Pudor: O equilíbrio necessário

O pudor é um sentimento complexo que incide sobre diferentes objetos, sendo o mais comum a vergonha da nudez. Nele, distinguem-se dois sentidos: O corporal (sexual) e o dos sentimentos.

Olhemos para o pudor corporal, que é o aspeto da educação que nos faz apresentar como pessoas de corpo e alma e evitar que sejamos vistos como simples objetos sexuais, estabelecendo uma espécie de equilíbrio entre a intimidade pessoal e a abertura social, para evitar o mal estar causado pela nudez e pelo sexo.

Cada tempo e cada sociedade definem os seus próprios “recatos”. Por causa do sentimento do pudor tapamos algumas partes do corpo, o que se tornou uma norma social que foi evoluindo ao longo dos tempos e conforme as sociedades.

Ainda me lembro de quando na escola primária a professora deu com a cana nas orelhas do Domingos por errar uma conta, para depois o ameaçar com uma palmatória grossa, de madeira. Nesse levanta e senta da professora a sua saia comprida subiu um pouco mais, deixando ver o tornozelo e um pouco da perna, o que nos fez esquecer os castigos corporais… Era tempo de corpos tapados, pudor no vestir, no falar, nos gestos, nos olhares. A palavra sexo não existia…

Com o passar dos anos as saias foram subindo e os decotes descendo, sempre motivo para olhares furtivos ao simples cruzar de pernas ou ao subir um degrau. Os limites do pudor corporal iam-se alargando pouco a pouco.

Já adolescente, ao passar junto de um café no fundo da Avenida dos Aliados, estranhei ver uma fila de 20 ou 30 homens todos alinhados, olhando uma mesa da esplanada. Depressa entrei no grupo dos que procuravam o melhor ângulo para observarem o cenário do cruzar de pernas de uma turista bem descontraída…

O sentido do pudor continuou a mudar ultrapassado que foi o sentimento da timidez ou vergonha, produzido pelo que pode ferir a decência, a honestidade e a modéstia. O que era impudico deixou de o ser, os limites passaram para além dos limites e a moda deu um forte contributo ao impor que se mostre sempre uma qualquer parte do corpo, correndo-se o risco, como dizia Cher, “de se ficar sem partes do corpo para mostrar”. Para além dos limites (ou talvez não…) relembro umas férias numa praia qualquer e uma das caminhadas ao longo da água, quando “tropecei” com três jovens de biquíni a jogar a bola. A imagem que me ficou foi a de “ tiras de tecido rodeadas de mulher por todos os lados”.

Os conceitos e mentalidades alteraram-se, o imoral passou a moral, o que era escondido passou a ser feito à luz do dia e o que era tabu passou a ser conversa normal de adolescentes, quando já não de crianças.

Diz-se que hoje há uma grande falta de pudor, expondo-se o corpo e a sexualidade de forma impensável, com comportamentos que deveriam manter-se na intimidade de cada um. Que se banalizou tudo, inclusive a sexualidade e a intimidade, expostas na praça pública como se não tivessem qualquer valor. E, pergunta-se, onde param os nossos valores?

Com a banalização do corpo, as relações são essencialmente sexuais e menos emocionais, vivendo-se exclusivamente o corpo físico no seu lado sexual, destituído de alma e sentimento. E com isso os limites da fronteira que separa o pudico do impudico foram alterados, como se  fosse sinónimo de modernidade, a tal ponto que há quem tenha vergonha… de ser recatado.

Nesses limites sem limite conta-se a história do marido que só reparou no exagero do decote do vestido da mulher quando começou a ver alguns pêlos ao fundo…

O pudor faz parte de um conjunto de valores sociais, como  a honestidade, a lealdade, o respeito, a solidariedade e tantos outros que são determinantes numa sociedade, porque uma sociedade sem valores tende a cair na anarquia e a ruir, como ruíram muitas civilizações. No entanto, não faz sentido um retrocesso ao tempo da minha escola primária, do tornozelo e da perna, nem sequer ao da minha adolescência e da perna acima do joelho (a “paisagem” não seria tão interessante). Mas que continua a ser importante na nossa vida social, não há dúvidas.

Até porque o pudor é como o medo: Em dose adequada é protetor e estruturante, resguardando-nos na nossa intimidade, mas em demasia pode ser prejudicial.

 

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