Para conseguires, acredita em ti…

Se tivesse de escrever o currículo, nele teria de constar que também já fui jogador de hóquei em campo durante vários anos. Tinha regressado do Ultramar e deixado o serviço militar quando um dia o Joaquim Valinhas me encontrou e disse para aparecer no treino de hóquei em campo. Confesso que nunca tinha visto um jogo sequer mas não podia recusar o convite de um amigo de longa data. E lá fui eu de calções e sapatilhas, nada adequadas à função. Arranjou-me um stique, deu-me algumas instruções e fui para o campo dar umas “varadas”, termo usado quando se falava de pancadas mais fortes. Corri, “stiquei” e tive muita dificuldade em acertar na bola quando ela vinha na minha direção. Era difícil pará-la… No final do treino, o Quim pediu-me uma fotografia, o bilhete de identidade e assinei uma folha para ser inscrito na Associação de H. C. do Porto. No fim de semana seguinte, sem qualquer treino mais, fui convocado para o jogo oficial… Confesso nunca me ter imaginado um atleta de tão grande gabarito para, só com um treino de um desporto que nunca tinha visto, ser convocado para jogar. Tinha qualidades que desconhecia… Como nesse tempo o hóquei em campo era um desporto amador, verdadeiramente, tive de comprar um stique (como não percebia nada da “poda”, entrei numa casa de desporto no Porto e saí de lá com um que mais parecia uma moca de Rio Maior serrada ao meio), luvas, caneleiras e chuteiras pois a única coisa que a Secção tinha era o equipamento. À distância, penso que a minha convocatória se deveu não só à falta de atletas (para jogar fora de casa era difícil tirar da cama onze preguiçosos) como também ao facto de ter automóvel, importante para carregar metade do “pessoal” porque o transporte também era da nossa conta.

Talvez por a minha habilidade para jogar não ser muita, colocaram-me à defesa onde a preocupação era cortar a bola, estorvar os avançados adversários e dar umas “varadas” lá para a frente, para que a bola ficasse bem longe da nossa área. Com o tempo, comecei a acertar mais na bola, a saber pará-la, mas fintar não era comigo. Para isso, havia na equipa outros artistas, se bem que o Lousada nessa altura ficava do meio da tabela para baixo. Aliás, a existência de hóquei em campo em Lousada é tida como atípica pois a modalidade é característica só das grandes cidades. Lousada está fora desse contexto e o jogo só apareceu na terra graças ao senhor Jaime (que havia sido jogador numa das equipas da cidade do Porto), ao seu empenho e dedicação alguns anos antes de eu “cair ali de paraquedas”.

Como todos os campos eram em terra batida, o jogo era pouco técnico, não muito agradável para o espectador, o piso autêntica lixa para quem caísse e, acertar na bola em terreno tão irregular, motivo de satisfação pessoal. Jogar com o Ramaldense era derrota certa (se lhes corresse mal o árbitro, que era sempre daquelas “bandas”, encarregava-se de ajudar) e a pressão e agressividade do seu público em casa não davam hipóteses. Mas com outras equipas já conseguíamos equilibrar, marcar golos e até ganhar. Apesar dos balneários sem condições, dos chuveiros sempre com água fria, de jogarmos muitas vezes com falta de jogadores, da falta de condições a todos os níveis e do amadorismo completo, o convívio era saudável, o esforço valia a pena e os petiscos no bar (quando havia) no fim do jogo uma delícia e guardo esses momentos no coração. Pensando bem, as minhas qualidades eram tais que cheguei a ser dirigente da Secção, treinador, capitão, motorista e jogador. Tudo ao mesmo tempo…

Mas a razão que me levou a recordar com saudade esses tempos de hoquista amador foi porque uma vez jogamos com o Futebol Clube do Porto no campo da Constituição. Apesar de ser uma Secção daquele grande clube nacional, jogar contra o Porto dava-nos sempre uma motivação extra. E, nessa partida, conseguimos equilibrar o jogo de forma surpreendente. Na baliza o Camelo defendia tudo o que havia para defender e no meio campo o Quim estava a fazer um jogo excepcional. Ao intervalo mantinha-se o nulo e assim continuou até perto do final. Foi quando aconteceu: Pela direita um dos nossos avançados foi à linha e fez um cruzamento com toda a precisão, pois o guarda redes adversário saiu para defender a bola mas esta passou-lhe pela frente. Eu ia pelo centro do terreno a acompanhar a jogada e quando vejo a bola cruzada passar pelo guarda redes e vir direita a mim, com a baliza escancarada e sem ninguém à minha frente, meti o stique à bola para fazer golo e… falhei. Ali sozinho, diante da baliza, quando estávamos empatados com o Porto a zero em sua casa… E o pior é que eu sabia porque falhei. É que quando coloquei o stique para fazer golo, disse para mim mesmo : “Vou falhar, vou falhar”. E falhei. Fiz-me ao lance derrotado, sem autoconfiança. Por isso, “só podia falhar”. Se eu próprio não acreditei em mim, na minha capacidade de fazer golo, quem iria acreditar? E de seguida o árbitro inventou uma falta, expulsou o Joaquim Valinhas sem motivo e no canto curto inventado, marcaram o golo. Uma perda inglória.

Falhar acontece com qualquer um, mas não pode ser opção própria de quem tenta. Ganhamos força, coragem e confiança em cada tentativa de enfrentar o medo de errar. Por isso é importante fazermos aquilo que achamos não conseguir. A lição serviu-me para acreditar em mim mesmo, nas minhas capacidades, mesmo que aqui ou ali erre. E preciso de ser o primeiro a acreditar em mim, para os outros acreditarem. Ainda hoje estou convencido que, quando me dirigi para a bola, se tivesse acreditado e pensado para mim “vou acertar”, teria feito golo. E faria toda a diferença. No jogo, como na vida…

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