Máscaras, mascarados e os enganos

Nunca “corri o Entrudo” e nem sequer andei mascarado no Carnaval, apesar de me terem posto à disposição por diversas ocasiões vários modelos desse disfarce em épocas carnavalescas. O rosto à vista, a nu, é uma liberdade da nossa cultura de que não quis abdicar, ainda que por pouco tempo. O rosto não só é o que mais nos identifica, boa parte do “cartão de visita” de cada um, como o espelho das emoções, sentimentos, pensamentos, estados de alma. Tapado, é como um livro fechado que não se consegue ler. Ao olharmos um rosto atentamente, percebemos alegrias e medos, entusiasmo e tristeza, raiva ou ternura, porque tem comunicação direta com a alma e o coração.

Mas apesar do meu gosto pelo “rosto nu”, um “desconhecido” que não respeita países, fronteiras, sexos, raças, religiões, idades, riquezas ou limites, fez-me “ajoelhar” e pôr a máscara, transformando-me nesse “mascarado” que nunca quis ser, embora por razões sanitárias, mais para proteger os outros do que para me proteger do inimigo comum, esse desconhecido apelidado de covid-19. 

O uso de máscara começou por ser rejeitado tanto pela Organização Mundial de Saúde, Direção Geral de Saúde e ministra da Saúde como por Secretários de Estado, especialistas encartados e outros críticos do vírus, durante demasiado tempo, tido como perigoso, suscetível de provocar contágios, de uso não aconselhado e outros argumentos mais, que poderiam estar a esconder outras razões. E de repente, os “peritos” dão uma “cambalhota” e colocam-se na posição contrária. De veículo de transmissão passou a proteção principal, de produto de risco a uso aconselhado, de perigoso a obrigatório. Repentinamente, de rosto nu passamos a “mascarados”. De “namorada recusada” à “obrigação de casar” … mas não para todos. O presidente da AR Ferro Rodrigues recusou a ideia do uso de máscara em plena pandemia para as Comemorações da Revolução, afirmando: “Então nós íamos mascarados para o 25 de Abril”? Mau exemplo de quem deveria dar o exemplo. E, coisa curiosa: uma semana depois o mesmo Presidente Ferro Rodrigues determinou ser obrigatório o uso de máscara dentro da Assembleia da República …

Ao mudar de paradigma, a máscara tornou-se objeto de “negócio da China”, tanto para os próprios chineses como para outros “chineses” disfarçados de portugueses, até nas feições, tal foi a especulação. E a moda entrou na “dança” com criatividade. Multiplicaram-se modelos, tecidos, cores, feitios, enfeites. Redondas, quadradas, retangulares, triangulares, com cores do país, símbolos de clubes, eventos, marcas. Descartáveis ou não, com filtro e sem, de elásticos ou alças a envolver a nuca. Até objetos de luxo ao condizerem o tecido com o vestido, as calças ou a blusa. Quando se pensava que a necessidade de tapar boca e nariz nos nivelaria, tornando-nos iguais, estávamos enganados pois tanto há máscara de pobre como de rico, de fabrico caseiro com resto de tecido ou em seda da Pierre Cardin ou Prada. É que há quem não se fique por uma máscara qualquer para ir sair com amigos, jantar fora, ir ao cabeleireiro ou um evento. Tem de condizer com a toilette, a pele, os acessórios. E ser “daquela marca” … sem importar o preço. Daí haver cartazes a promover máscaras para todos os gostos, bolsas e visuais, em pacote ou personalizadas com assinatura, grandes para encobrir misérias e manter anonimato ou pequenas para deixar que se veja a tonalidade da pele.

Se no início deste ano a máscara era sinónimo de risco de assalto, de quem esconde a cara para não ser reconhecido e um sinal de perigo, agora vemos o perigo vem precisamente dos que não a usam … o que me deixa uma pergunta no ar: “Será que nesta altura os assaltantes de bancos entram de cara descoberta para chamar a atenção e até se diferenciarem dos clientes ou com máscara especial onde se possa ler o aviso “Isto é um assalto”? É que antes havia bancos que fechavam no Carnaval por causa dos mascarados e atualmente não nos deixam entrar se não formos mascarados. Quem os entende?

Desde o princípio da pandemia, a questão central que se põe quanto ao uso ou não de máscara é sobre a sua utilidade. Já percebemos que as entidades sanitárias começaram por negar essa utilidade para vir depois dizer precisamente o contrário no que toca a proteger-nos e proteger os outros do risco de contágio do covid-19. No entanto, essa utilidade vai muito para além da contenção do vírus. Que o digam os feios (e feias), desdentados, narigudos e de verrugas estranhas no rosto, que podem encontrar no uso da máscara um meio excelente para passarem despercebidos e não se sentirem discriminados. Dizia-me um homem muito mais novo que eu: “Há dias ia uma senhora à minha frente com um perfil e visual tal, que me senti obrigado em continuar atrás dela no passeio para apreciar a sua beleza. O corpo, o balançar das ancas, o cabelo comprido e liso a cair-lhe nas costas, as pernas bem torneadas, tudo estava no sítio. Às tantas parou, virou-se de lado e não consegui ver o rosto porque usava uma grande máscara preta. Mas, de repente, deu um grande espirro e acabou por tirar a máscara. Foi então que apanhei um choque terrível: a cara não tinha nada a ver com o resto!!! Que desilusão”. Cá está, a máscara foi-lhe muito útil enquanto a usou. No entanto, uma mulher bonita já não pode dizer que a máscara a beneficia. Pelo contrário, ao esconder-lhe a “carinha laroca” retira-lhe protagonismo entre o mundo masculino, e não só …

Pergunta-se tantas vezes se a máscara é eficaz no combate ao vírus do nosso desassossego. Pode-se garantir que sim. Já viram máscaras colocadas no revisor do automóvel? Pois está provado que até agora nenhum retrovisor apareceu infetado!!! Aliás, o mesmo se pode dizer das máscaras postas no pescoço (tipo gola), penduradas na orelha e no braço (tal e qual as braçadeiras de capitão), além da cabeça (tipo óculos para a miopia cerebral). Já se conhece alguém infetado nestas partes do corpo? Claro que não, o que só comprova a sua eficiência …

E a máscara veio para ficar. Em definitivo. De tal forma se radicou entre nós que já a vemos com frequência nas valetas, caixotes do lixo e fora deles, regos de água, barracos, ruas, avenidas, praças, becos, rios e mares, enfim, por todo o lado. 

Apesar de tudo, as máscaras são para já a principal arma para conter a transmissão do coronavírus na falta de cura ou vacina. Cirúrgicas, bico de pato, sociais ou outras, só se exige que sejam usadas sempre que a situação o recomende e com responsabilidade, coisa que nem sempre acontece. Num restaurante com “serviço de refeições para fora”, para que serviam as máscaras de todos os colaboradores (4), tidos por responsáveis pelo “atendimento, cozinha e preparação da encomenda” se, durante os vinte ou trinta minutos que esperei, só serviram para “tapar e segurar o queixo”? Era para evitar os “queixos caídos”? Assim, não adianta ter ou não ter máscara, usar ou não usar. Mal por mal, é melhor não usarem nada, pois saberemos com o que podemos contar.

Deixemos de nos enganar. Ou somos responsáveis e rigorosos no uso da máscara para travar o contágio ou optamos por fingir que somos e fazemos dela um adereço incómodo que vamos mudando de um lado para o outro do corpo sem cumprir a função de tapar sempre o nariz e a boca.  E, quando esse vírus nos bater à porta – e anda mais perto do que pensamos conforme comprovam as notícias dos últimos dias – atiramos as culpas para cima de alguém, talvez o patrão, a empresa, o governo ou o inimigo mais à mão, um qualquer “bode expiatório” para que a “culpa não morra solteira”. Claro, mais um dos enganos do costume …

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