Como não fazer… figura de parvo

“O reconhecimento da própria ignorância é a primeira prova de inteligência” dizia Santo Agostinho e o exercício dessa ignorância é a melhor manifestação de receptividade para assimilar toda a nova informação que chega ao nosso conhecimento.

A aprendizagem é constante e permanente, mesmo que não frequentemos a escola, porque a vida ensina-nos todos os dias, só temos de estar de mente aberta para aprender. E não temos que ter vergonha ou timidez de perguntar quando não sabemos, de questionar quando temos dúvidas.

Há muitos anos, depois de acabar o curso fui estagiar em Angola, tendo ficado alojado durante os três primeiros meses numa pensão, quase em frente do mercado de S. Paulo em Luanda. Apesar de estar hospedado com “pensão completa” e até ter um bom serviço de restaurante (se não considerar os enxames de moscas que o acompanhava), ao outro dia da chegada a minha curiosidade levou-me ao mercado e comprei todo o tipo de fruta tropical como a anona, o abacate, a fruta pinha, o caju, a manga e outras, para ficar a conhecer tudo de uma assentada. De saco cheio, fui para o quarto e provei-as uma a uma, gostando mais de umas que de outras. Quando cheguei ao abacate, tirei-lhe a “casca” e meti na boca uma colherada da polpa esverdeada mas, como não me soube bem, pensei para comigo que não deveria ser aquela parte que se comia. Com a faca retirei toda essa polpa e ficou uma bola castanha e dura, quase do tamanho de uma bola de ténis. “Deve ser isto que se come” pensei eu e, zás, dei-lhe uma dentada. Os maxilares até abanaram e os dentes iam ficando agarrados ao caroço… Seguramente, não era essa a parte comestível. Deitei tudo no lixo e só alguns dias depois, quando à sobremesa serviram a polpa esmagada com açúcar e sumo de limão, é que fiquei a saber qual a parte comestível do abacate e como prepará-la… Mas podia ter perguntado a quem sabia e não o fiz por… timidez.

Aliás, o mesmo me aconteceu na primeira viagem que fiz a Nova Iorque com o meu pai, nos anos setenta. Ficamos hospedados no centro da cidade junto à célebre Times Square e, pela manhã, fomos tomar o pequeno almoço ali perto. Um dos símbolos americanos que os filmes me tinham “vendido” e que queria experimentar, eram as panquecas, até então desconhecidas entre nós. Ora, ao estar ali, tinha de prova-las, de saber se eram assim tão boas como pareciam, pois eram um mito que me fascinava. Por isso, coloquei logo três no prato. Que desilusão, não sabiam a nada, eram quase insípidas… Só vi no dia seguinte os clientes a cobrirem as panquecas com uma das muitas variedades de molho ou cobertura… Porque não perguntei como era? Por… timidez e vergonha. É curioso que hoje, quarenta anos depois, o meu filho sempre que vai a algum lado e quer experimentar qualquer coisa que não conhece, apresenta-se como um “iniciado” e pede ajuda e conselho, rigorosamente o oposto do que eu fiz. Quem está certo? É bom de ver…

Também há quem, para esconder a sua ignorância, mantenha essa atitude de não perguntar, de não questionar. É que, enquanto mantivermos a boca fechada, damos um ar de entendidos. O problema é quando a abrimos… Já os jovens, mal aprendem algumas coisas julgam logo que sabem tudo. E os velhos? Estão ultrapassados, só fazem figuras tristes…

O pai da doutora Isabel (já falei dele a propósito de uma laranja que não foi descascada por falta de… unhas do empregado) era um industrial de Lordelo que se “fez a si próprio” e que, apesar de ter a quarta classe e falar só português, correu o mundo e fez negócios em muitos países, sabendo sempre desenrascar-se sozinho.

Um dos prazeres que gostava de usufruir quando ia à Alemanha, mais concretamente a Frankfurt, era comer perna de porco num determinado restaurante da cidade, cozinhada daquela maneira que só os alemães sabem. Depois do filho se formar, acompanhou-o numa dessas viagens à feira de Frankfurt e foram ambos almoçar ao tal restaurante. Quando se preparava para pedir a perna de porco – e costumava fazê-lo apontando somente ao empregado uma das mesas vizinhas onde estivessem a servir esse prato – o filho disse-lhe que não o fizesse pois “parecia mal” e, como ele estava ali e falava alemão, faria a encomenda. Ora, quando o empregado lhe entregou a ementa em alemão, deu-lhe voltas e mais voltas mas não conseguiu perceber nada, nem sequer identificar o prato que iam comer. Fez sinal ao empregado e falou em alemão (ou naquilo que ele julgava ser alemão) mas, nada, ele não percebeu. Tentou em inglês mas continuaram sem se entenderem pois ele só falava alemão. Ao ver que assim não iam a lado nenhum, o pai disse-lhe: “Deixa estar que eu já desenrasco isto”. Fez sinal ao empregado para se aproximar e olhou as mesas em volta como era costume mas, a maior parte dos clientes ou já tinha ido embora ou estava na sobremesa, pelo que não podia usar o método habitual. Então, chamando a atenção do empregado, deu duas palmadas na perna e disse “Grr, Grr. Grr”, imitando o grunhido de um porco. Certo, certo, é que não tiveram de esperar muito para lhes ser servida a tradicional perna de porco…

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