No último dia do longínquo ano de 1963, o paquete Infante D. Henrique que me levava para Angola onde ia fazer o estágio, atracou no Funchal, talvez para me dar tréguas às horas e horas de enjoos na viagem desde Lisboa. Foi a primeira de muitas vezes que haveria de visitar ilha da Madeira, pela qual me apaixonei. Após essa passagem relativamente rápida, em que a memória gravou especialmente a partida do Funchal um pouco antes das doze badaladas do fim de ano e a cascata de luz que já nessa altura dava uma beleza especial à ilha, voltei ali diversas vezes com a Luísa, instalado em hotéis e fazendo os roteiros turísticos crónicos à volta da ilha. Sempre a achei bonita, apesar de fazer os mesmos circuitos e revisitar os mesmos locais. E este ciclo de visitas acabou quando a Luísa adoeceu. Mas, há alguns anos atrás, a Teresa e o Agostinho programaram as férias na Madeira e desafiaram-me para ir ao seu encontro e passar com eles os últimos dias da estadia. Percebi a intencionalidade e simpatia do gesto. Claro que aceitei, sabendo que teria de acompanhar dois caminhantes por vocação e obrigar-me a “dar à perna” pois não haveria circuitos turísticos de “rabo a tremer” em carrito ou autocarro. Os caminhos, seriam outros e as pernas, o meio de transporte. Ponto. Sem preparação prévia, lá fui eu “para o que desse e viesse”. Quando aterrei no Funchal, os quatro (com a irmã e o cunhado) estavam à minha espera e enfiaram-me logo na velha carrinha que tinham levado de barco a partir do Algarve. Carreguei a tralha e arrancaram. A “função” ia começar e nem tive tempo para respirar. “Seja o que Deus quiser”, pensei. Meio desconfiado do que me podia esperar, já ia vestido e calçado para qualquer eventualidade e adivinhei. Para começar, levaram-me para a levada do Caldeirão Verde. Coisa pouca, seis quilómetros e meio de caminhada. Para lá. Mas, como a intenção não era ficar a dormir no final da levada, tínhamos de regressar pelo mesmo caminho. Mais seis quilómetros e meio, para cá. Foi o batismo, com “padrinhos” muito simpáticos e prestáveis, e tudo o mais. E nesse tudo estava incluída uma paisagem de cortar a respiração, um outro ângulo para ver a ilha, uma faceta extraordinária que desconhecia. Só visto. Mesmo com os ténis que comprara para o efeito mas que me apertaram os pés ao ponto de não voltar a usá-los. Treze quilómetros de prazer, serenidade, encontro connosco. Pelo meio, uma merenda ligeira e líquidos, muitos líquidos. A carrinha levou-nos depois para o “Hotel”, feito tenda no parque de campismo de Porto Moniz. “Hotel de luxo” com vista direta para as estrelas e jantar fora… da tenda.
Haveria de voltar com eles à Madeira para fazer outras caminhadas, uma delas do Pico do Areeiro ao Pico Ruivo que me deixou “de gatas”, uma montanha russa montada nas nuvens com paisagens de cortar a respiração. Só fiz a ida porque a volta “deixei-a” toda para eles (irem buscar o carro e recolherem-me feito desistente). Mas é uma outra maneira de ver a ilha da Madeira, única, algo que se deveria ter de fazer uma vez na vida. E tive o privilégio de fazer com eles outras caminhadas, a outros lugares especiais para usufruir de coisas e belezas que de outra forma nunca conheceria. Lá, no local, à chuva ou ao sol. Poder ver urzes centenárias de formas únicas, um sem fim de vegetação, aves lindas. E na Madeira, conhecer essa obra ímpar das levadas, construídas em escarpas onde seria impensável fazê-lo, uma obra de arte do Homem numa paisagem maravilhosa de Deus.
Gosto de caminhar, sinto-me bem, dá-me prazer. Não o faço tantas vezes quanto gostaria, umas vezes por preguiça ou desculpas esfarrapadas, outras porque não. Como na vida, as caminhadas são muito mais fáceis e agradáveis com companhia. Por alguma razão a vida e a existência humana são muitas vezes descritas como um caminho. Talvez por a vida ser um espaço de tempo que temos de trilhar, com subidas e descidas, muitos obstáculos mais ou menos difíceis, que nos abatem ou fazem felizes. E nesse caminho há etapas a vencer, metas para alcançar, paisagens que devemos usufruir. Sim, porque o importante da caminhada não é o ponto de partida nem sequer o da chegada, mas o caminho, todo o caminho e cada momento.
Muitos dos percursos e das levadas que a Madeira tem para nos oferecer, começam ou acabam numa queda de água, num pico, num lugar. Mas, se estamos à espera de chegar ao final da levada para admirarmos a beleza do objetivo alcançado, estamos enganados pois perdemos o essencial ou seja, o encanto do caminho onde havia borboletas e pássaros, flores e árvores, água e céu, montanha e escarpas, silêncios e canto de aves, harmonia e beleza, todo um mundo de pinturas e desenhos que saíram diretamente da mão de Deus. Ao estarmos focados no objetivo final, esquecemos o essencial e não vimos, nem nos apercebemos que existia…
Na caminhada, tal como na vida, os amigos são uma dádiva, uma ajuda para ultrapassar obstáculos, um estímulo para seguirmos em frente quando tudo nos quer fazer desistir, uma lanterna para os túneis, uma companhia para os momentos de alegria e de tristeza. E as pedras e os obstáculos, são muito mais importantes do que o terreno plano porque é com elas que aprendemos mais, crescemos mais, nos fortalecemos mais. Por isso, caminhe seja onde for, na Madeira ou na vida, mas caminhe. Porque, como dizia o poeta castelhano António Machado, “o caminho faz-se caminhando”…
No último dia do longínquo ano de 1963, o paquete Infante D. Henrique que me levava para Angola onde ia fazer o estágio, atracou no Funchal, talvez para me dar tréguas às horas e horas de enjoos na viagem desde Lisboa. Foi a primeira de muitas vezes que haveria de visitar ilha da Madeira, pela qual me apaixonei. Após essa passagem relativamente rápida, em que a memória gravou especialmente a partida do Funchal um pouco antes das doze badaladas do fim de ano e a cascata de luz que já nessa altura dava uma beleza especial à ilha, voltei ali diversas vezes com a Luísa, instalado em hotéis e fazendo os roteiros turísticos crónicos à volta da ilha. Sempre a achei bonita, apesar de fazer os mesmos circuitos e revisitar os mesmos locais. E este ciclo de visitas acabou quando a Luísa adoeceu. Mas, há alguns anos atrás, a Teresa e o Agostinho programaram as férias na Madeira e desafiaram-me para ir ao seu encontro e passar com eles os últimos dias da estadia. Percebi a intencionalidade e simpatia do gesto. Claro que aceitei, sabendo que teria de acompanhar dois caminhantes por vocação e obrigar-me a “dar à perna” pois não haveria circuitos turísticos de “rabo a tremer” em carrito ou autocarro. Os caminhos, seriam outros e as pernas, o meio de transporte. Ponto. Sem preparação prévia, lá fui eu “para o que desse e viesse”. Quando aterrei no Funchal, os quatro (com a irmã e o cunhado) estavam à minha espera e enfiaram-me logo na velha carrinha que tinham levado de barco a partir do Algarve. Carreguei a tralha e arrancaram. A “função” ia começar e nem tive tempo para respirar. “Seja o que Deus quiser”, pensei. Meio desconfiado do que me podia esperar, já ia vestido e calçado para qualquer eventualidade e adivinhei. Para começar, levaram-me para a levada do Caldeirão Verde. Coisa pouca, seis quilómetros e meio de caminhada. Para lá. Mas, como a intenção não era ficar a dormir no final da levada, tínhamos de regressar pelo mesmo caminho. Mais seis quilómetros e meio, para cá. Foi o batismo, com “padrinhos” muito simpáticos e prestáveis, e tudo o mais. E nesse tudo estava incluída uma paisagem de cortar a respiração, um outro ângulo para ver a ilha, uma faceta extraordinária que desconhecia. Só visto. Mesmo com os ténis que comprara para o efeito mas que me apertaram os pés ao ponto de não voltar a usá-los. Treze quilómetros de prazer, serenidade, encontro connosco. Pelo meio, uma merenda ligeira e líquidos, muitos líquidos. A carrinha levou-nos depois para o “Hotel”, feito tenda no parque de campismo de Porto Moniz. “Hotel de luxo” com vista direta para as estrelas e jantar fora… da tenda.
Haveria de voltar com eles à Madeira para fazer outras caminhadas, uma delas do Pico do Areeiro ao Pico Ruivo que me deixou “de gatas”, uma montanha russa montada nas nuvens com paisagens de cortar a respiração. Só fiz a ida porque a volta “deixei-a” toda para eles (irem buscar o carro e recolherem-me feito desistente). Mas é uma outra maneira de ver a ilha da Madeira, única, algo que se deveria ter de fazer uma vez na vida. E tive o privilégio de fazer com eles outras caminhadas, a outros lugares especiais para usufruir de coisas e belezas que de outra forma nunca conheceria. Lá, no local, à chuva ou ao sol. Poder ver urzes centenárias de formas únicas, um sem fim de vegetação, aves lindas. E na Madeira, conhecer essa obra ímpar das levadas, construídas em escarpas onde seria impensável fazê-lo, uma obra de arte do Homem numa paisagem maravilhosa de Deus.
Gosto de caminhar, sinto-me bem, dá-me prazer. Não o faço tantas vezes quanto gostaria, umas vezes por preguiça ou desculpas esfarrapadas, outras porque não. Como na vida, as caminhadas são muito mais fáceis e agradáveis com companhia. Por alguma razão a vida e a existência humana são muitas vezes descritas como um caminho. Talvez por a vida ser um espaço de tempo que temos de trilhar, com subidas e descidas, muitos obstáculos mais ou menos difíceis, que nos abatem ou fazem felizes. E nesse caminho há etapas a vencer, metas para alcançar, paisagens que devemos usufruir. Sim, porque o importante da caminhada não é o ponto de partida nem sequer o da chegada, mas o caminho, todo o caminho e cada momento.
Muitos dos percursos e das levadas que a Madeira tem para nos oferecer, começam ou acabam numa queda de água, num pico, num lugar. Mas, se estamos à espera de chegar ao final da levada para admirarmos a beleza do objetivo alcançado, estamos enganados pois perdemos o essencial ou seja, o encanto do caminho onde havia borboletas e pássaros, flores e árvores, água e céu, montanha e escarpas, silêncios e canto de aves, harmonia e beleza, todo um mundo de pinturas e desenhos que saíram diretamente da mão de Deus. Ao estarmos focados no objetivo final, esquecemos o essencial e não vimos, nem nos apercebemos que existia…
Na caminhada, tal como na vida, os amigos são uma dádiva, uma ajuda para ultrapassar obstáculos, um estímulo para seguirmos em frente quando tudo nos quer fazer desistir, uma lanterna para os túneis, uma companhia para os momentos de alegria e de tristeza. E as pedras e os obstáculos, são muito mais importantes do que o terreno plano porque é com elas que aprendemos mais, crescemos mais, nos fortalecemos mais. Por isso, caminhe seja onde for, na Madeira ou na vida, mas caminhe. Porque, como dizia o poeta castelhano António Machado, “o caminho faz-se caminhando”…