Uma lição de Democracia. Consciente.

Quando era criança acreditava que, à medida que os anos passavam, o Homem ficava melhor, mais humilde, honesto, solidário, bondoso, inteligente, justo, pacífico e cheio do que chamamos “valores”. Mas, ainda na adolescência, perdi essa inocência. Entretanto, levado por algumas leituras que me fizeram acreditar na democracia, sonhei com a queda do regime e a possibilidade de serem todos os cidadãos do país a escolher o seu destino. 

E veio mais uma deceção: o regime caiu, instalou-se uma “dita democracia”, mas os portugueses foram entregando as escolhas do seu destino nas mãos de terceiros a quem ingenuamente se entregaram muitas vezes de olhos fechados, só por ser “o meu clube”, “o líder de quem mais gosto” e não “quem defende os meus interesses e os do meu país”. Daí que, já há muito me deixei de surpreender se um político, corrupto, condenado, incompetente e ruinoso na gestão da causa pública, é eleito ou reeleito, promovido ou até condecorado, como merecedor de continuar a ser escolhido para nele delegarem o poder de decidir o que é melhor para nós (e não para ele). Porque, o voto só é uma escolha e uma arma, se soubermos distinguir e saber, de forma consciente e informada, o que está em causa quando colocamos a cruz no boletim de voto. A “consciência cívica” que muitas vezes falta. Doutra forma, não passamos de “carneiros”, usados para validar interesses alheios.

É por isso que hoje, qualquer ato eleitoral neste nosso país me deixa muito cético, talvez por acompanhar o que se passa nalguns países, sobretudo na Suíça, muitas vezes apontada como modelo de transparência, estabilidade das instituições, segurança jurídica e participação popular nas decisões mais relevantes para a vida nacional.

Por cá, às vezes as coisas saem de onde menos se espera e acontece aquilo que o povo expressa tão bem como: “uma mata de onde não se espera que saia coelho”. Foi o que aconteceu com as eleições de um clube de futebol, esse mundo especial onde a democracia informada e transparência, dificilmente andam de mãos dadas: no Futebol Clube do Porto. Depois de uma polémica Assembleia Geral, em novembro, onde as coisas descambaram, o que muitos esperavam ver a seguir não aconteceu: problemas, desacatos, confusão, violência. Em vez da desordem e o caos, o clube e os sócios fizeram questão de fazer uma demonstração de organização, urbanidade, civismo, democracia e liberdade. Numa adesão sem precedentes a um ato eleitoral, o mais concorrido da história do clube, foi um bom exemplo do que deve ser um sufrágio, independentemente do vencedor. A campanha eleitoral, o interesse mediático em redor dela, o choque geracional de um candidato com passado desportivo e sem experiência no dirigismo, que ousou desafiar o dirigente mais titulado do mundo, prometia marcar um antes e um depois dessa data. Confesso que era minha convicção ser uma luta de David contra Golias e para Pinto da Costa, enquanto se candidatasse, “seriam favas contadas”. Mesmo que tivesse de ir em maca carregado às costas pelo bando que o rodeava, ganharia as eleições “com uma perna às costas”, porque os sócios colocariam sempre a gratidão por quem transformou um clube de tamanho regional numa potência do futebol europeu e mundial, acima dos reais interesses do clube. Mas enganei-me completamente. A vitória de André Vilas Boas foi uma enorme surpresa, não só pelo triunfo em si como pela dimensão dos números. 

No entanto, o que maior relevo merece neste ato eleitoral, foi a capacidade da grande maioria dos sócios (superior a 80%) ter sido capaz de escolher aquilo que estava em causa: o futuro do clube. E fizeram-no reconhecendo uma enorme gratidão a Pinto da Costa, mas que ela não poderia condicionar o futuro do F. C. do Porto e que esse futuro passava por Vilas Boas. E foi obra serem capazes de fazer essa escolha!

Esta lição de uma escolha consciente pode e deve servir para outras situações que não as do futebol a começar pela política e pelas nossas escolhas quando somos chamados a decidir quem queremos para nos governar nos mais diversos níveis. Devia servir para pensarmos que a salvação da nossa sociedade depende da proximidade, preocupação e interesse permanente dos cidadãos a tudo aquilo que é importante para o seu futuro, da tomada de consciência dos riscos de entregar o poder de os representar a quem não merece e, sobretudo, de insistir no erro de o continuar a fazer quando as provas foram um grande desastre. No caso das eleições para a presidência do F. C. do Porto estava em causa a sobrevivência de uma grande instituição popular. Era essa a realidade e os sócios perceberam como era imperiosa a mudança para salvar o que se afundava. E tudo correu na maior das tranquilidades como se tivesse sido uma coisa normal, que não foi.

Na política temos um caminho longo a percorrer para aprender a tal consciência cívica que nos permita separar “o trigo do joio”, os que fazem “serviço público” dos que “se servem do público” e reconhecer os políticos que deixam os cidadãos fora de decisões que determinam as suas vidas, desde o valor do dinheiro às guerras onde os envolvem. As eleições do Futebol Clube do Porto serviram de exemplo para a forma como a democracia deve ser exercida. E a vitória de Vilas Boas e a ação dos sócios, constituem lição para que os cidadãos repensem a “democracia” que lhes está a ser servida para, na realidade, servir os “Pintos da Costa” dos negócios. E para que os cidadãos tomem consciência que os seus votos não podem servir para legitimar o seu afastamento da política. Porque os seus votos, a sua abstenção ou a sua alienação, não podem servir para justificar a apropriação desses poderes por um grupo organizado …