Um sorriso, para derreter o gelo …

A primeira imagem com que ficamos de uma empresa, instituição, serviço ou repartição pública é-nos sempre dada pela pessoa que nos atende. Boa, má ou assim, assim, agradável ou desagradável, pode perdurar para sempre e fazer com que passemos a ser clientes fieis ou, pelo contrário, nos deixe péssimas recordações pela forma como fomos tratados e nos aconselhe a nunca mais lá voltar. Por isso se diz que quem nos atende é “o rosto” visível da empresa ou da instituição. Dele guardaremos a simpatia de um sorriso e as palavras amáveis ou uma cara arrogante, quando não de trato grosseiro e desrespeitoso. Tenho encontrado de tudo. Homens e mulheres, altos e baixos, feios e bonitos, magros e gordos, jovens e velhos, de quem recebi o brilho de um raio de sol ou o vendaval de uma chuva gelada. E se há alguns que fiz questão de reter na memória pela excelência da receção, outros houve que foram atirados de imediato para o rol do esquecimento e em dois casos, dei-me ao cuidado de telefonar ao proprietário dando-lhe a sugestão de que deveria melhorar a qualidade do atendimento para não “espantar a clientela”.       

Nos seus oitenta anos, o senhor Domingos era um solteirão alegre e bem disposto, mas muito respeitoso. Naquele dia precisou de tinta e dirigiu-se à drogaria mais próxima. Quando entrou, duas funcionárias que estavam ao balcão conversavam, contando detalhadamente entre si as histórias do fim de semana, com pormenores a mais, sem sequer se preocuparem com a presença do senhor Domingos. E ele ficou ali, do lado de fora do balcão à espera de ser atendido durante mais de vinte minutos, enquanto as duas balconistas tagarelavam como dois papagaios à solta pela manhã, esquecidas do resto. Só quando uma delas avisou que ia à casa de banho é que a outra se “virou para o cliente” com ar insolente e fez a pergunta de quem está a fazer um frete, incomodada: – O que é que quer? O senhor Domingos fingiu não notar o tom desagradável e tirou do bolso um bloco de notas onde registara a referência da tinta que o pintor lhe solicitara, entregando-a à empregada, dizendo: – Por favor, desejo uma lata de cinco litros desta tinta. Levando consigo o bloco de notas, ela foi ao armazém e pouco depois apareceu com a lata de tinta que poisou em cima do balcão. E, naquele ar insolente, perguntou: “É só?”, como querendo saber se ele só queria aquilo ou se precisava de mais alguma coisa. E o senhor não deixou fugir a oportunidade para lhe “dar troco” pela sua indelicadeza: “Não sou só, não. Tenho lá em casa mulher, dois filhos e um cão” …

A qualidade do atendimento ao cliente é um ponto fundamental em qualquer empresa. Sem um bom atendimento, não há clientes, sem clientes não há negócio e, sem negócio, não há empresa. Também o é nas instituições e repartições públicas, onde de vez em quando ainda encontramos gente que teima em querer fazer de nós, cidadãos com direitos, meros pedintes do que nos é devido e que essa gente pensa ser favor só porque estamos do outro lado do balcão. E, confesso, já por mais que uma vez abandonei a fila por não querer ser atendido por alguém “com cara de poucos amigos”, com falta de educação e arrogância. 

Felizmente hoje já temos em muitas empresas e instituições gente que “sabe sorrir”, um sinal que encurta a distância entre as pessoas e que é tão importante como os conhecimentos e preparação de quem atende. E, pensando bem, o sorriso não custa nada, mas pode não ter preço; é leve, mas tem um poder imenso, é breve, mas a lembrança pode ficar para o resto da vida; não se compra, não se vende, não se empresta, não se rouba. Oferece-se, troca-se, dá-se. E o sorriso atrai e provoca sorriso, tal como o espelho nos devolve a imagem.

Tive de ir ao Departamento de Urbanismo de uma câmara do Alto Minho para solicitar uma informação ao técnico responsável de que só conhecia o nome. Quando cheguei, estavam três pessoas na fila. Com a intenção de saber se o técnico em causa estava de serviço, aproximei-me do balcão e, num momento que me pareceu oportuno, abordei o funcionário que estava a atender: “Desculpe. Por favor, pode-me só informar se” …  mas fui logo interrompido num tom seco e ríspido com um “vá para a fila e aguarde a sua vez”. Nem sequer quis contestar a indelicadeza da atitude e voltei à fila para aguardar a minha vez como me fora ordenado. As pessoas que estavam à minha frente foram sendo atendidas muito lentamente e, quarenta minutos depois, chegou a minha hora. Repeti parte do que já tinha dito: “Por favor, pode-me informar se o senhor arquiteto Afonso está”? E aquele rosto fechado e sisudo, respondeu-me no mesmo tom que já ouvira: “Não sabe que hoje não é dia de atendimento? Tem de fazer marcação se quiser falar com ele”. E a conversa acabou. Estive ali a secar nos últimos quarenta minutos quando ele, se soubesse ouvir, só perdia 5 a 10 segundos e tinha resolvido o meu problema sem prejudicar as outras pessoas.  

O cliente ou utente não pede nem merece um discurso ou lição de moral, mas sim um bom atendimento, se possível excelente, com simpatia, educação e bom humor. E, claro, com um sorriso, sabendo escutar quem estiver disposto a falar, sejam críticas, sugestões ou pedidos, porque todas as pessoas são importantes. Mesmo nestes tempos difíceis que todos estamos a viver, é mais importante que nunca para quem está na linha da frente do atendimento saber ouvir com paciência, atenção e preocupação real pelas pessoas. Se fosse numa empresa onde o objetivo é vender, nunca mais eu lá punha os pés …

Há momentos em que a vida nos é madrasta e perdemos alguém que amamos, a vida não correu bem, temos um problema de saúde com um familiar ou uma derrocada financeira. Sentimo-nos zangados com a vida, zangados com tudo e com todos. Mas devemos perceber que temos de deixar os nossos problemas cá fora, à porta da repartição ou da empresa, porque os clientes/utentes não têm culpa das pedras que a vida nos põe no caminho. Ou então optamos por ficar afastados de cena até recuperar o ânimo e alegria de viver, por nós e pelos outros. Quem sabe se o conseguimos pela força de um sorriso, aberto e genuíno, de alguém durante um atendimento em que fomos capazes de pôr alguma humanidade com uma boa dose de humor e empatia …    

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