Prisão ou rua? Dá para escolher?

Já lá vai o tempo em que a cadeia de Lousada funcionava na cave da Câmara Municipal. Quando andava por ali junto do pelourinho, via os presos atrás das grades de ferro e metia-me impressão vê-los com os braços de fora a pedir um cigarro ou uma moeda a quem passava. E por vezes, havia um ou outro conhecido de algum que ficava ali em amena “cavaqueira”, ajudando a matar o tempo, fazendo da rua a “sala de visitas da cadeia”, no tempo em que as prisões não tinham “condições de habitabilidade”. Mas hoje a realidade é bem diferente e as prisões improvisadas e sem condições, como era o caso, acabaram. Agora são edifícios especiais com outros requisitos, tanto em termos de segurança como condições para presos e pessoal, além de regalias para detidos que até há quem pergunte se são parte de um castigo ou alguma estância balnear para retiro espiritual. Os políticos defendem sempre a melhoria das instalações prisionais e lá têm as suas razões para o fazer. Conta-se que um governante andou pela região a visitar equipamentos diversos, ouvindo sugestões, revindicações e pedidos da população. Numa escola deram-lhe uma longa lista de reclamações por o edifício estar muito degradado. Já na penitenciária os presos exigiram melhor qualidade de vida, melhor comida, mais tempo de recreio e acesso às novas tecnologias. No regresso o governante deu instruções à secretária que o acompanhava: “desencadeia o processo para reparar as janelas na escola. Nada mais. Quanto à penitenciária, manda satisfazer todas as exigências dos prisioneiros”. Escandalizada com a ordem recebida, respondeu-lhe: “Mas o que me disse, senhor ministro, não faz sentido nenhum” … Ele, sem a deixar concluir o seu raciocínio, continuou: “Pensa bem. Nós já andamos na escola e jamais voltaremos para lá. Mas, quanto à prisão… nunca se sabe”. Por alguma razão se diz que “governar é prever”. 

Circula na internet uma paródia de alguém que considera absurdo as condições nas prisões se comparadas com as condições de vida de muitos idosos cujo único crime foi terem uma vida de trabalho. Por isso, propõem uma solução inovadora para dar dignidade aos velhos e castigar os que prevaricaram na sociedade: “Que os idosos ocupem na prisão o lugar dos reclusos e estes sejam obrigados a morar nas casas dos idosos.  E assim se faria mais “justiça social”. Vejamos:

“Com esta simples medida, os idosos teriam um duche diário, lazer e passeios. Não precisavam de preparar refeições, ir às compras, lavar a roupa e a loiça, arrumar a casa e outras tarefas diárias. Ser-lhes-ia assegurada assistência médica e medicamentos, gratuitamente, bem como as refeições quentes a tempo e horas, devidamente controladas pela ASAE. Não tinham de pagar renda pelo alojamento, a roupa da cama era mudada duas vezes por semana e tinham a roupa lavada e passada a ferro com regularidade. Deixavam de sofrer com a solidão de casa pois estariam sempre acompanhados, com direito a vigilância permanente através dos meios tecnológicos mais avançados, com garantia de assistência imediata em caso de acidente ou emergência, tudo a custo zero. Até teriam alguém que os iria visitar a cada vinte minutos e entregar o correio em mão. Das regalias desta “hotelaria”, constaria o acesso à biblioteca para cuidar da mente e ao ginásio para cuidar do corpo. Eram encorajados a arranjar terapias ocupacionais adequadas, com formador, instalações e todo o tipo de equipamentos a título gratuito, com acesso a sala de leitura, computador, televisão, rádio e chamadas telefónicas na rede fixa. Teriam roupa e produtos de higiene pessoal, bem como assistência jurídica, sem ter de dispor de um cêntimo. Além de terem enfermeiros, médicos, psiquiatras e dentistas, beneficiariam ainda dum secretariado de apoio, psicólogos, assistentes sociais, educadores sociais, mais as visitas dos políticos, das televisões, grupos de voluntários e defesa dos seus direitos, para lhes dar atenção e atender reclamações. Em suma, viveriam num “condomínio privado” e seguro, com zona de convívio, exercícios ao ar livre e ginásio, vigiado de dia e de noite por guardas obrigados a respeitar um código de conduta, sob pena de serem severamente penalizados, além de lhes serem reconhecidos os direitos humanos internacionalmente convencionados e subscritos por Portugal”.

“Já os delinquentes, ao ocuparem as casas dos idosos, teriam de viver com 200 euros por mês ou pouco mais numa pequena habitação que já não via obras há 50 anos. Para comer, teriam de confecionar as refeições, comê-las muitas vezes frias e fora de horas e, quando se esquecessem de comer ou tomar a medicação, não teriam ninguém para os ajudar. Eram obrigados a tratar da sua roupa, viveriam sós e sem vigilância sujeitos a ser vigarizados, assaltados ou até violados, sem ter quem lhes acudisse. As instituições e os políticos não lhes ligariam nenhuma, a não ser em períodos eleitorais. Estariam anos à espera de uma consulta ou cirurgia, se é que a tinham antes de “bater a bota” e não teriam ninguém a quem se queixar. Tomavam banho de 15 em 15 dias, sujeitos a não ter água quente e a caírem na banheira velha da casa. O único entretenimento diário seria ver na televisão as telenovelas, o Goucha, a Júlia Pinheiro e afins, bem embrulhados em cobertores grossos no inverno para se protegerem do frio, pois a reforma de 200 euros ou pouco mais não dava para aquecer os pés, quanto mais a casa. E, se morressem, podiam ficar dias, semanas, meses ou anos, até que alguém os encontrasse”.

O autor acha que esta seria uma forma de fazer mais justiça social, de proteger o contribuinte, castigar quem prevarica e defender aqueles que trabalharam uma vida e têm reformas de miséria.

É curioso que o governo holandês, recentemente, deliberou impor à sua “clientela prisional” o pagamento de uma diária por ficarem “hospedados” atrás das grades. Com isso, pretende obrigar todos os criminosos a assumirem o custo dos seus atos e poupar dinheiro ao erário público. O governo considera que o detido é parte integrante da sociedade e que, ao cometer um delito, lhe é devido contribuir para os custos inerentes. 

Nesta miscelânea de notícias e opiniões, é evidente a discrepância do tratamento e das “benesses” atribuídas aos presos e o esquecimento a que são votados os idosos. Os primeiros, apesar de limitados na liberdade de circulação, vivem ociosamente e sem preocupações à conta do estado (isto é, de todos nós), podendo mesmo, se quiserem, tirar qualquer curso profissional, médio ou superior com tudo pago, inclusive o transporte para fazer os exames no estabelecimento de ensino escolhido. Quanto aos “outros”, os velhos, cujo único crime que cometeram foi o terem levado uma vida de trabalho sério, duro e sofrido com trinta ou quarenta anos de contribuições para o estado, em grande número têm de fazer esticar a pensão de miséria pelos trinta dias do mês, num equilíbrio difícil. Não se defendendo que os primeiros não devam ter um “alojamento” digno, com acesso a várias atividades físicas e educativas facilitadoras duma reintegração social, não é justo que “quem cumpriu o seu dever” de cidadão e contribuiu para a sociedade, não tenha, no mínimo, benesses e regalias iguais àqueles que não cumpriram a lei, precisamente quando a saúde física e mental mais o exige.

Será que neste sofisma há verdades que não queremos ver ou ouvir?  

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