Concordo com Jeanson: “O meu sonho é morrer jovem, mas com uma idade muito avançada”. De tal forma que, quando ouvir dizer “olha o velho”, eu tenha de levantar a cabeça à procura de alguém a quem se estejam a referir, que não eu. É que, apesar do meu (agora) Cartão de Cidadão me acusar ter várias décadas de existência, a minha mente ainda pensa que aquela cabeça com pouco cabelo e todo “pintado de branco” que o espelho me devolve todas as manhãs, não pode ser a minha. Tem grande dificuldade em acreditar. Mas, ao ver os outros com a minha idade, quase sempre os acho “velhos”. Já lhe aconteceu alguma vez olhar para pessoas com a sua idade e pensar: – Não posso estar tão acabado como ele?!!!
A este propósito, confessava uma mulher: “Estava sentada na sala de espera para a minha primeira consulta com o novo dentista, quando vi o seu diploma afixado na parede, perfeitamente encaixilhado. Ao ler o nome do dentista escrito em letra artística, de repente recordei-me de um jovem alto e moreno que se chamava assim. Era da minha turma do Liceu, há uns bons trinta anos atrás. Então, perguntei a mim própria: – Será que este rapaz é o mesmo por quem eu me apaixonei naquela época?
Quando fui chamada e entrei no consultório, afastei de imediato esse pensamento do meu espírito. Porque, aquele homem grisalho, quase calvo, gordo, com um rosto marcado e profundamente enrugado … era demasiado velho para ter sido a minha paixão secreta.
Depois de ele me ter examinado e tratado o dente, para descargo de consciência perguntei-lhe se tinha estudado no Colégio Sacré Coeur.
– Sim, estudei, respondeu-me.
– Quando se formou, continuei a indagar?
– Em 1965. Porque pergunta, quis ele saber?
– É que … bem … o senhor era da minha turma, consegui eu dizer!
E então, aquele velho horrível, cretino, careca, barrigudo, flácido, filho de uma … bezerra lazarenta, perguntou-me:
– “A senhora era professora de quê”?”
Assim como, por norma, só vemos os defeitos dos outros e não os nossos, também é verdade que só damos conta do quanto os outros estão envelhecidos e não conseguimos “ver” a imagem no espelho. Para já, estou de acordo com todos aqueles que dizem: “não estou a envelhecer, estou a tornar-me um clássico”. E, com isto, não minto descaradamente a querer dizer que envelhecer é espetacular. Antes pelo contrário. Envelhecer é muito chato, aborrecido e deprimente para quem pensa nisso e fica a contar os dias a mais (ou a menos), porque não tem mais nada que fazer. E cansa muito. Mas, a verdade, é que é a única maneira de se viver mais. Não há outra, nem parece que se vá inventar nos próximos tempos …
Está provado que “qualquer idiota consegue ser jovem e o difícil é ter talento quanto baste para chegar a velho e, mais ainda, a muito velho, especialmente com qualidade”. Ora, o envelhecimento é um processo, que cada um encara de maneira diferente. É ganhar cabelos brancos? Ficar com a cara enrugada e os músculos flácidos? É passar a subir a escada cada vez mais devagar? Ser resmungão e teimoso? Ou perder a vontade de viver e ficar à espera que “o ceifeiro” chegue? Para falar francamente, não tenho medo de envelhecer. Até agora, ainda não tive de pagar qualquer portagem significativa na estrada que nos leva até lá …
Tenho de me dar por muito feliz porque envelheci, já ganhei cabelos brancos e tenho as maleitas próprias de quem atinge a terceira idade. Não, ainda não entrei na quarta idade de que agora tanto se fala, mas não ficarei triste se chegar lá. Pelo contrário, ficarei desapontado se as pernas não me levarem para além dela, pois envelhecer é bom até porque a alternativa é bem menos agradável. Tal como acontece com o vinho, ao envelhecermos “amaciamos”. Neste caso, temos muitas atividades. Segundo estudo recente da Universidade de Harvard sobre as coisas a que mais se dedicam as pessoas idosas, há três que se destacam das outras: “O Banco, a Bolsa e a Investigação”. O Banco, porque é neles que passam a maior parte do dia sentados, seja nos centros comerciais, parques ou jardins. A Bolsa, porque a usam com frequência para ir às compras ao supermercado ou para levar artigos para reciclar ao Ecoponto. A Investigação, pois não passa um único dia que não investiguem: “Onde raio deixei as chaves?”; “Onde pus a carteira?”; “Onde larguei os óculos?”; “Como se chama este gajo?”; “De que estávamos a falar?”.
Eu sei que ás vezes também já esqueço coisas, que nalgumas ocasiões tenho de voltar atrás para tentar recordar o que ia fazer, mas já não me martirizo quando acontece, porque encaro o esquecimento como natural. Tornei-me mais amigo de mim próprio, mais tolerante. Para quê preocupar-me com um esquecimento se um dia destes vou ter de “esquecer tudo”? Eu sinto-me abençoado porque a maioria dos meus amigos já não tem oportunidade de se esquecer ou lembrar. Eu ainda tenho e estou feliz por isso. Também ganhei o direito à liberdade de ficar acordado pela noite dentro a ver um filme ou a ler um livro. E depois? Se tiver de ficar a dormir até mais tarde, fico. O mundo lá fora continua a girar sem mim. Tal como se me apetecer comer alguma coisa às duas da manhã, mesmo que isso represente barrar umas tostas com compota feita de mirtilos colhidos em casa dum simpático casal antes de os abrir à passarada ou até comer alguns caramelos de café que o meu filho nos traz da Colômbia! Não me penalizo ao comer feijoada ou cozido à portuguesa e não fazer dieta. Que importa se vier a ganhar “barriguinha”? Estou errado? Também já tenho direito a estar errado, porque não?
Estou a envelhecer, sem ainda me sentir velho e já trago a idade no rosto, sem reconhecer os seus traços. Mas estou a gostar. Vale a pena fazer este caminho, mesmo com rugas profundas, cabelos brancos e um pouco curvado … e confesso, cheguei sempre sem preparação a cada fase da vida. Até porque “em jovem, sabia tudo, na meia idade, suspeitava de tudo e agora, acredito em tudo” …