Esperar, sim. Mas há limites…

Embora ninguém goste, esperar faz parte da vida. Todos esperamos de várias formas e em mil e um momentos. E, quase sempre, não gostamos. Estamos sempre à espera de alguma coisa: de um filho, uma oportunidade, um amor, uma decisão, um emprego, um sim, um negócio. Esperamos numa fila, uma chamada, resolver algo que nos atormenta, uma cirurgia. Há coisas simples de espera curta e outras mais complexas e demoradas. Se há esperas cujo fim depende de fatores aleatórios, outras estão balizadas nos seus limites, do que é razoável ou não. Quando um hospital público informa que consultas de especialidade estão com mais de cinco anos de espera ou nos fala um governante em “mil dias de espera”, algo não faz sentido e passa além dos limites. Ou é uma forma de reduzir os números da lista de espera, porque muitos já lá não chegarão. Esperar desgasta e cansa. E espera-se meses e anos por licença de construção, cirurgia, justiça…

Ao esperar por ideias para esta crónica, recordei a anedota sobre a mãe brasileira que estava com o filho à espera de ser consultado. A funcionária dos serviços de saúde aproximou-se e perguntou-lhe: “Desculpe, quem é que vai ter consulta, a senhora ou o seu filho”? E ela, de imediato, respondeu: “O meu filho”. A funcionária retorquiu: “Pois então, tem de ir com ele para o serviço de pediatria, destinado às crianças. Aqui, as consultas são só para adultos”. Sem manifestar intenção de sair, aquela mãe disse à funcionária: “Eu sei. Mas, como as consultas estão com tanto atraso, quando o meu filho for atendido já será adulto com toda a certeza. Por isso, estou no lugar certo” …

Diria que somos um país “bipolar”: se nalgumas áreas de atividade estamos na linha da frente a nível mundial e não ficamos a dever nada a ninguém, temos outras onde, pelo contrário, somos parecidos aos países do terceiro mundo. É excelente recebermos galardões de melhor destino para viajar e ver as ruas “inundadas” de turistas e negócio, com alguns até a mudar os “trapinhos” para cá. Mas alguém tem de fazer alguma coisa a sério e acabar com os “atrasos de vida” de que, quem cá mora, padece. Porque o Estado “que nos vende” a teoria de que é preciso aumentar a produtividade, é o principal “pedregulho no caminho” para a alcançar. E por incrível que pareça, há serviços públicos em Portugal que nos fazem esperar tanto ou mais do que a senhora da anedota. Verdade!!! Porém, na anedota, ela estava mentalizada para esperar enquanto nós, crentes de que isto aqui não é o país do Carnaval, não acreditamos que seja possível “apanhar uma seca” de todo o tamanho.

Seria errado generalizar o disfuncionamento dos serviços públicos porque alguns são excelentes, eficientes, onde respeitam os cidadãos e os seus direitos. Mas outros há … que Deus me livre.

A Luísa precisou de uma junta médica. Entre o momento em que me dirigi ao serviço competente para o efeito e o da sua realização, só decorreram quase … nove meses. Não foi uma gravidez, mas mais pareceu. Só para conseguir o relatório médico do hospital onde fora internada a quando do episódio de urgência, esperamos mais de três meses. Não sei se o problema é da falta de meios ou da organização. Eventualmente, das duas. Certo é que, com esta “pressa”, há quem já não venha a precisar …

Nalguns Serviços, esperar é a sina de todo o bom cidadão, num (mau) exemplo de como não deveríamos ser tratados. Mas somos. Visto de cócoras, a “culpa” é do sistema educativo que nunca nos “preparou” nem ensinou a esperar eternamente, a “sofrer com resignação” sem revolta nem espírito de “reclamante suicida”. Nem sequer nos treinou a fazer meditação: enquanto “ausentes da realidade”, não sofríamos o suplício da espera…

O Estado, através da EP-Estradas de Portugal, S. A., expropriou uma parcela de terreno para a construção da autoestrada. É normal e nada tenho a opor. Mas, já lá vão TREZE anos e ainda não recebemos um cêntimo. Nada. Razões? As do costume. Como não concordamos com os valores propostos porque, além do terreno expropriado também havia lugar à indemnização pela desvalorização da parcela restante, recorremos à justiça, que nos deu razão. Mas, como para pagar o que importa é “quanto mais tarde, melhor”, a EP-Estradas de Portugal, S. A. recorreu para a Relação. E perdeu. E continuaram a não pagar. O dinheiro não abunda nos cofres públicos e é preciso “empurrar com a barriga para a frente”. E recorreram para o Supremo. Contra o que é habitual, o Supremo disse que a desvalorização da parcela é assunto… do Tribunal Administrativo. Tudo isto ao fim de TREZE anos. E nós, para receber aquilo a que temos direito, tivemos de apresentar a ação no Administrativo. A segunda fase da “via sacra”. Quando contei o sucedido a um advogado amigo, perguntou-me: “está preparado para esperar outros tantos anos ou mais? O último caso que tive nesse tribunal só demorou… dezoito anos”. Fiz logo as contas de cabeça: juntando os TREZE anos que já esperamos a mais DEZOITO anos que podemos ter de esperar, é uma espera louca, digna de candidatura ao Guiness. Consegue ser superior à espera da senhora brasileira da anedota. Não dá só para o filho ficar adulto. Dá até para fazer um, criá-lo, educá-lo e deixar que ele nos dê um neto. E para envelhecer e “bater a bota”.

A justiça só é proveitosa a cidadãos e empresas se for executada em tempo útil. Caso contrário, pode chegar quando já não faz falta nenhuma. Ou, como diz o povo, “quando chegar a palha, já o burro está morto”. Que me importa uma sentença favorável se, quando for decidida, eu tiver “cansado de esperar” ou nem sequer já andar por cá para usufruir dela? Repito: há serviços públicos exemplares, mas outros há que são como “estrada sem fim”, fazendo cair o labéu da burocracia, da ineficácia e uma imagem de país de terceiro mundo sobre toda a administração pública. Injustamente. Porque se “toma o todo pela parte”, generalizando-se. E não é correto.

Senhora amiga sofre de cancro e está a fazer quimioterapia. Como se lhe não bastasse o sofrimento e o turbilhão de incertezas que carrega dentro de si, para marcar uma consulta, obter a baixa médica a que tem direito e outras coisas mais, tem ouvido “passe amanhã”, “venha para a semana”, “só no próximo mês” e outras piores, aguentando a espera em silêncio. Não é justo. Para cúmulo, nas últimas sessões de tratamento de quimioterapia, traumatizantes e nada fáceis, chegou a esperar horas já no local onde ia ser feito, porque “a sua medicação ainda não chegou”. Se calhar, descobriram agora que a espera cura o cancro! Que se faça esperar o cidadão que está saudável, vá que não vá. Ele já conta com isso e podia estranhar se o não fizessem. Mas, pelo menos, haja respeito pelos que estão em sofrimento extremo, porque “esse”, já lhes é mais que suficiente…        

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