Era uma empresa têxtil de sucesso, com projeção internacional e grande capacidade exportadora. O proprietário, homem que nasceu do nada, conhecia-a em todos os pormenores porque ela era o seu negócio, a sua profissão, a sua vida. Ao longo dos anos foi fazendo pequenos ajustes que a evolução aconselhara, sempre assente na sua experiência, na rentabilidade e na funcionalidade, sem preocupação de pompa ou aparato. Quando faleceu, a posse da empresa caiu na mão dos quatro filhos, mais habituados a usufruírem das benesses que ela lhes proporcionara para terem uma vida de “forró” do que a “dobrarem a espinha” e a levantarem-se a tempo de serem os primeiros a chegar à fábrica. Para que a vida lhes continuasse a ser fácil arranjaram um “administrador encartado” que conheceram “na noite” e que soube “vender-lhes” a imagem. Rapidamente tomou as rédeas da empresa e revolucionou as linhas de produção porque “era necessário modernizá-la”, com investimentos avultados negociados com a banca. E mudou quase tudo, de tal maneira que ao fim de um ano… o tiveram de mudar também. Os resultados caíram e nasceu algo que a empresa não conhecia: Dívidas à banca.
O substituto também era um conhecido… dos “copos”, que não quis perder tempo sem fazer alterações consideráveis “para tornar a empresa mais dinâmica”. E tornou. A produção caiu e as dívidas à banca aumentaram, agravadas por uma quebra do mercado internacional… Aguentou-se ano e meio até dar lugar a um outro “revolucionário”, que concluiu o processo de queda da empresa, com “velório e funeral” antes do quinto aniversário da morte do fundador. Pelo caminho ficou muito dinheiro enterrado em investimentos inúteis, mas “interessantes” pelas comissões que geraram…
Ao conhecer o ciclo desta empresa, lembrei-me de uma história atribuída a Max Gehringer. Desfrutem.
Duas pulgas, preocupadas com as dificuldades crescentes em morderem nos cães, fruto das “agressões” de que eram alvo quando eles se coçavam, conversavam entre si: “Sabes qual é o nosso problema? É que nós só saltamos e não voamos. Daí que, a nossa chance de sobrevivência quando somos pressentidas pelo cão, é nula. É por isso que há muito mais moscas que pulgas”. E ambas resolveram contratar uma mosca como consultora.
A mosca meteu-as num processo de reengenharia de onde saíram a voar. Pouco tempo depois a primeira pulga falou com a outra: – Queres saber? Voar não é suficiente porque ficamos agarradas ao corpo do cão e o nosso tempo de reação é bem menor do que a velocidade da coçada dele. Temos de aprender a fazer como as abelhas, que sugam o mel e levantam voo rapidamente. E elas contrataram os serviços de consultoria de uma abelha, que lhes ensinou a técnica do “chega – suga – voa”.
Funcionou algum tempo, mas não resolveu. A primeira pulga explicou porquê: – A nossa bolsa para armazenar sangue é pequena. Por isso, temos de ficar muito tempo a sugar. Escapar, a gente até escapa, mas não estamos a alimentar-nos convenientemente. Temos de aprender como fazem os mosquitos para se alimentarem com aquela rapidez e tendo uma boa capacidade de armazenagem. E um mosquito prestou-lhes consultoria.
Resultou, mas por pouco tempo. Como tinham ficado com o abdómen maior, a sua aproximação era facilmente detetada pelos cães e eram espantadas mesmo antes de pousar.
Foi aí que encontraram uma pulguinha saltitante. – Uau, vocês estão enormes. Fizeram plástica? – Não, reengenharia. Disse uma delas. – Agora somos pulgas adaptadas aos desafios do século XXI. Voamos, picamos e podemos armazenar mais alimento.
-E porque é que estão com cara de esfomeadas? – Ah, isso é temporário. Já estamos a fazer consultoria com um morcego que nos vai ensinar a técnica do radar. E tu? “Eu? Eu estou bem, obrigada. Forte, bem alimentada e sadia”. Na verdade, a pulguinha estava viçosa e bem alimentada, mas as pulgonas não quiseram “dar a pata a torcer”.
– Mas tu não estás preocupada com o futuro? Não pensaste numa reengenharia? “Quem disse que não? Contratei uma lesma como consultora”… – Uma lesma? Que tem ela a ver com as pulgas?
“Tudo. Eu tinha o mesmo problema que vós mas, em vez de dizer à lesma o que é que eu queria, deixei que ela avaliasse a situação e me sugerisse como melhorar. Ela passou três dias quietinha, só a observar um cachorro e então deu-me a solução”.
– E que sugeriu a lesma?
“Que não mudasse nada. Apenas para me fixar no cachaço do cachorro, porque é o único sítio que a pata dele não alcança”.
Há alguns dias sentei-me perto da instituição a que estou ligado, quieto e a olhar o fluxo da gente que passava, para encontrar a melhor forma de resolver um problema funcional . Vieram ter comigo diversas pessoas da casa perguntando se estava bem, se precisava de alguma coisa e até “o que é que estava errado”. Agradeci a preocupação e expliquei-lhes que tinha parado naquele lugar somente para observar. É que, observar é perceber, é ver para além do que é visível. E em muitas ocasiões, antes de se tomar uma decisão é conveniente fazer como a lesma. Mesmo que se tenha de ficar quieto e fazer figura de lesma, que é como quem diz, “figura de parvo”…
Por isso, se precisar, “pare, escute e olhe, mas… observe”.