Há alguns anos atrás (o que é caso para dizer: “ao tempo que isto dura”…), questionava aqui “porque não mudar de língua”? É que o português, português (de Portugal), morreu, já não existe. Tirando alguns “nativos” das aldeias do interior que ainda incluem no seu vocabulário palavras como “bloques”, “presigo”, “lapada”, “tringalha”, “borra-botas”, “indireita” e muitas mais que os jovens de hoje já não conseguem “traduzir”, já não se fala o português de Portugal. Nem se quer, nem se sabe falá-lo e, pior, até parece que temos vergonha de o falar. Porquê? Porque é uma língua de pacóvios, arcaica, ultrapassada e tão fora de moda. Tentamos espalhá-la pelo mundo e o que se vê nos países “ditos de língua portuguesa”? Adulteraram-na de tal forma que não os entendemos. À mistura com palavras da nossa língua, têm muitos outros vocábulos que ignoramos ou nos induzem em erro e até podem provocar-nos embaraços. Ora, façamos um teste: quando um brasileiro fala em “veado” julgamos que se refere a um animal selvagem de grande porte. Errado. Quer dizer “homossexual”. Ou se disser “galera”, não se refere a uma nau, mas a um conjunto de pessoas. E muitas mais poderíamos citar. Se saltarmos do português do Brasil, para o de Angola, Moçambique ou Timor, torna-se ainda mais complicado.
Mas o que mais incomoda é que, a cada dia que passa, substituímos mais e mais palavras nossas por “estrangeirismos” que nada têm a ver connosco. É só uma questão de moda, de querer dar um ar de que se sabe estar, se é culto, como dizia uma velhota da aldeia, “de armar ao pingarelho”. E tem razão. E desses “estrangeirismos”, o maior uso e abuso é de palavras inglesas. Por tudo e por nada, lá estamos nós a “gramar” com o know-how ao falar de experiência técnica, report quando temos “relatório” para dizer o mesmo, budget no lugar de orçamento ou dá-me o teu feedback quando se pede “só” opinião. Já Eça de Queirós no episódio das corridas do hipódromo em “Os Maias” exagerava de propósito dos “estrangeirismos” para mostrar quanto é ridícula essa mania.
Engolimos a selfiequando nos estamos a fotografar a nós próprios, tudo é topquando devia ser bom ou fantástico, o que até graduava melhor. Já não corremos, fazemos running. Dizer que criamos uma “marca” é para atrasados mentais. Tem de ser brand. Até os tascos, tão tipicamente portugueses, já têm escrito à porta take awayou hot-dog. Onde é que vamos parar? Nem falo nos festivais de música que enchem os verãos deste palco à beira mar de norte a sul. NOS Alive, Freedom Festival, EDP Beach Party, Rock in Rio,EDP Cool Jazz, e muitos outros, que “não seriam nada se não fossem “vendidos” em inglês, como se a maioria dos espectadores fossem ingleses ou estivéssemos na terra dos “camones”. E não é de admirar. Quando o poder político, num gesto claro de submissão e “baixar as calças” aos reformados ingleses que povoam o extremo sul do país, pôs a sua chancela na mudança do nome dessa região para “ALLGARVE”, é caso para perguntar: “O que vem a seguir”.
Hoje deu-me para voltar a “pegar” com esta mania, esta “vergonha” ou medo de falar em português, porque um amigo me fez chegar a
carta que uma senhora escreveu a um canal de televisão para que a lessem em direto, intitulada “Du yu espic inglish?”. E eu, não tendo qualquer indicação do nome da autora, transcrevo-a em homenagem:
“Desde que aos emblemas chamam pins, a maricas gays, às comidas frias lunches e aos elencos de filmes castings, este país não é o mesmo: agora é muito, muitíssimo mais moderno. Antes as crianças liam banda desenhada em vez de comics, os estudantes colavam posters pensando serem cartazes, os empresários faziam negócios em vez de business, e os operários, tão ordinários que eles eram, pegavam numa caixa ao meio-dia em vez de tupperware.
Eu, no colégio, fiz aeróbica muitas vezes, mas, que tonta que era, pensava estar a fazer ginástica. Ninguém é realmente moderno se não disser todos os dias cem palavras em inglês. As coisas noutra língua soam-nos muito melhor.
É evidente que não é o mesmo dizerbaconem vez de presunto, ainda que tenham a mesma gordura, nem vestíbulo em vez de hall, nem deficiente em vez de handicap… sob este ponto de vista, nós, os portugueses, somos moderníssimos.
Já não dizemos biscoito, mas cup-cake, nem temos sentimentos, mas feelings. Compramos tickets, tablets, comemos sandwiches, vamos ao pub, praticamos rappele raffting, em vez de acampar fazemos camping, e quando vem o frio, assoamo-nos com kleenex.
Estas mudanças de linguagem influenciaram os nossos costumes e melhoraram muito o nosso aspeto. As mulheres não usam meias, mas panties, e os homens não usam cuecas, mas slipse depois de se barbearem deitam after-shaveque deixa a cara muito mais fresca que o tónico.
O português moderno já não corre, mas faz jogginge footing; não estuda, mas faz masterse nunca consegue estacionar, mas encontra sempre um parking. O mercado agora é o marketing, o auto-serviço o self-service, a escala o rankinge o diretor, o manager.
Os importantes são vips, os auriculares walkmen, os postos de venda, stands, os executivos, yuppies, as babás, baby-sitterse até nannies. No escritório, o chefe está sempre em meetingsou brain stormse quase sempre com public-relations, enquanto a assistantenvia mailingse organiza trainings. Depois irá ao ginásio fazer gim-jazze encontrar-se-á com todas as do jet, que acabam de fazerliftings e com algumatop-modelamante de iogurte light e do body-fitness.
O arcaico aperitivo deu lugar aos cocktails, onde se oferece roast-beef. Ainda que pareça o mesmo, engorda muito menos que a carne.
Uns trabalham num magazine, não num programa. Na televisão, quando o apresentador diz várias vezes O.K.e dança rodando pelo palco, a isso chama-se show, muito diferente, como sabem, do antiquado espetáculo; já não põem anúncios, mas spotsque, para além de serem muito melhores, permitem-lhe fazer zapping.
Espero que tenha gostado … e que não tenha ficado com stress”.
E eu paro por aqui, sem dizer “stop”, que seria mais moderno e muito mais chique …