Uma vaca na varanda

Está decidido, vou comprar uma vaca e corresponder ao apelo da ministra da agricultura para produzirmos os produtos que consumimos.

Estive a pensar no que poderia fazer para reduzir a minha factura mensal de bens alimentares e acho que não vou seguir o exemplo da maioria fazendo uma horta social nem sequer a última versão da horta de varanda, como vi há dias na televisão, com uma espécie de sacos pendurados nas paredes onde se produzem diversos legumes pendurados, desde salsa, alface, pepinos, tomates (não é costume eles estarem sempre pendurados?…), beringelas e plantas aromáticas.

Como nos pedem para inovar e que o país só vai para a frente com ideias novas, resolvi comprar uma vaca que vou colocar na varanda, o que me traz múltiplas vantagens. Assim, ao colocar a vaca na varanda dou a esta uma função útil, dado que até agora a varanda tem sido um espaço perdido, que só serve para aparar as cagadelas dos pássaros e dar trabalho a limpar. E como as árvores do jardim estão altas, com os ramos sobre a casa, a vaca pode comer dali as folhas, poupando-me trabalho, tempo e dinheiro a arranjar erva, para além de não ter o trabalho de as podar nem de apanhar as folhas do chão no outono. Mas as vantagens não ficam por aqui, pois como tenho o caleiro e tubo de queda roto, a água cai ali diretamente, mata a sede ao animal e lava a varanda. E já agora, como o rabo da vaca ficará a cerca de quatro metros de altura, se colocar em baixo uma espécie de pequena nora onde caem os dejetos, estes acionam um mecanismo que, ligado a um gerador, é capaz de produzir energia necessária para o meu consumo (que bom será deixar de pagar eletricidade aos chineses).

Não me posso esquecer de, com a rotação da nora, criar um sistema de distribuição dos dejetos da vaca pelo jardim, aquilo a que vulgarmente chamamos um “espalhador de m… … matéria orgânica”. Todos os dias terei leite fresco por detrás da portada do quarto, sendo que no inverno poderá estar meio refrigerado, e para o conseguir, obrigo-me a fazer exercício todas as manhãs ao mugir a vaca ou posso fazer como os vitelos e mamar diretamente da teta.

No inverno posso ainda aproveitar o bafo do bicho para me aquecer o quarto, a chamada “eficiência energética”, para o que tenho só de abrir a janela, o suficiente para ela meter o focinho dentro, o que será útil mas não inovador pois este sistema já foi usado há pouco mais de dois mil anos, em Belém.

Já escolhi também a raça, pelo que vou comprar uma vaca barrosã, daquelas que têm uns grandes chifres que ajudarão a enfeitar a varanda, embora haja quem os use para enfeitar outro sítio…

Estava a comentar com pessoa amiga (e não digo o nome para ela não corar) sobre esta ideia luminosa que me tinha ocorrido de pôr uma vaca na varanda mas ela acabou-me depressa com as “peneiras”, dizendo-me: “Originalidade? Como é que é originalidade se não faltam vacas nas varandas???…” Apesar deste golpe nas minhas veleidades, não perdi o entusiasmo que me anima e já me imagino a chegar a casa e ver aquela cabeça engalanada a mirar-me da varanda, provavelmente a fazer um “Muuuu…… de satisfação (a não ser que esteja de costas e aí a imagem é mais arredondada (com enxota-moscas no meio).

Assim, ao contrário da grande maioria dos portugueses que se vão dedicar às hortas e à produção de legumes, eu fico com o meu problema de abastecimento de leite resolvido, diretamente do produtor e com controle de qualidade total, pois saberei de onde vem o produto. E, dado que a capacidade de produção leiteira da vaca barrosã será superior às necessidades lá de casa, vou ver se os investigadores me conseguem preparar uma geneticamente modificada que só dê leite em duas tetas e que, pelas outras, através dessa modificação, me consiga fornecer também manteiga, requeijão e iogurte, já que bolas de queijo seria muito complicado. Não podendo aproveitar a carne e o couro do animal enquanto vivo, posso recolher pelos das orelhas para fabricar pinceis artísticos e assim dedicar-me à pintura. E deu-me esta veia criativa porque a crise nos está a fazer voltar às origens, isto é, ao cultivo de legumes para consumo próprio, seja em varandas ou terraços nas cidades, seja no quintal aqui na região.

Quem conseguia arranjar um terreno para construir uma casa, antes de colocar uma pedra sequer, surribava o solo, plantava videiras e cultivava a horta nas horas vagas, numa agricultura complementar e de subsistência. Era assim que conseguia a maior parte dos legumes para consumo próprio (e dos vizinhos com quem permutava). Mas os tempos da euforia económica trouxeram o comodismo e a preguiça, a rejeição dos trabalhos agrícolas como se fossem coisa para inferiores, usando (e abusando) da facilidade de encontrar no supermercado tudo à medida sem ter de pegar na enxada, fazendo com que o terreno para além da casa fosse usado para jardim ou pavimentado, porque assim a relva estava sempre cortada, sem trabalho nenhum. Mas os escudos para os legumes no supermercado transformaram-se em euros, muitos euros que escasseiam, obrigando a reaprender ou aprender o que se rejeitou como peçonha, para evitar que essas áreas de tentação os levem.

Saibamos olhar o passado, corrigir os erros e ter a humildade de aprender para viver o futuro. Que eu vou continuar a pensar como colocar a vaca na varanda, já que fui dos que pavimentaram o quintal…

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