE ARAÚJO DIAS, mais conhecido por senhor Dias, da ESTOFEX, e o seu funeral já se realizou ontem. E disse-me ainda que ficou muito admirado porque estiveram poucas pessoas no cemitério de Cristelos, no funeral de um homem que merecia a homenagem de muita gente de Lousada.
Fiquei triste não só pela morte do último dos três grandes empresários de Lousada do século passado – os outros foram os senhores Jaime Pinto de Moura e Hans Isler – mas também por não ter estado presente na sua última viagem neste nosso mundo. E só não estive lá, porque não soube.
É certo que para um grande número de lousadenses o nome do senhor José Dias já nada lhes diz, pois nasceram ou cresceram nas últimas três décadas, quando ele já se retirara para o Porto, e mais tarde para Gaia, onde passou a viver uma vida mais tranquila, muito em função da sua doença. Mas ainda há muita gente que com ele privou, trabalhou ou que dele usufruiu benesses, mas quero crer que não souberam da sua morte, tal como eu.
Há três tipos de pessoas: As que fazem, as que veem fazer e as que perguntam o que aconteceu. José Dias foi um daqueles que fez, e fez obra grande, tendo construído há cerca de cinquenta anos uma das maiores unidades fabris de Lousada, senão mesmo a maior de sempre: A ESTOFEX.
Um homem de grandes conhecimentos, muito viajado e conhecedor do mundo no tempo em que o mundo se resumia quase ao nosso “quintal”, era um visionário e um sonhador. Viveu a sua vida entre Portugal e o Brasil, muito beneficiando dessa dupla vivência de que soube colher o melhor dos dois mundos.
Iniciou a atividade da ESTOFEX num edifício da FAMO, mudando-se mais tarde para instalações industriais próprias por detrás desta e bem dentro da vila, com a atividade centrada no fabrico de móveis e estofos de linhas modernas, uma revolução para a época. A unidade fabril cresceu quase meteoricamente, em dimensão fabril e equipamentos dos mais modernos de então, surpreendendo o comum dos cidadãos pelo avanço tecnológico, impar na região. Deu emprego a um grande número de pessoas – “na hora da saída da fábrica, era um rio de gente” dizia-me um antigo operário – num período em que a industrialização começava a dar os primeiros passos no concelho e na região, gente essa na sua maioria sem preparação nem formação profissional, mas que rapidamente se adaptou à função.
O crescimento da empresa deu-se na década de sessenta, atingindo o auge na seguinte, mas nesta vida tudo nasce, cresce, vive e morre e o período conturbado e de crise que se seguiu à revolução de Abril e as grandes dificuldades que vivemos então, foram-lhe adversas, acabando por a levar ao encerramento. No entanto, as instalações que edificou ficaram de pé, apesar de esventradas, e anos depois viriam a ser transformadas no parque industrial que é hoje, abrigo de várias empresas industriais, comerciais e de serviços, só possível porque um homem como ele teve a coragem suficiente para arriscar tanto.
Como empresário, para além de dar emprego a muitos trabalhadores, trouxe um conceito novo: O das preocupações sociais com aqueles que trabalhavam na empresa. Era um verdadeiro lousadense e amava profundamente a sua terra onde, para além de ter construído aquela grande empresa que foi a ESTOFEX, assumiu diversas responsabilidades na comunidade, a maior das quais como presidente da assembleia municipal, cargo que exerceu com grande nível.
Sempre disponível para ajudar, deu a mão a muita gente e a várias instituições locais, patrocinando eventos e organizações, como benemérito que foi. Era um homem inteligente e de uma cultura invulgar, que viveu as últimas décadas rodeado de livros, deleitando-se com a poesia, cultivando as amizades, uma espécie rara neste mundo descartável, que acabou de partir para o canto das memórias, quase esquecido na sua Lousada querida, onde quis deixar os seus restos mortais já que há muito lhe entregara o coração.
Ainda há relativamente pouco tempo, doou à Biblioteca Municipal de Lousada um valioso espólio, que ocupa a sala com o seu nome. Pessoalmente, aqui deixo o meu preito de homenagem ao Homem, que admirei pelo que foi, pelo que fez, pelo que sonhou.
Para mim será sempre um dos três grandes Empresários de Lousada do século XX, diria mesmo, uma das Personalidades marcantes desse período, e a história local deve-lhe isso. E para que o concelho não repita a injustiça que foi feita a um outro Empresário, seria a altura própria de batizar o parque industrial de hoje, instalado na sua unidade fabril de ontem, para perpetuar o nome de JOSÉ DIAS no amanhã, porque sem ele nunca haveria parque.