É preciso uma certa dose de loucura…

Pensando bem, só quem “está maluco” é que faz voluntariado neste país. Quando a alguém vier a vontade de ser voluntário, se estiver no seu perfeito juízo, deve deitar-se, dormir e esperar que passe. E estou à vontade para o dizer porque sou um que “está maluco” há uma data de anos. Porque, se um dia acordar “com o juizinho todo”, largo tudo e dedico-me à pesca e à família. Para o que me havia de dar!!! Dedicar parte da vida a causas sociais, culturais, desportivas e recreativas em regime de voluntariado, sem remuneração, em prol da comunidade, é de loucos! É só para quem tem “os fusíveis queimados. Há dias, dizia-me um dirigente e voluntário da Associação Lousada Animal: “Sabe, trabalhar na defesa e proteção dos animais não me custa nada e até é gratificante, apesar do muito que há para fazer. O que mais me custa é a hipocrisia de alguns que nada fazem e ainda por cima passam a vida a acusar-nos por não resolver o caso deste ou daquele animal abandonado à porta deles, como se tivéssemos a obrigação de “lhes resolver o incómodo que é ter um animal abandonado à porta de casa”. Acham que temos a “obrigação” de recolher todos os animais e dar-lhes um abrigo. Esta gente nem percebe que temos um emprego e vida como qualquer outra pessoa e só depois (e com sacrifício da vida pessoal e familiar) é que somos voluntários, fora de horas e ao fim de semana. Nem querem perceber que a Associação só vive dos contributos dos próprios voluntários e dos poucos associados. Está fora de questão ter um abrigo próprio, pois teria custos impensáveis. Já basta o quanto custa recuperar um animal em alimentos e fatura de farmácia e veterinário. Nem pensam nisso, pois “tudo deve cair-lhes do céu”. Estamos gratos àqueles que são os olhos e ouvidos da Associação, sem exigências, conscientes da capacidade limitada à nossa fraca condição económica – não temos apoios públicos – e às disponibilidades de voluntários e famílias de acolhimento. E animais abandonados são mais que muitos, infelizmente. Mas é fácil ver uma situação que exige intervenção, não dar um passo sequer para ajudar (talvez por falta de tempo …), mas ter tempo para criticar os outros por não fazerem. Porque não se calam”?

Cá está.

Como o voluntário está aí para ajudar, também tem de ouvir e “aturar” quem está perto do “problema”, mas “longe” de colaborar na solução, demitido das suas obrigações enquanto cidadão. Por isso, o voluntário “só pode estar maluco” para os aguentar. Os bombeiros voluntários sabem bem o que isso é com gente que vê arder os seus próprios bens e só fica preocupada em contar quantos minutos os carros de combate a incêndios demoram a chegar sem, entretanto, fazerem nada por si próprios …

Se aquele que faz voluntariado numa qualquer instituição é alguém que “está maluco”, o que se pode dizer de um voluntário com função de dirigente? Que “está maluco ao quadrado”? Que já não tem cura? Só pode …

No dia em que tal ideia lhe passasse pela “tola”, devia ser internado compulsivamente pela família e tratado à moda antiga com “choques elétricos” e “jatos de água”. Se pensarmos que na maioria das instituições, só o garantir a sua sustentabilidade já é tarefa árdua, capaz de roubar noites de sono, dar preocupações e muitas dores de cabeça, que fará ter ainda de ouvir, talvez “a título de compensação”, comentários “amáveis” feitos pelos críticos do costume como “está-se a governar”, “só lá mete os amigos” ou coisas bem mais “simpáticas”, para as quais tem de fazer “ouvidos de mercador” se não quer parar no manicómio? Como se não fosse suficiente, tem a “concorrência” de “falsos voluntários”, gente a correr por outros objetivos à sombra dum compromisso solidário. E por fim, se quer ser apolítico e manter a instituição que dirige “à distância” dos partidos, pode crer que vão tentar fazer o “assalto ao castelo” mais dia menos dia, para lá colocar um “peão” do seu xadrez. É a vida. Por isso, meu caro, se estás nisso como voluntário inocente sem segundas intenções, deixa-te de ilusões, pega na trouxa e põe-te a andar, pois isso não é vida para ti. Vais levar mais “caneladas” do que um saco de boxe leva de murros … E todos vão querer “chegar-te a roupa ao pelo” e “atirar-te borda fora”. Porque estás no sítio errado. É como estar atado e nu no meio de uma estrada de grande movimento em hora de ponta …

Assim como há a época de caça ao coelho ou à perdiz, já começou há muito a época de “caça ao voluntário”, em especial ao dirigente. E é como o casamento: “Quem casa, não pensa e quem pensa, não casa”. E o voluntário não pensa mesmo nada quando se mete nessa “loucura” de o ser porque, se pensasse, “punha-se a milhas” …

Mas, voltemos à razão. Bom seria que não houvesse necessidade do “voluntário”, nem sequer de associações sociais, culturais e outras ao redor das quais eles se mobilizam. Era um sinal de que os problemas da comunidade estavam solucionados pelo Estado Providência. Mas o sonho desse tipo de estado faliu há muito e não passou de um sonho de quem vive nas nuvens. A realidade diz-nos que, mesmo nos países mais ricos, a solidariedade e o voluntariado são fundamentais para colmatar as ineficiências do estado, seja ele qual for. Quanto mais num país pobre como o nosso, sem recursos naturais e com deficits crónicos nos últimos quarenta anos e uma dívida acumulada de que os nossos netos serão escravos. Daí que, apesar das “acrobacias dos governantes”, a realidade metida debaixo do “tapete” vem ao de cima nos hospitais, nos quarteis, nas escolas, na justiça, nos apoios sociais, nos salários baixos e em necessidades altas. Por isso, o voluntariado assente na gratuitidade, ação livre e no compromisso pelo bem estar da comunidade continuará a ser imprescindível e fundamental para suprir as ineficiências do estado, apesar da sua importância nem sempre ser reconhecida, tanto pelas estruturas do poder como por algumas camadas da população.

Talvez eu reconsidere e deixe de dizer que “só é voluntário quem está maluco”. Retiro mesmo o que disse. No entanto, que é preciso uma certa dose de loucura, é. Mas, para benefício da comunidade, ainda bem que há quem a tenha …

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