Do tamanho da vaidade ou da realidade?

O meu carro vai a caminho dos quinze anos, uma idade muito bonita para quem tem a missão de me carregar quase todos os dias. Mas não tem sido fácil continuar a conduzir um carro que “está ultrapassado”, “fora de moda” e “não condiz com o meu estatuto”, na versão de um vendedor mais aguerrido. Geralmente não seguem a via de me quererem vender um meio de transporte mas antes um “estilo de vida” adequado ao “nível social”, daí usarem os argumentos mais incríveis dentro desta linha de pensamento. E, porque alguém conhecido tem carro novo, estimulam-me a comprar uma “máquina” igual ou mesmo superior, para lhes “fazer ver”. Lembro-me até de uma pessoa amiga me dizer: “Você anda para aí num carro que qualquer trolha tem…”

Confesso que ao longo destes quase quinze anos de relação com o meu automóvel, de que só me afastei temporariamente quando um encapuzado me encostou uma arma à cabeça e “convidou” a entregar-lhe as chaves, tendo mesmo disparado uma “bojarda” para o ar no sentido de me “apressar” a satisfazer tão “delicado” pedido, estive algumas vezes tentado a trocá-lo e comprar outro mais atual, não por que me tenha dado problemas de maior mas “levado” pelos “tais” argumentos e alimentado por uma “vozinha” interior que não é mais do que a vaidade que existe (também) dentro de mim. Mas, como o carro continua a levar-me a todo o lado, nessa luta interior entre a vaidade e o bom senso este tem conseguido vencer fazendo com que o mantenha como parceiro. Mas é uma luta que nem sempre é fácil…

Muitas vezes, com o carro tentamos mostrar aquilo que temos (e somos) ou o que gostaríamos de ter (e ser), sendo o “fato” onde fazemos questão de nos “vestir”, independentemente de estar ajustado ou não à nossa condição. Quantos não compram carros tão sofisticados que não chegam a saber para que serve um grande número de comandos do veículo? Quando um dia perguntei a um amigo para que era um determinado botão no tablier do seu carro, respondeu-me: “Não sei e nem lhe mexo porque posso estragar…”

Construi a minha casa há quarenta anos e, ao fim de vinte cinco convenci-me que deveria realizar obras de fundo e torná-la bastante maior, com divisões mais espaçosas, tendo mesmo chegado a fazer um anteprojeto. Depois de vários estudos… fiquei por aí. Quando a minha mulher adoeceu verifiquei que cometera muitos erros ao projetar a casa, especialmente nos espaços de circulação, nas casas de banho e largura de portas, pelo que realizei algumas obras para a tornar mais cómoda e funcional. Tal como tem acontecido com o carro, também na história da casa o bom senso ganhou a batalha sobre a vaidade. É certo que ao longo dos anos caí na patetice de construir anexos e mais anexos como “acumulador de lixo” que sou. Sim, porque os anexos quase sempre servem só para isso. E não fiquem dúvidas pois, por maiores que sejam, arranja-se sempre “tralha” para os encher, ficando a faltar anexos para o muito “lixo” que fazemos questão de acumular…

Hoje dou-me por feliz por não ter feito crescer a casa como cheguei a projetar porque, apesar de manter as dimensões originais, tornou-se grande demais para as nossas necessidades. Se a tivesse aumentado, pior seria…

Projetei, desenhei, construi, aconselhei, comprei e vendi bastantes habitações, moradias ou apartamentos e raramente os interessados pediam para que fossem mais pequenas. Queriam sempre maior, mais espaçosa. É um desejo quase instintivo, embora costumo dizer que quantos mais metros quadrados tiver a casa, mais cara é. Mas, tal como com os automóveis, a competição com os outros, mais do que a necessidade, levou a exageros no tamanho e no luxo, que custaram muito dinheiro (que nem sempre se tinha) e hoje continuam a custar muito caro em impostos e manutenção, agora que o dinheiro encolheu e os filhos saíram de casa, fazendo-a parecer ainda maior…

E ainda há outro problema: Regra geral os filhos não estão interessados no “casarão” porque é grande demais, está desatualizado e nem querem assumir os encargos que tais “palácios” acarretam pelo que, muitas vezes, não se vislumbra futuro na família para a “casa da família”. Ainda há dias ouvi esse desabafo de alguém que está nessa situação, inconformado com tal realidade…

Os antigos tinham um ditado que dizia (e diz), “casa quanta caibas, terra quanta vejas”. Nós rejeitamos esse legado e invertemos a teoria, fazendo crescer a “barraca” muito para além das necessidades e da comodidade e agora “torcemos as orelhas” de arrependimento ao olhar para as contas do aquecimento, do IMMI, da eletricidade, do jardineiro, da manutenção e do trabalho que dão. E até há momentos em que se fica a pensar como seria cómodo viver numa casa pequena e acolhedora…

Esta necessidade das casas “encolherem”, deve ser fruto das “lavagens” que nos fazem, da “água” que os nossos governantes meteram e o resultado das “tesouradas” nos salários, nas pensões e nos subsídios. Ou ainda, que começamos a pôr um pouco de juízo na cabeça e vamos perdendo a “mania das grandezas”, tão desajustada da nossa realidade?…

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