Diz o ditado que “em terra de banana qualquer melão é rei”. Ora, nós não estamos em terra de banana, nem estamos na Madeira (e nem chegamos à Madeira …). Por isso, aqui nesta terra onde nasci, para ser rei só há um melão: “casca de carvalho”. Pois não é um melão “pele de sapo” ou de Almeirim que tem direito a esse estatuto. Aqui, não!!! Fui educado assim e a minha avó materna incutiu-me os ensinamentos e o respeito por este fruto especial. Durante a minha infância e parte da adolescência passei longos dias nos seus meloais e acompanhei todas as fases da cultura, desde a preparação da terra à colheita; desde a abertura das covas com a largura de uma enxada que se enchiam de estrume da corte, bem curtido para fazer a “cama quente” (ideal para a semente germinar bem) ao “capar dos melões”, para produzir mais rebentos laterais; desde a “monda” de frutos, deixando crescer só um melão em cada haste, à rega feita com peso, conta e medida. A minha avó gostava muito de melão e percebia do assunto. Ainda me vem à memória a sua imagem a segurar o melão na mão esquerda e, com o dedo médio da mão direita, a tocá-lo para saber pelo toque se era bom ou não. E sabia. Porque um dos grandes problemas deste melão sempre foi haver “especialistas” capazes de saber se o melão é bom ou um grande fiasco. E nesse tempo de bons entendedores, também acontecia um fiasco de vez em quando, mesmo com os ditos …
Comi muito melão casca de carvalho e a grande maioria era excelente pois até tinha “polpa dura, sabor doce e picante intenso”. E registei a máxima popular: “este melão tem dia e hora para ser comido”. Nem antes, nem depois. Sempre preferi os melões de polpa amarelada, se bem que também goste de avermelhados ou “gelados em verde”. E ao meter-lhes a faca gosto de os ouvir “bufar” e libertar o gás carbónico, requisito que indicia a qualidade. Isso não acontecia nos “rachados” ou “rebentados”, geralmente de excelente qualidade, mas que no pico do calor e do gás, acabavam por abrir, quase sempre ainda antes de estarem maduros. Apesar da idade, dei o meu contributo ao meloal, chegando mesmo a dar uso à casota onde se recolhia o Tónio para guardar os melões durante a noite. E até plantei pimentos para que saíssem mais “apimentados”, um mito popular que nada tem a ver com a qualidade dos frutos. Mas é a tradição …
Nesse tempo, “melão” queria dizer “casca de carvalho” que, diga-se, ou era bom ou só servia para os porcos, por ser pior que “botefa” (abóbora). Se alguém falasse no “melão de Almeirim”, era o mesmo que falar de “botefa”. A maioria dos agricultores que se dedicava à cultura do melão percebia da matéria. De tal forma que, fazendo uso somente da apalpação, toque, cheiro e peso, eram capazes de garantir e “afiançar” a qualidade do produto.
Foi já adolescente que conheci os primeiros sinais da “mela”, doença que viria a afetar significativamente os meloais da região e que faz com que o meloeiro morra pouco antes dos frutos amadurecerem. No entanto, alguns indivíduos pouco escrupulosos metiam esses melões no forno aquecido para ganharem um tom amarelado de maturação, para os impingir a incautos que apanhavam uma desilusão quando os abriam. Anos mais tarde e já depois de cumprir o serviço militar, fui trabalhar para um organismo agrícola que, ingenuamente, eu achava que existia para apoiar os agricultores. Logo na primeira semana falei com o chefe do serviço de fitossanidade e expus-lhe o problema da doença que estava a dar cabo dos meloais na região. Como eu passara a ser o responsável de uma propriedade agrícola do estado onde se faziam ensaios e estudos agrícolas, propus-lhe que se estudasse tão grave problema para ajudar os agricultores. Mas ele não me deixou continuar: “Nem pense nisso, pois não há solução. O problema é dos solos graníticos. As raízes do meloeiro, ao crescerem, ferem-se nas asperezas do solo, abrindo porta à infeção por “fusarioses” e à morte das plantas”, disse-me ele com ar catedrático. Ao ver que ali “a porta estava fechada”, respondi-lhe com ar cínico: “É capaz de ter razão. O problema deve ser mesmo do solo. Mas fica-me uma dúvida: como é que durante tantos anos os lavradores tiveram bons meloais e sem doença, sendo o mesmo terreno? E “como terão feito os meloeiros” para fazer crescer as raízes no meio da “aspereza” do granito sem se “ferirem”, coisa que hoje “já não sabem fazer”?
Gostando de melão, continuei a comê-los aqui e ali, se bem que nem sempre com a qualidade própria dum bom “casca de carvalho”, mas nunca abdicando a favor do “melão de Almeirim. Porém, um dia ia a entrar em Penafiel e estavam a descarregar melões de Almeirim. No impulso de momento e sem razão consciente, parei e entrei na loja. Pedi dois melões ao empregado e ele retirou-os dum pequeno lote, pesou-os e paguei. Quando já ia a sair, o dono da loja que estava na descarga entrou e perguntou ao rapaz de onde tirara os melões que eu já tinha na mão. ”Foi daqueles que estão separados”, respondeu-lhe. “Mas esses não eram para vender”, disse o homem irritado. Como já tinha pago, saí porta fora com os meus melões. Só quando abri o primeiro compreendi o que se passara: o dono da loja, na descarga, avaliava os melões um a um e selecionava aqueles que ele achava serem de qualidade e colocava-os no pequeno lote onde o rapaz os foi buscar. E não é que o raio dos melões de Almeirim eram excelentes e até tinham “a polpa dura, sabor doce e um picante intenso” como os nossos???!!! Confesso que, ao comer cada talhada, me senti como que a “trair” a causa dos melões “casca de carvalho” …
Muitos anos volvidos, continuo a apreciar um bom melão, sem ser tão fundamentalista pelo “casca de carvalho” como era. Porque o melão é diurético, calmante e laxante, para além de ter outros benefícios para a saúde. Às vezes servem-no com presunto, mas se ele for bom, basta o melão, com um bom vinho, até porque o ditado diz que “com melão, de vinho um tostão a cinco reis o almude”.
Não tem sido fácil encontrar um dos “tais melões” da região. Por isso, vou-me contentando com os do Alentejo, que agora dizem ser os mais doces, como se a doçura só por si fosse sinal de qualidade. Há dias fui comprar um. Quando estava debruçado sobre a caixa cheia de melões a tocar e avaliar ora um ora outro, um cliente abeirou-se e disse-me: “Deixe-me escolher-le um. Percebo disto, pois vendi melões durante muitos anos”. Aceitei a amabilidade do “entendido”, que depressa me separou um tido por muito bom. Agradeci e, quando já ia pagar, “deu-me na veneta” e voltei à caixa de onde retirei outro que me pareceu “pesado”. Pois agora que já comi os dois, sem serem nada parecidos com um bom casca de carvalho, posso dizer que a minha escolha saiu melhor, o que me deixa desconfiado sobre os “entendidos” de hoje. Provavelmente, se o amável senhor que me ajudou soubesse, “ficava com um grande melão” …
Talvez por essa dificuldade em escolher um bom melão C. Mermet dizia que “os amigos são como os melões: Para encontrar um bom, você precisa de provar cem” …