Ladroagem, os valores que (já) eram

Era eu miúdo quando um comerciante de Lousada foi a França encontrar-se com um amigo mas, como não estava em casa, uma criança francesa foi indicar-lhe onde ele se encontrava. No caminho, ao passar num pomar, apanhou uma das muitas maçãs caídas no chão e comeu-a mas, a partir daí, o garoto passou a dizer em voz alta uma palavra em francês de que ele só soube o significado quando o amigo traduziu: LADRÃO.

Àquela criança ensinaram a “Não Roubar”, mesmo uma simples maçã caída no chão. Questão de princípios e de educação. Nessa época, apesar dos bens de consumo por cá serem infinitamente menos e da pobreza ser muitíssimo mais que hoje, quase não havia roubos, pois a honestidade e o bom nome eram valores a preservar.

Como isso está tão distante e como tudo mudou… A crise é para muitos o (falso) argumento para que em Portugal se multiplicassem os roubos, e nada, mas mesmo nada, está a salvo da praga de ladrões que nos assola. Rouba-se tudo aquilo a que podem deitar a mão, dos computadores às galinhas, dos automóveis ao ouro, dos materiais de construção ao vestuário, das redes elétricas aos postos de transformação, dos produtos agrícolas às registadoras, leve ou pesado, pequeno ou grande, perigoso ou não, fácil ou difícil, vai tudo.

A um viticultor que acabara de plantar uma vinha, roubaram os paus, os arames e… as videiras. Num roubo em Lousada utilizaram um semireboque e um empilhador e noutro uma retroescavadora e um camião. Isto diz-nos que já não é só o “pilha galinhas” que anda por aí, mas autênticas “empresas de ladroagem”, provavelmente com escritórios e estatuto legal. Será que já estão no “ranking” das melhores empresas nacionais? E contam nas exportações?

Conheci recentemente um brasileiro, hoje bem de vida mas que teve uma infância difícil. Era engraxador no parque do Joquei Clube de S. Paulo e até aos dez anos andou sempre descalço. Um dia um cliente deu-lhe uns sapatos do filho, pelo que foi logo para casa mostrá-los à mãe. Mas esta não acreditou e, convencida que ele os roubara, não só lhe bateu como o obrigou a devolvê-los ao dono. Só quando o cliente lá foi a casa confirmar a oferta é que ela acreditou.

Num meio hostil, ela defendia princípios a todo o custo e, apesar do castigo injusto, hoje agradece à mãe os valores que lhe transmitiu. Será que entre nós ainda é comum esta defesa de princípios?

Olho para trás no tempo e vejo as casas da aldeia de portas abertas, de onde nada desaparecia, todos eram confiáveis. Hoje a minha mãe tem sempre a porta trancada à chave e até colocou uma porteira exterior com trinco elétrico… Mais, faz-se aquilo que outrora seria um sacrilégio, como roubar igrejas e santos, escolas e cemitérios (um dia destes desenterram mortos para lhes tirarem os dentes e o fato), hospitais e instituições sociais (há dias roubaram uma viatura e os alimentos que eram para distribuir pelos pobres), velhos e indefesos. Até na cascata de S. João, no Porto, roubaram a imagem de Cristo e… a caixa das esmolas, claro.

Mas estes “artistas do gamanço” têm nos (muitos) políticos, gestores públicos e figuras mediáticas, e até mesmo instituições bancárias e não só, (maus) exemplos na arte dos “desvios” de dinheiro (eles não roubam…), e que arte… Se aqueles que são tidos como “oficiais e cavalheiros” não passam de “ladrões de gravata”, que se pode esperar do cidadão comum, senão seguir-lhes os exemplos? E é cada exemplo!!!… Mas se os “desvios” dos “cartolas” são graves, mais preocupante já é a opinião pública aceitá-los como um sinal de esperteza e não como ladroagem, dizendo-se mesmo que “aquele é que foi fino”. Faz o “ Elogio do Ladrão” quem o deveria condenar… E quando algum ladrão é apanhado pelas autoridades, que lá vão fazendo o que podem, se for levado a tribunal sai deste mais depressa que o agente que o apanhou.

Mas afinal quem violou a lei, o ladrão ou o polícia? Estará a lei de pernas para o ar e ninguém notou? Se culturalmente já lá não vamos e se a justiça já não consegue travar a escalada de roubos, restam-nos algumas soluções pouco ortodoxas, a referendar talvez entre os adeptos de um dos clubes grandes do futebol no dia em que a sua equipa perder o jogo decisivo com dois penáltis roubados pelo árbitro: Uma, dos pacifistas, que aos ladrões se devem atirar… flores e serem “catequizados” por psicólogos pois, se não deixarem de roubar, pelo menos que passem a ter boas maneiras ao fazê-lo. Para os radicais, há três soluções: “à lei da bala”, com o Zé de revolver à cintura e de carabina a tiracolo como no faroeste, “dormindo acordado” e podendo disparar primeiro e perguntar depois, ou aplicando a lei de talião conforme o Código de Hamurabi, expresso na máxima “olho por olho, dente por dente”, ou usando a lei islâmica com a amputação das mãos que roubarem. Cá para mim devemos é ser “fixes” e fazer “O Elogio do Ladrão”, legalizar o roubo e a “profissão” para que esta possa ser exercida por qualquer um de nós, até ensinada nas escolas pois “professores qualificados” não faltam por aí.

Assim, não haverá discriminação entre os que roubam e os que são roubados pois passaremos todos a ser ladrões, iguais entre iguais, com os mesmos direitos, cumprindo-se a democracia. E roubando-nos uns aos outros todos estaremos em “pé de igualdade” e até seremos perdoados porque, “ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão”.

Leave a Reply