Viver tomando banho… ou não

Numa casa de habitação de uma das aldeias de Lousada, mãe e filha conversavam sobre a necessidade de tomar banho a propósito de um vizinho pouco asseado. A filha, para além dos trinta anos, perguntava à mãe: “Será que uma pessoa que não toma banho há mais de quinze dias, não sente que cheira mal”? A mãe, num raciocínio mais lógico e inteligente, respondeu-lhe: “Provavelmente, não. Há medida que os dias vão passando e o odor corporal se deteriora, o sentido do olfato adapta-se e acompanha a alteração, considerando-a normal”. Quando soube desta troca de ideias, lembrei-me do como e quando as pessoas tomavam banho no meu tempo de criança e, na realidade, tenho a certeza que não sentiam qualquer mau cheiro. Estavam habituados. Quem tomava banho e quando? Com regularidade, ninguém. E uma vez por outra, que o mesmo é dizer de mês a mês, muito, mas muito poucos. É um erro observar esses tempos à luz das comodidades de hoje, em que basta rodar o manípulo da torneira ou da misturadora e temos água quente e fria quanta se queira, até para desperdiçar, com regulação automática, e não se concebe que alguém tenha desculpas para não tomar banho. 

Não sabem e nem imaginam que por estas bandas há sessenta anos, para não puxar o filme mais atrás, as casas não tinham água canalizada. Pior, muitas delas nem sequer tinham água. A maioria das habitações eram em pedra, térreas, com o chão em terra e já era uma sorte quando tinham poço, de onde podiam tirar água ao balde, com um sarilho, com que se enchia o cântaro, o “depósito” ambulante que servia a casa. Mas, como uma boa parte nem sequer tinha poço, as mulheres iam buscar a água à fonte (que por vezes ficava a grande distância de casa) num cântaro de barro feito na Fábrica do Barro, em Nogueira, que carregavam à cabeça em cima de uma “rodilha” num equilíbrio perfeito, sujeito a partir-se em cacos ao mínimo descuido. No meu lugar, muita gente ia buscar água à “fonte de Talhos”, um pouco distante para alguns. O cântaro ficava arrumado na cozinha e dele se tirava água para beber, cozinhar e … lavar. E a casa de banho? Se alguém fizesse a pergunta nesse tempo, a resposta viria noutra pergunta: “O que é isso”? Só nalguns solares era possível encontrar esse luxo, onde havia uma banheira de ferro que se enchia… a cântaro. Aí, a água era aquecida no fogão de lenha ou na lareira em grandes panelas e, mesmo assim, de longe a longe. 

Na casa dos meus pais existiam lavatórios em ferro esmaltado para lavarmos a cara e as mãos, “à gato”. A água estava no jarro ali ao lado… Para tomar banho, usávamos um alguidar de barro e, está bom de ver que ninguém se metia lá dentro… não dava para isso. Era na “retrete” que se punha o alguidar para nos podermos “lavar”. Sim, na “retrete”, aquele espaço onde havia um “caixote de madeira com um buraco redondo” para assentar a “padaria” e fazer as “necessidades” sobre uma fossa cheia de mato, onde moscas e moscardos “zoavam” como pequenos aviões em constante movimento. Mal se “largava a carga”, tapava-se à pressa com a tampa de madeira munida com pega, que se ajustava perfeitamente. Ao tapar o buraco, não passavam os insetos, mas aquele “odor selvagem” subia pelas frinchas e “aromatizava” o espaço. Mas a maior parte das casas nem sequer tinha “retrete” nem lavatórios, quanto mais lugar para tomar banho. Por isso, passavam-se dias, semanas e normalmente meses, sem um banho. Pensando bem, só o rio Sousa proporcionava aos homens o luxo de um banho durante o verão e poucas vezes com um pedaço de “sabão macaco” a ensaboar o corpo depois de um mergulho. As mulheres? Não tinham essa sorte. Ao falar com a filha sobre isto, questionou-me como era possível viver assim, sem tomar banho durante dias e dias. “Muito fácil”, respondi-lhe. “Como não havia condições nem existia o hábito de tomar banho diário, não se sentiam nem a necessidade nem os odores corporais ou o mau cheiro”. Faziam parte da natureza …

Nos anos sessenta estive no interior norte de Angola e trabalhei com muitas pessoas de raça negra. A maioria eram pequenos agricultores que cultivava algodão. Todas elas tinham um odor corporal intenso, forte, que se dizia ser o “cheiro a catinga”. Não posso afirmar se era uma característica da raça negra ou se tal seria o resultado da falta de higiene. Certo é que, quando comentava isso com algum deles e lhes dizia que “cheiravam a catinga”, a resposta nunca mudava: “E vocês, brancos, cheiram a morto” …

Durante o meu serviço militar, depois de uma longa marcha forçada de um dos pelotões da nossa companhia, o furriel de serviço mandou todos os recrutas tomar banho quando chegaram ao quartel. Estava-se em Julho e, embora não houvesse água quente, o banho sabia bem. Às tantas, o furriel apercebeu-se que um dos recrutas ficou para trás e deu sinais de que não ia tomar banho. Então deu-lhe a ordem para se juntar aos outros, tendo ouvido como resposta: “Tomar banho outra vez? Eu ainda tomei banho pelo Natal …”  

Hoje, o banho é uma conquista civilizacional e está enraizado nos nossos hábitos de higiene, contribuindo com a sua quota parte para o aumento da nossa longevidade. No entanto, estamos a exagerar ao tomar demasiados banhos. Estudos revelam que mais de dois banhos com sabonete ou similar prejudicam o equilíbrio natural da gordura e bactérias que são benéficas e protegem a pele, como que a “barreira protetora”. Conheço alguém que chega a tomar quatro e cinco banhos por dia. A brincar, diz-me, que gasta o sabonete, o shampoo, a água, a reserva de toalhas, o tempo e … a pele. Vejam quanto economizaria se tivesse vivido setenta anos atrás, tomando banho de meio em meio ano …

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