As empresas, tal como as pessoas e todos os seres vivos, têm um ciclo de vida que começa com a fundação (nascimento), prolonga-se durante o seu período de atividade e termina com a sua liquidação (morte). Por isso, é um processo normal e natural criar-se empresas como o deveria ser fechá-las, sem dramas nem complicações. Tal, é tido como uma renovação do tecido empresarial bem como da própria sociedade.
Numa situação normal, deve-se chorar não pelas empresas que desaparecem mas sim pelas que não “nascem”, porque o futuro está nas que “nascem” e não nas que se “arrastam” para se manterem “vivas”, tantas vezes à custa de sacrifícios indevidos de quem sobre elas não tem qualquer responsabilidade.
É natural que em tempos de crise como aquele que estamos a viver, muitas empresas tenham graves problemas para assegurarem a sua sustentabilidade, quer por razões de mercado, de conjuntura económica, de acesso ao crédito e de tantos outros factores. Por isso, compreende-se da dificuldade em satisfazerem os compromissos com os credores, o que as pode colocar numa situação de falência que, quando não é resolvida rapidamente, costuma degenerar em insolvência. Daí o rol de empresas que “morreram” nos últimos anos pois, as falências e os despedimentos na sequência delas, são a mais grave consequência da crise.
Falir é o final de um ciclo de vida. Não deve ser motivo de vergonha nem de estigma, desde que o processo seja transparente. Mas, se a falência é viciada, fraudulenta, com o objetivo do empresário retirar mais valias disso, deve ser motivo de condenação legal e censura social, o que já nem acontece de tão vulgar que se tornou.
Tem havido empresários que recorrem à falência como meio de não pagarem a trabalhadores e fornecedores de bens e serviços, e já nem falo do estado, arrastando muitas vezes estes para situações graves e complicadas. Depois, com a maior das “latas”, abrem uma “nova empresa” na porta ao lado, quando não nas instalações que fizeram mudar de “dono” juntamente com equipamentos e outros ativos, em esquema premeditado, sem que a justiça dos homens faça o que deve.
É inconcebível que se permita a laboração de uma empresa, meses ou até anos a fio, com salários em atraso e sem pagarem os fatores de produção o que, para além dos problemas que provoca aos credores, vem distorcer a concorrência e contaminar outras empresas que correrão o risco de seguir-lhes o caminho, com patrões que nem sequer têm a coragem de contar a verdade aos empregados, olhos nos olhos, enquanto dissipam os bens, antes de fugirem pela calada da noite. É verdade que são os trabalhadores muitas vezes a tentar segurar o que as autoridades são incapazes de fazer.
Quando era criança, se alguém fosse à falência, até a própria família se sentia envergonhada, passando por um período de ostracização por parte da sociedade. Hoje, entre a perda iminente de património e o estigma da insolvência (se é que se trata de um estigma para alguns), há cada vez mais gente a optar por esta, crescendo as falências viciadas, até porque a noção de “ética empresarial” nunca constou da conduta de certos indivíduos que não passam de golpistas encapotados de empresários, que o tempo das vacas gordas (e o crédito fácil) pariu.
É nesse quadro de habilidades que assistimos a milhares de divórcios (fictícios) dos proprietários, fazendo desaparecer os bens para não pagarem nada a ninguém. E o curioso é que, quando o empresário “dá às de vila Diogo” deixando a empresa órfã, algumas vezes até sobra património suficiente para liquidar as dívidas para com os credores, sejam eles estado, entidades bancárias, trabalhadores, fornecedores. No entanto, após a nomeação do “administrador da massa falida”, o processo arrasta-se e os bens são “trabalhados” e “liquidados” em teias de corrupção sem que trabalhadores e fornecedores cheguem a ver a cor do dinheiro que lhes é devido.
Os processos de falência, que deveriam ser expeditos e controlados rigorosamente para que não sejam uma fraude e provoquem o menor sofrimento humano e material possível, passeiam-se nos corredores da justiça anos seguidos, dando tempo à degradação e delapidação de património de forma escandalosa, levando ao desespero aqueles que investiram na empresa o suor e a força do seu trabalho e não tenham outros recursos a que se agarrar para além da esperança (ilusória) de um dia receberem o que lhes é devido.
Não é compreensível que não exista um registo criminal próprio para os empresários “profissionais” nestes malabarismos, que os impeça de repetir tais “façanhas” quantas vezes quiserem, acabando sempre por “engordarem” o seu “pecúlio”, normalmente escondido em nome de familiares ou amigos. Ainda menos compreensível é a aceitação e tolerância da sociedade para com esses “habilidosos”, chamando-os de “espertos” e “inteligentes”…
No mínimo, deveriam ser obrigados a prestar “serviço comunitário”, como meio de formação ética e cívica, para ficarem a conhecer os seus deveres enquanto empresários (coisa que, tantas vezes, nunca foram…). Muitos deles não estão interessados em conhecer essas responsabilidades de tão cegos pela ganância, não olhando a meios para atingir os fins, indiferentes ao sofrimento que provocam a terceiros que não têm culpa, agindo como se fossem viver para sempre mas, certo, certo, é que… não viverão.
Mas já deveriam ter percebido que, por maior que seja a grandeza ou riqueza dos homens e das civilizações, não há nada que a morte não sepulte…