Para mim, não. Preferia emigrar …

A natureza colocou pelos no nosso corpo e dele fazem parte, quer se queira, quer não. Porquê? Porque sendo todos muito diferentes, em comum todos eles servem para nos proteger, seja da radiação solar, frio, calor, fricção da pele, infeções devido a pequenos cortes e até de doenças. Cabelos, sobrancelhas, cílios ou pelos da região pubiana, dos ouvidos, nariz, axilas ou qualquer outra parte do corpo, cada um tem funções específicas, seja na diminuição de queimaduras nas virilhas, seja na diminuição da fricção existente no contacto de pele com pele do ato sexual ou de uma coisa tão simples como andar, seja a criação de uma barreira contra as bactérias e muitas outras funções.

Quando garoto, os pelos no homem eram sinal de masculinidade e nas mulheres, em menor quantidade, eram … naturais. Aliás, como a maior parte dos corpos femininos andavam tapados, a estética não se colocava. Mas, sobretudo a partir da industrialização com a saída das mulheres para o mercado de trabalho, a subida das saias e à medida que foram aumentando os centímetros quadrados do corpo feminino a nu, a propaganda começou por convencer as mulheres que os pelos são um “embaraço” e a indústria criou e vendeu os primeiros cremes e aparelhos depilatórios para elas. E a mentalização levou que estas passassem a interiorizar que pelos são feios, sujos e masculinos. Foi então que alastrou o conceito estético feminino de hoje alicerçado na publicidade, imprensa, moda, televisão, cinema e, anos mais tarde, no erotismo e pornografia, levando-as a rituais regulares de purificação daquilo que consideram ser uma maldição feminina, num sacrifício supremo em nome do “padrão estético” e da aceitação. Deixaram de ter escolha e de ser donas do seu corpo. 

Desde então, sofisticaram-se métodos, aumentou a exigência de uma pele “limpa” e todas as “armas” eram válidas para a conseguir: Laser, cremes, cera, lâminas e múltiplos aparelhos num negócio crescente. A verdade é que os homens criaram uma “mulher padrão” totalmente depilada (como as castanhas de outrora), caso contrário não seriam “consumíveis” pelo olhar masculino. Enquanto nos homens os pelos significavam poder e masculinidade, nas mulheres a depilação era o símbolo da feminilidade e fragilidade. Assim foi construída a imagem do corpo da mulher: limpinho de pelos, pele suave (pelos cremes) à custa de muita dor, sofrimento e consequências no pós-depilatório.

Já nos homens os pelos não eram (nem são) considerados nojentos e feios, embora tenham as mesmas funções e sejam mais abundantes. E enquanto nas mulheres a depilação passou a ser uma obrigação, em alguns homens levados pela corrente da efeminização, é opção, mas não uma necessidade. Ninguém olha de lado um homem de calções e pelos nas pernas nem nos rimos do emaranhado de pelos no peito ou na axila. Já nas mulheres tornaram-se inaceitáveis para a sociedade e mentalidade de hoje, tornando-as quase proscritas … 

É verdade que as mulheres vivem apavoradas com “esses malfadados pelos”: Correm a depilar-se quando se aproxima o tempo de ir à praia ou chega o verão. Vestem calças em vez de saias por terem pelos nas pernas. Plantam-se diante do espelho catando cada um e julgam-se. Enquanto isso, como o mercado para os produtos e serviços que são essenciais na depilação precisava de crescer para além das mulheres, os homens passaram a ser “formatados” em novos conceitos como o metrossexual, que retrata a “sintonia do homem heterossexual com o seu lado feminino” e vive nas grandes metrópoles, com preocupação excessiva na sua aparência, o que até há pouco tempo era anormal e tido como próprio de um homossexual. Com a adesão a este novo tipo de apresentação masculina por parte de algumas vedetas, o conceito cresceu e com ele a depilação masculina, no todo ou em parte. Jovens são o terreno onde o mercado procura crescer, conquistando crentes vendendo a ideia de que é moderno e higiénico, o mesmo que se usou para atrair as mulheres.

Dizia uma reputada especialista na matéria: “À pergunta “porque nos depilamos?”, lá vem a maior mentira: porque é mais higiénico. Logo a seguir, a segunda mentira: os pelos são feios. E, finalmente, a terceira: é uma escolha minha”. A verdadeira razão da depilação é a pressão social, que não tem deixado outra escolha às mulheres (e agora a um certo grupo de homens). Curiosamente, na altura em que assistimos a uma adesão crescente à depilação por parte dos homens, sobretudo os mais jovens, assiste-se ao nascimento de um movimento feminino em sentido contrário, naquilo que consideram ser “retomar a posse do corpo” e o direito de recusar a depilação sem qualquer complexo pelo facto de ter pelos, que consideram naturais, livrando-se desse sacrifício crónico e regular que é o ato depilatório.

Quando penso em depilação masculina até os pelos se arrepiam e não sei como é que eles sentem o que eu sinto. É verdade que eles sabem que os defendo “com unhas e dentes” e até nem concebo arrancar um único, quanto mais puxar a “carpete” inteira à força! Quando muito, a aparadela do costume, seja ela na cabeça, nariz ou outro local onde se tornem demasiado grandes e a ultrapassar os limites do razoável. Em nome da moda, pressão social ou do que quer que seja, é preciso ter-se uma certa dose de loucura para os arrancar à força, sujeitos à dor e a um sofrimento voluntário. A mim é que não me apanham! E se um dia, por mais absurdo que pareça, vier a ser obrigatório, emigro … 

Nisto da depilação cada um deve ter o direito de escolher livremente se quer arrancar, rapar, queimar, aparar ou deixar crescer livremente a “penugem”, tal como já o fazem em tantas “decorações” (?) seja com todo o tipo de grafitis a preto e branco ou coloridos nos locais mais bizarros e secretos da pele, seja por apêndices metálicos pendurados ou enterrados em posições e partes do corpo mais ou menos visíveis. E essa escolha para ser livre devia ser consciente, mas em regra, não se faz mais do que alinhar pelas modas, copiar os “tiques” da vedeta A ou B e, o mais comum, ser induzido pela publicidade, marketing e os outros meios que a indústria e os media utilizam para nos manipular. E só não seremos levados a regressar aos usos e costumes do Homem das Cavernas, peludos e desnudados, por não interessar ao negócio e muito menos aos “manipuladores desta sociedade de consumo” em que vivemos e de que somos meras “marionetes” … 

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