Só estamos bem “do outro lado da porta”…

Na minha imaginação sempre que ouço falar em “viúva” ainda vejo uma mulher completamente vestida de negro, com rendas a esconder-lhe o rosto e um grande crucifixo ao peito. Além disso, era uma mulher condenada à “solidão eterna”, como se tivesse também “morrido” com o falecido marido. Nessa época, quando um dia perguntaram a uma mulher idosa que perdera o marido há muitos anos qual a razão por que continuava a manter o “luto cerrado” ela respondeu com toda a naturalidade: “Esta é a forma que tenho de manter o sentimento, respeito e saudade pelo meu homem”. No caso de ser o homem viúvo, apesar de ter um pouco mais de liberdade, não deixava de andar enlutado e havia muita dificuldade em ter novo relacionamento. Recordo que na aldeia onde cresci, a rapaziada “tocava os cornos” na noite da véspera do casamento de algum viúvo, o que era coisa rara. Mas essas imagens são duma infância distante, tendo a realidade mudado pouco a pouco com o tempo, a moral, as mentalidades e mesmo os novos conceitos de relacionamento. O luto foi encurtando tal como o comprimento dos vestidos e o preto cedo deu lugar à cor. Só nas Caxinas, Vila do Conde, as mulheres a quem o mar roubou os seus homens, se mantêm figuras vivas de um negro absoluto e, para a maioria, a viuvez, como o casamento, é para o resto da vida. Até as leis que impunham ao viúvo um “tempo de jejum e abstinência” para novo casamento, espera essa que era de 300 dias para as mulheres e 180 dias nos homens, mudaram e, com isso, desapareceu em 2019 o período de espera, sinal de novo tempo e novas formas de ver a sociedade.

A verdade é que um viúvo ou viúva não morre com o cônjugue e nem sequer tem de ficar condenado a viver sozinho o resto dos seus dias, sem alguém com quem compartilhar as refeições além do sofá, as alegrias e tristezas, os projetos e preocupações, quem comparticipe nas despesas da vida e nas dificuldades do dia a dia e de dar satisfação aos impulsos sexuais se ainda for o caso, sem ter de recorrer a processos alternativos. A sociedade em geral já reconhece isso, dá aval e encara com naturalidade o direito de cada um refazer a sua vida, mas há demasiadas vezes “pedregulhos no caminho”, gente que acha saber qual deve ser a duração do processo de luto para alguém que perdeu o seu par como se tivesse o direito de se intrometer nos sentimentos e na vida desse alguém. 

O processo de luto é variável conforme a pessoa, mas é habitual durar entre 6 meses e um ano. A partir do momento que o viúvo faz o luto pode passar à fase seguinte, isto é, encontrar uma nova experiência amorosa. Já Freud dizia que “resolver o luto é voltar a amar”.

Normalmente o que mais inibe as viúvas são os filhos. As que são mães de jovens adolescentes têm medo de meter outro homem em casa. Por isso tendem a criá-los primeiro antes de apostar no novo relacionamento. Mas, seja homem ou mulher, muito mais vezes do que podemos imaginar têm de estar preparados para a reação negativa de um ou mais filhos quando dá sinais, ainda que ligeiros, de querer conhecer alguém com eventual intenção de um futuro relacionamento. É que uma não aceitação poderá acontecer com filhos de todas as idades, credos e fatores sociais, culturais e económicos, pois há aspetos emocionais e financeiros envolvidos para aceitar a nova namorada do pai, o companheiro da mãe. Há filhos que têm medo de “perder” também o pai (ou a mãe) para a pessoa com quem se está a relacionar, deixando de ter a sua atenção. Por vezes invocam a lembrança da mãe (ou do pai) que morreu, como se nova vida amorosa seja motivo para esquecer de vez a sua memória.

Os filhos adultos são mais racionais e pensam muito na parte financeira, no possível aproveitamento de alguém para enganar e tirar partido da situação. Claro que estão a pensar mais neles do que no pai (ou mãe), pois não querem que o património voe e vá parar às mãos de qualquer oportunista de “falinhas mansas”. Como o homem é muitíssimo mais pateta, pois procura sempre mulher que “o trate bem”, “lhe aqueça os pés” e “tome conta da casa”, é normal ser facilmente “esmifrado”. Ainda esta manhã a senhora “Maria” me dizia que “os homens são uns bananas que só pensam em mimos, sopas e descanso”, enquanto as mulheres são muitas vezes “interesseiras e calculistas”. E, como conhece bem o “mercado das viúvas” que “andam à caça”, diz que uma maioria tem sempre em mente como estratégia “ir sacando da vítima” todo o tipo de “contributos”, competindo entre elas para ver quem mais consegue. Contou alguns casos concretos em que se permitem falar à mesa dos cafés para provocar as invejas do costume. Dizia uma, exibindo um anel à “amiga e concorrente”: “De onde veio este virão ainda muitos mais”. E não se inibem de enumerar os vestidos, sapatos, botas, eletrodomésticos, móveis, quando não carros ou apartamentos, conquistados à custa desse “jeitinho” especial a que os homens se submetem.

Um novo relacionamento de alguém que enviuvou não implica casamento e, em muitos casos, cada um continua a viver na sua casa, mantendo a independência necessária para uma eventual retirada estratégica a qualquer momento. Como hoje tudo é tão transitório, é melhor estar prevenido …

Para quem perdeu o conjugue e quer voltar a “meter-se na boca do lobo”, isto é, “em alhadas”, se tiver filhos deve informá-los da sua intenção sem se sujeitar a qualquer pedido de autorização, o que seria absurdo. A responsabilidade da “asneira” tem de ser assumida por quem se quer meter nela, sem a querer distribuir por gente inocente no caso de correr mal. E, provavelmente, vai. Mas a vida é isso mesmo: Queremos estar sempre do outro lado da porta … 

Leave a Reply