Literalmente, foi uma viagem de …

Diz um proverbio árabe que “quem vive, vê muito, mas quem viaja, vê mais”. É que o mundo é um livro e aquele que não viaja lê sempre a mesma página. Dou graças a Deus por me ter dado a possibilidade de viajar bastante, de conhecer muitas outras gentes, culturas diferentes e correr o mundo, em trabalho, lazer, estudo e até em serviço militar. E aproveitei a maior parte das oportunidades que tive. Fiz viagens quase sempre acompanhado e aquelas de que guardo as recordações maiores são as que fiz em família, sem roteiro de viagem, um pouco ao ritmo dos dias e da disposição do momento, sem ter a pressão do cumprimento de horários, de seguir aquele trajeto custe o custar ou de ter de chegar onde quer que seja. Nas viagens programadas não há surpresas, somos meros peões ao ritmo do relógio, onde parece que tudo é mecanizado, sem desvios, sem novidades, como carneiros a seguir o pastor.

Viajar é partir à descoberta de novas paisagens, novos costumes, novas gentes, novas culturas e até a oportunidade para descobrir que muitas vezes estamos errados naquilo que pensamos sobre outros países e outros povos. A realidade é o que é e não a que imaginamos. Para além disso, viajar é colecionar histórias, sorrisos, fotografias e carimbos. Antigamente, os viajantes exibiam com alguma vaidade os autocolantes colados nas malas de viagem. Hoje, sãos os carimbos nos passaportes. 

Houve viagens em que me assombrei com cada quilómetro que viajei, com cada refeição que comi, com cada pessoa que conheci e cada local que visitei e, embora pareça um lugar-comum, houve momentos em que a realidade ultrapassou a minha imaginação. Mas lembramos quase sempre os momentos insólitos como o atravessar num Land Rover uma ponte em Angola feita com troncos de árvores soltos e ao chegar à outra margem ver a ponte ruir atrás de nós. Ou ter de viajar no cockpit do avião a caminho da Madeira ao lado e por convite do comandante, por ser o último passageiro a entrar no avião e não ter lugar. Ou numa caçada em África ver uma palanca atingida a tiro desferir um coice nos dentes do caçador como que por vingança quando ele se colocou por trás. Ou pior, ficar enterrado na lama e paralisado de medo ao ver uma manada de elefantes correr na nossa direção e desviar-se a tempo por um tiro disparado ao acaso. Estes e outros momentos, mais do que as paisagens, ficaram gravados na minha memória tanto mais quanto mais original foi o insólito.

Por diversas razões, nos últimos anos quase não tenho viajado apesar do prazer que isso normalmente me dá e só recentemente aceitei o empurrão que os meus filhos me deram para os acompanhar numa viagem ao Médio Oriente, num misto de lazer e trabalho. E, quando me perguntam como correu, normalmente confesso a verdade: Foi, literalmente, uma viagem de … trampa (para não dizer aquele palavrão). E explico porquê: Voamos do Porto para Lisboa e, ainda não tinha aterrado, senti umas cólicas ligeiras. Já no aeroporto, fui à casa de banho e confrontei-me com um certo incómodo: Diarreia. Pouco depois voamos para o Dubai, sem problemas, mas mal aterramos, não perdi tempo e corri para a primeira casa de banho que encontrei. A diarreia vinha acompanhada de cólicas. Apanhamos o táxi para o hotel e, enquanto o meu filho fazia o check in, eu voltei a procurar a sanita mais próxima para não chegar atrasdo. As cólicas e a diarreia eram piores. Permaneci no Dubai durante quatro dias e, apesar de tomar medicamentos como o “imodium” e “ultralevur”, só retardavam um pouco a chegada das cólicas e a visita à casa de banho mais próxima. Fosse para onde fosse, tinha de “estudar o terreno” e estar de olho na “saída de emergência” mais à mão. Tivemos no hall de entrada do hotel e por precaução, mal pressentia o princípio de uma cólica, caminhava para o elevador e subia ao quarto “em passo travado” e de nádegas apertadas, para evitar que a coisa rebentasse antes de descer as calças e sentar-me na sanita. Mas, apesar do “passo travado” e “apertos”, por duas vezes não consegui chegar a tempo de fazer a descarga onde deveria ser feita. Mas é a vida e foi mais um insólito para recordar nas memórias de viagens. Porém tenho de reconhecer que durante os 4 dias que passei no Dubai, conheci muitas, mas mesmo muitas e tão variadas … sanitas. Só não tive oportunidade, tempo, nem disposição para apreciar o design de cada modelo e a sua eficiência. No final do quarto dia voei para Mascat, capital de Omã e no dia seguinte obrigaram-me a ir ao Hospital Internacional de Omã, curiosamente gerido por uma empresa portuguesa de Coimbra, onde me puseram a antibiótico e soro, por desidratação, tendo por lá ficado durante dois dias. Foi ou não foi, literalmente, uma viagem de … ? 

Sejamos francos, viajar é ter histórias para contar e não coisas para mostrar, histórias de deslumbramento ou calças na mão, vivências marcantes, natureza selvagem, virgem e paisagens deslumbrantes. O gostoso não é a chegada ao destino, mas a viagem e os momentos desde a partida à chegada. E nada há como viajar para desenvolver a inteligência, evoluir, aprender e viver.  

O Dalai Lama diz-nos: “Uma vez por ano, vá a um lugar onde você nunca esteve antes”. Porque ver o mundo, é mais fantástico do que qualquer sonho. E está provado que viajar não é uma despesa, mas sim um investimento, porque é a única coisa que nós compramos e nos torna mais ricos. Muitas vezes deixa-nos sem palavras, mas é isso que nos torna contadores de histórias, ainda que sejam de calças na mão e “padaria” colada na sanita, como esta que foi, literalmente, uma viagem de …