Estamos a enterrar a cabeça na areia?

Em 1902 o Príncipe Henrique da Prússia chegou a Nova Iorque, para receber o iate construído para o seu irmão que reinava na Alemanha, o Kaiser Guilherme II. À sua espera estava um batalhão de jornalistas com as perguntas mais estúpidas, como é da praxe. Às tantas, alguém perguntou: “O que mais gostaria de visitar”? Quando esperavam ouvi-lo dizer “as Cataratas do Niagara”, “o Grande Canyon” ou outra das grandes atrações do país, disse: “Gostaria de visitar o Everleigh Club de Chicago”. A resposta foi como uma bomba, deixando os jornalistas de “boca aberta”. É que, o Everleigh Club era ”o maior bordel da América”, talvez mesmo, do mundo. E na verdade, depois de cumprir todos os compromissos oficiais, o Príncipe foi presenteado com uma “noitada” na famosa “Casa de Passe”, sendo o convidado de honra de uma grande festa (a imprensa local chamou-lhe “orgia”) oferecida pelas duas proprietárias e irmãs. Para o Príncipe, foi uma data memorável mas, para as irmãs, a visita real não passou de um acontecimento agradável… mas vulgar. É que, durante os doze anos em que aquela “Casa de Alterne” esteve aberta, raras foram as semanas em que não recebeu todo o tipo de celebridades, desde atores, cantores, atletas das mais diversas modalidades, políticos e até bandidos. E lá estavam as “duas patroas” mais famosas da história da América para os receber. Como dizia I. Wallace, “para cada cavalheiro desejoso de se evadir através dos prazeres da carne, este clube não representava apenas uma casa de má fama. Uma vez lá dentro, o cliente libertava-se imediatamente de quaisquer preconceitos que pudesse alimentar acerca dos baixos intuitos comerciais das proprietárias. O ambiente, algo de intermédio entre um clube masculino e uma residência de damas de alta roda, proporcionava-lhe cultura, beleza, intimidade doméstica, bem estar… e havia ainda o prazer sensual, tudo estreitamente envolvido no véu do mais exótico romance. Desde o momento em que o freguês entrava no Everleigh Club, nenhum esforço era poupado para lhe cativar os sentidos”. No apogeu da fama e do negócio, a casa viria a fechar por pressão das reformistas, da chantagem desmedida de polícias e políticos corruptos (também os havia por lá…) e do cansaço das proprietárias na luta inglória contra forças tão poderosas.

Apesar de haver quem não a considere como tal, diz-se que a prostituição é “a mais velha profissão do mundo” e é exercida tanto em casas com todos os luxos, como era o caso, como nos casebres mais pobres ou nos lugares mais deprimentes. Atravessou os tempos, resistiu a leis severas, movimentos contrários, ataques policiais, prisões, “chulos”, à concorrência das “amadoras”, daquelas que dizem “que o não são”, aos chantagistas e todo o tipo de “intempéries”, sendo sempre “usada” por todos os que a combatiam. As leis que a regem foram mudando, com avanços e recuos em função da “ordem moral do momento” e do “poder reinante”, como agora nas chamadas “questões fraturantes”. Até 1962 havia regulamentos sanitários para a prostituição que impunham a obrigatoriedade de matrícula e porte de um livrete individual de registo de inspeções periódicas. A partir daí, a proibição não fez melhorar as condições sanitárias, muito menos as morais. Despenalizada em 1983, a prostituição não é legal nem ilegal, não existe na lei, está no limbo. Não é crime nem deixa de ser, está no vazio. O único criminoso é o “chulo”. Apesar das mudanças da lei, dos moralismos, do estigma, da intolerância e do controle social – e policial – continua a existir com a mesma força. E nem os defensores das “questões fraturantes” a aproveitaram como bandeira eleitoral… Pois, é um tema “sensível” em que os políticos não querem “tocar”, apesar de “consumirem à socapa” como os outros. Os defensores da legalização das “trabalhadoras de sexo” dizem que reduziria o tráfico de mulheres, combatia a violência, punha-as a pagar impostos e a ter direitos sociais, criava casas próprias para “prestar o serviço” (sugiro uma publicidade sugestiva como – “venha dar uma rapidinha low cost”) com controle sanitário que impedisse a disseminação de certas doenças, hoje “sem controle”. Mas os do contra, alguns que só usam enquanto for “fruto proibido”, dizem que só beneficiaria proxenetas, traficantes de seres humanos, exploradores de mulheres e até aumentaria a procura.

Certo, certo, é que a grande maioria dos homens, de todas as classes sociais, usa ou usou os “serviços” das “trabalhadoras de sexo para satisfação das suas “insatisfações”, num sinal de que “a democracia funciona” em pleno.

MAS FINGIMOS QUE NÃO VEMOS. Como nos abusos do poder, no assédio sexual, na exploração do homem pelo homem à conta da crise, na corrupção, em novas formas de escravidão e muitas outras indignidades e injustiças que se passam à nossa volta, fingimos que não vemos, fingimos que é normal e que não é necessário fazer nada.

Por isso, vamos continuar a fingir que não vemos aquelas mulheres e os seus problemas, assumidas “trabalhadoras de sexo”, mais ou menos “boas profissionais”, sem horário de trabalho e com “alojamento ambulante instalado” serra de Lustosa acima, como se não estivessem lá todos os dias faça chuva ou faça sol.

E fingimos igualmente que não vemos os seus inúmeros clientes incapazes de controlar os “apelos da carne”, gente que conhecemos bem e que vive no meio de nós…

Quem sou eu para saber por onde ir… O que sei, é que não podemos eternamente continuar a fingir que não vemos, feitos hipócritas, e continuemos a “enterrar a cabeça na areia, como a avestruz, à espera que a tempestade passe”. MAS NÃO PASSA…

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