A beleza útil e a utilidade bela …

Sou um amante da natureza, até porque vivi a infância dividindo o tempo entre a escola, as matas e campos da aldeia. Sou defensor da criação de zonas verdes nos meios urbanos e, sobretudo, de árvores espalhadas pelos jardins, parques, praças, ruas e avenidas. Nunca são demais. E há tanta árvore bonita. Muitas delas fazem-me parar e ficar a contemplar a sua beleza. Quando em floração, algumas são um espetáculo único, como que uma pintura colorida saída da mão de Deus. Embora não sendo correto, revelador de como desvalorizamos o nosso património natural, temos tendência para “ajardinarmos” com árvores exóticas que nada têm a ver com a nossa realidade, mas, “o que é diferente, é bonito por natureza”. Quanto mais não seja, só porque são diferentes, raras ou únicas. E se formos nós a ter uma bem diferente, achamos que é o máximo. Ai a vaidade … 

Pessoalmente, gosto de carvalhos, especialmente do “carvalho-roble” ou “carvalho-vermelho” que (ainda) existe na nossa região onde é nativo e que cobriu o norte do país. Infelizmente, foi autenticamente dizimado ao longo dos tempos. Vi desaparecerem exemplares únicos na região, que hoje seriam considerados com facilidade “de interesse nacional”, abatidos por serem “velhos”, porque “só serviriam para cavacos” … quando afinal eram árvores únicas, de uma beleza ímpar. Entretanto, devo dizer que eu sou um utilitarista, apreciando tudo o que é belo, mas sempre que possível com o seu lado útil. Como diz o povo, “juntando o útil ao agradável”. E, talvez pelas vivências dessa infância distante, em que nas bordas dos campos havia árvores de fruto para servirem de “tutores” (suporte) aos “bardos” de videiras, quase sempre muito altos, mas que, ao mesmo tempo, produziam praticamente a única fruta que havia nessa época na minha aldeia. E dessa fruta se alimentava o dono da “Quinta”, o “caseiro da Quinta” que a cultivava, a garotada da aldeia em arremetidas clandestinas e as aves e os insetos que são parte da natureza, dessa natureza de que também só somos uma pequena parte, por mais importantes que nos julguemos. 

Bom. Mas tudo isto para dizer que esse meu lado utilitário já há muitos anos me faz sonhar com uma miscelânea de árvores de fruta e árvores ornamentais nas ruas, avenidas, praças, parques e jardins públicos. Imagino-me a fazer uma caminhada pela manhã e a parar no parque público para descansar, colher uma laranja que está ali à mão, comê-la no local e continuar o exercício matinal. Será que uma laranjeira carregada de laranjas “fica mal” na estética do parque municipal? E o mesmo se pode dizer de cerejeiras ou outras fruteiras de caroço, cuja floração, só por si, é um espetáculo de cor e beleza. Porque não essa “integração” das árvores de fruto no espaço público urbano, com a vantagem de serem uteis à sociedade ao produzirem fruta comestível? 

Algumas cidades brasileiras já fizeram a adoção desse conceito, a que chamam “Pomares Urbanos”, instalados em parques públicos, como pude constatar em Maringá, a cidade que tem o maior pomar urbano do Brasil. São a prova que é pertinente a plantação de árvores produtivas nos jardins e ruas de vilas e cidades, porque há benefícios estéticos, políticos, culturais e sociais. Aliás, a introdução das árvores de fruto nos parques e jardins também visa o resgate das aves que delas se alimentam e que de outra forma têm mais dificuldades em vingar nas zonas urbanas, ajudando a equilibrar a fauna e trazer-lhes nova vida.

Se perguntarmos a uma criança da cidade para identificar as árvores de onde vêm as maçãs ou as cerejas, os figos e as ameixas, não sabem nem conhecem, tal como não sabem em que época do ano florescem ou produzem os frutos. Com a sua introdução nos espaços públicos, a sua função também seria didática, o que nunca é demais.

Sendo múltiplas os benefícios da introdução das fruteiras nas urbes, considero que a mais interessante seria, sem dúvida, a produção de fruta, que estaria acessível e à disposição de todo o cidadão, embora mediante algumas regras para evitar abusos e que os objetivos não fossem desvirtuados. A primeira e principal seria que só se poderia colher fruta para comer no local. O “açambarcamento” seria proibido e estava sujeito a penalidade pesada, que desencorajasse tal prática. Alguém que fosse apanhado com uma quantidade anormal de fruta ali colhida, seria obrigado a ficar junto da árvore, distribuindo uma a uma a cada pessoa que por lá passasse. Seria uma humilhação, mas também uma aula de humildade. O desperdício seria proibido. Para facilitar a colheita, junto de cada árvore haveria uma “roca”, vara comprida com um sistema na ponta para colher os frutos mais altos sem ter de subir à árvore. Claro que o tipo de fruteiras teria de ser escolhido em função do local, variando da rua ou avenida, de parque ou jardim.

Por cá, existem algumas ameixieiras plantadas ao longo dos passeios. A cor das folhas e a floração tornam-nas bonitas e dão beleza à rua. No entanto, o tipo de frutos não será o mais aconselhado ao local pois em regra, acabam por cair de maduros e ficam “esborrachados” nos passeios ao caírem como granadas, deixando-os sujos e com mau aspeto.    

Para melhor divulgação e facilidade de encontrar as árvores de fruta, poderia mesmo fazer-se um mapa ou aplicação com a localização virtual de cada árvore, como acontece nalgumas cidades brasileiras, indicando ainda o tipo de fruta e época de maturação. Já estou a ver alguns “clientes”, de mapa na mão a darem a sua voltinha pelo parque depois do almoço para comerem a sobremesa, com a família atrás. Fomentava o exercício, uma melhor digestão, além de contribuir para uma alimentação saudável com tal suplemento alimentar. E para que a função didática fosse mais além, uma placa de identificação em cada árvore seria importante, com as informações mais relevantes sobre a árvore e a fruta. Julgo que só os pássaros dispensariam a leitura do “cardápio” antes de meterem o bico na sobremesa … 

A beleza é indispensável na nossa vida, tal como os alimentos e, neste caso, a fruta. Com a associação de árvores frutícolas e ornamentais, teríamos “uma beleza útil e uma utilidade bela”. Ou seja, o melhor dos dois mundos …

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