Escolhi um dia da semana para ir ao supermercado sem apanhar confusão. E acertei. Havia pouca gente mas, quando quis pagar, … só havia duas caixas de serviço e ambas com fila. Resmunguei para mim mesmo e entrei na que me parecia ter a empregada mais despachada. Avancei dois lugares mas aí, sem saber porquê, a fila parou, enquanto a outra passou a andar mais depressa. Julgando-me esperto, … mudei para essa. Andei um lugar mas, quando o cliente seguinte quis pagar com o cartão de crédito, teve problemas. E ela parou. Olhei para a outra fila e vi as pessoas que estavam atrás de mim serem atendidas. Chamei-me burro mas já não ia voltar a mudar, parecia mal. Só então me lembrei de uma lei das filas: “Mudar de fila faz com que, imediatamente, a fila de onde saíste começa a andar mais depressa que a tua”.
Os clientes aumentavam atrás de mim. De repente, houve uma debandada e passei a ser o último da minha fila porque todos os que vieram depois, … mudaram-se para uma nova caixa. Menos eu, que estava a dormir…
“C’os diabos, está para chegar a minha vez e os que chegaram depois vão ser atendidos antes de mim? Já não é a primeira vez e caio sempre na mesma ratoeira. É a vida…” E lembrei-me dum dirigente político que está há décadas na “fila” para chegar a primeiro ministro. Até fez o “trabalho de casa” e, quando está mesmo para ser atendido, “à babuje” como se diz em gíria piscatória, eis que sai lá de trás um “amigo”, vai “furar a fila” e passá-lo como se ele não existisse, atirando-o… para o rol do esquecimento. É a vida.
Como as filas são para todos (ou quase), deveria existir na escola uma disciplina onde se ensinasse qual a forma de lidarmos com elas, tanto as reais – supermercado, banco, repartições públicas e outras – como as virtuais, que se não veem mas que se sentem – consultas, cirurgias, adopção de crianças, etc.. Talvez fosse mais útil do que estudar algumas patetices…
Quando me calha uma daquelas filas que nunca mais acaba, mato o tempo a engendrar planos para acabar com a espera. Chego sempre à brilhante conclusão que a razão das filas longas não é a lentidão do atendimento ou pouca gente no serviço. Nada disso. O problema é haver gente a mais na fila, que só se resolve eliminando a maioria do pessoal que espera. Como? Descubra uma, a mais eficiente, e ponha-a em prática, se quer ser atendido antes de ficar velho…
Se vai para uma fila de espera de certas repartições públicas no fim do mês, prepare-se. Leve roupa desportiva, óculos (de sol também, se estiver na rua), um livro grosso, cadeira, garrafão de água e termo com café (se não gostar, com bagaço), rádio/leitor com colunas potentes, saco cama e pala para dormir. Ah, e os apetrechos da barba. O homem da frente pode segurar-lhe no espelho para estar ocupado e o de trás no pincel. Mas atenção, não volte para casa sem ele…
Aproveite para conhecer o mundo nas filas, porque encontra lá todo o tipo de gente. Os faladores, que contam a vida desde pequenino e porque é que casaram com… Mas há os calados, os sisudos, os risonhos, os intelectuais, os provocadores… E os que fazem perguntas estúpidas como “também está à espera?”.
Há ainda os que “furam” a fila e saltam lá para a frente. Quando o povo da fila é bondoso, colocam-nos lá atrás com palavras simpáticas. Mas, às vezes não bastam as palavras e, uns murros e pontapés bem dados, são mais eficazes que mil palavras.
Ainda não percebi porque é que numa fila as pessoas ficam tão próximas, “cheirando o pescoço umas das outras”. E, quanto mais perto do atendimento mais em cima estão (na Índia, em filas muito longas, estão agarrados uns aos outros, como se houvesse uma estranha intimidade…). Será que assim “encavalitados” são atendidos mais depressa? Ou querem ver o que vamos fazer, talvez até mesmo pagar a nossa conta?
E se há algumas filas onde o pessoal está feliz por esperar, como para entrar num concerto do cantor preferido ou num jogo do seu clube e onde todos são simpáticos, na maioria das filas já se entra de “astral em baixo”, com “umas trombas” enormes, a bufar e dizer mal de tudo e todos. E ainda não cobram renda pelo tempo que ali ficamos…
E há filas para tudo. Até nas chamadas telefónicas nos colocam em espera sendo que, para “adoçar” o frete, dão-nos música. A propósito de dar, os bancos e repartições públicas para eliminarem as filas, deveriam ter um bar para os sofredores, onde servissem cerveja e marisco, do tipo “bar aberto”. Podem ter a certeza que os clientes nunca reclamariam pela espera e aumentavam com toda a certeza… No caso dos bancos, como já têm prejuízos tão grandes, nem se notaria a despesa. Nas repartições, também ninguém reparava até porque o “camelo” que paga é sempre o mesmo…
O Brasil é o país das filas. Tem fila para tudo e até tem profissionais das filas, que entram nelas só para saberem o que se está a passar. E há filas de espera longas e muito demoradas. E na área da saúde, nem se fala. De tal forma que, uma mulher levou o seu filho ao médico. Este, ao vê-lo, disse-lhe: “Desculpe, mas não posso atender o seu filho. Sou pediatra e só consulto crianças.” A senhora, muito chorosa, respondeu-lhe: “Mas doutor, tem de o consultar porque, quando entrei na fila ele ainda era criança…”
Por cá também temos daqueles que inventam as filas de espera para “parecer” que têm muita procura, que são bons e importantes. Como se a importância se medisse no tamanho da fila…
Verdade, verdade, é que eu já estou velho de muito esperar, em tanta fila de espera… Mas, cá para nós que ninguém nos ouve, não me importo de continuar, pacientemente, naquela longa fila de espera onde ficamos automaticamente inscritos no dia em que nascemos… Essa mesma, em que ninguém tem pressa de ser atendido…