O que somos aos olhos da sociedade…

Há dias tive de falar sobre Envelhecimento e achei que seria mais simples colocar-me na pele de “matéria prima” e falar como tal, isto é, como Velho.

Sim, eu disse Velho e não Idoso, apesar do estigma da palavra. Para os técnicos e para os que trabalham na ação social é que somos Idosos, Seniores e agora 60+, pois é politicamente correto. Mas, para a Sociedade, a sociedade deste país, nós somos Velhos, coisas inúteis.

Se aos cerca de dois milhões de portugueses que têm mais de 65 anos retirarmos os que têm mediatismo, poder ou posição social, todos os outros são Velhos, que passam despercebidos no dia a dia, que são mesmo invisíveis aos olhos de quem passa. Estamos por todo o lado mas, quando a Sociedade olha, não nos vê (nem nos quer ver). É uma questão cultural.

Na cultura oriental sim, há Idosos. São o símbolo da sabedoria pelas experiências vividas e por isso são os mais respeitados e com mais alto estatuto. É desde o berço que os japoneses ensinam às crianças o respeito pelos mais velhos, pelos avós, sendo essa cultura transversal a toda a sociedade. Ali há Idosos a quem é sempre dada a primazia, seja à mesa ou em qualquer ato ou lugar. São tidos como os guardiões da sabedoria e da experiência e a sociedade dá-lhes prioridade, respeita-os e concede-lhes privilégios. Até têm o Dia do Respeito ao Idoso e sempre que há uma decisão importante a ser tomada, seja na família, na comunidade ou no país, os Idosos são ouvidos sendo a sua opinião muito importante.

Por cá, não somos Idosos como no Japão. Somos somente Velhos, inúteis e, como tal, descartáveis, como qualquer bem de consumo. É a cultura ocidental no seu melhor… ou no seu pior… onde os Velhos são um “estorvo”.

Aliás, para a sociedade, só atrapalhamos.

Atrapalhamos a família, que não sabe o que fazer connosco e não tem tempo para nos aturar. Atrapalhamos o Estado, para quem somos um “buraco no orçamento”. E até atrapalhamos o… trânsito.

Em vez de respeitados, quantos não são ofendidos… Em vez do lugar principal à mesa, talvez, com sorte, um lugar no canto da cozinha…. Em vez de lembrados, tantas vezes esquecidos… Em vez de privilegiados, são tantos os humilhados… Em vez de ouvidos, regra geral ignorados… Em vez de protegidos, provavelmente roubados…

Não temos o direito a ter opinião porque “já não sabemos o que dizemos”, “estamos chéchés”. E, se a damos, “somos do tempo da outra senhora”.

Ah, somos gente importante, muito importante mesmo durante mais ou menos quinze dias por ano… Mas não é todos os anos… Claro, só mesmo em ano de eleições… Aí somos o “alvo” de todas as atenções mas, no sia seguinte, somos novamente votados ao esquecimento, ao sacrifício, até ao próximo período eleitoral… E a cena repete-se…

Enquanto na cultura oriental o lugar do Idoso é no seio da família, porque é uma alegria e um benção a sua presença, na cultura ocidental o lugar do Velho é em Lares, Residências ou Hotéis Seniores, para onde já vão por opção logo que se reformam como acontece nos países do centro da Europa.

E por cá?, Não somos “carne nem peixe”, estamos em transição… Os mais velhos ainda têm em si uma cultura do tipo oriental, sentindo e desejando ficar no seio da família, no seu canto. Basta perguntar àqueles que estão nos Lares para sabermos que a grande maioria vai para lá contrariada, carregando a tristeza de sentir que foram rejeitados pela família. Já para os mais novos, aqueles que deveriam tomar conta deles, são o tal “estorvo” que só atrapalha… Estamos assim num processo de “ocidentalização”… que é como quem diz, de degradação social…

É “natural”, pois nós, Velhos, não somos fáceis, até porque se nos vão queimando “fusíveis”. Já o sinto. Vejo-o todos os dias noutros como eu ou mais velhos. Daí que, quem lida com Velhos tem uma Missão, não um Trabalho, tem que ter Vocação e não um Curso.

Por isso merecem-me o maior respeito e consideração os que têm a Missão de trabalhar connosco nas instituições e não só, pois têm de ser dotados e ter “paciência… de Jó, sensibilidade… e bom senso, resistência… de ferro coração…. de leão e amor… infinito”. Mais ainda, uma capacidade de sofrimento pela perda e separação dos muitos que lhes “ficam” nos braços e para quem são o último amparo, a última companhia… Só assim conseguem desempenhar a sua Missão porque nós, não somos fáceis, não somos mesmo nada fáceis e vão ter de nos deixar e ver “partir”.

E muito menos fáceis são, tantas vezes, os membros da família que, não tendo tempo para nos aturar, delegam nas instituições essa responsabilidade, descartando-se do Velho como quem se liberta dum empecilho, de um farrapo (Há dias uma “senhora” mal acabara de deixar o pai, dizia ao telemóvel: “Já o DESCARREGUEI”. Mas, depois, exigem em triplicado aquilo que não lhes conseguiram dar em dose simples. Talvez seja a forma de se libertarem dum eventual “complexo de culpa”, de se redimirem, “acusando para não serem acusados”… Quem sabe, para poderem dizer que estão a fazer “TUDO” pelo seu Velho!!!…

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