É um lugar comum dizer que vivemos tempos de crise, difíceis para todos, que nos obrigam a considerar o emprego como um bem raro, seja ele bom ou ruim. Aliás, há os que defendem mesmo que não existe trabalho ruim, porque ruim é ter que trabalhar. Também, em contrapartida, há os que afirmam que não é o trabalho que acaba com a gente, mas sim as preocupações.
Considero o desemprego um dos maiores flagelos da sociedade e, por mais exercício mental que faça, não consigo dimensionar, porque o não vivi, o drama de alguém que quer trabalhar, que precisa de o fazer para se sustentar a si e à família, que se sujeita ao que houver e só encontra respostas de “não”, “não precisamos”, “é muito velho para o lugar”, “não tem experiência” e sei lá bem mais o quê. Um homem desejoso de trabalhar e que não consegue encontrar trabalho, é dos espetáculos mais tristes que a desigualdade nos mostra à face da terra. E as consequências são conhecidas: Quebra no rendimento familiar, depressões, baixa na autoestima e desmotivação para procurar emprego. Aliás, um bom número de desempregados desmoraliza depois de várias tentativas falhadas.
Para um jovem que andou quinze, dezasseis ou mais anos a estudar, alimentando o sonho de um bom futuro, que às vezes para além da licenciatura até tira um mestrado, ver-se confrontado com a impossibilidade de encontrar trabalho na área a que se dedicou, no nível a que acha ter direito, para depois ter de concorrer a um serviço indiferenciado, sem exigência de qualquer instrução ou qualificação profissional, e onde, por paradoxo, ainda poderá ser penalizado por excesso de habilitações, é de uma frustração inimaginável.
Admiro e merecem-me todo o respeito, todos esses jovens que, não tendo saída com os seus cursos, se agarram com vontade, sem quebra de ânimo e com empenho, a qualquer trabalho que surja, por mais simples que seja.
Diariamente sou confrontado com uma verdadeira legião de licenciados de diversas áreas, à procura de um simples emprego, a maioria aceitando seja o que for, pois o que procuram é trabalhar. E na história de cada um está um drama a precisar de uma solução, uma frustração a precisar de uma saída, uma necessidade básica à espera de uma mão amiga.
Esta é efetivamente a geração mais instruída, mas também não deixa de ser a mais desprotegida e com menos emprego de sempre, a quem foram criadas espectativas elevadas mas que foram remetidas, em grande número, para o caixote das desilusões. E então todos aqueles que perderam o emprego em idade mais ou menos avançada, que são considerados novos para se reformarem e velhos para trabalhar? Quantos dramas para quem tinha a sua vida organizada e planificada e de um dia para o outro viu ruir o seu mundo, as suas certezas, a sua segurança, o seu bem estar? Quanto sofrimento por esta situação, em muitos casos silencioso e escondido, envergonhado por nunca se ter imaginado assim?
Rezo para que não falte o ânimo a todos os que sentem na pele esse flagelo destes tempos que é o desemprego, para que consigam levantar-se e seguir em frente, recomeçar com mais energia, voltar a ter vida própria.
Percebo ainda muito bem o sentimento dos que partem para outras paragens porque no seu país não têm oportunidade de trabalhar, de serem úteis, de dar o seu contributo. Demos-lhe ferramentas de trabalho especiais, mas que só servirão para produzir riqueza para outros.
Tudo isto vem a propósito do emprego e do seu valor nos dias de hoje, para justificar o absurdo do que relato a seguir. Há algum tempo atrás na Instituição a que estou ligado, tivemos de proceder ao recrutamento de duas funcionárias para tratar de idosos. Esse recrutamento processou-se da forma habitual, com entrevistas a cerca de vinte candidatas e a admissão das duas melhor pontuadas.
Até aqui, tudo normal. As duas novas funcionárias começaram a trabalhar numa segunda feira mas no dia seguinte já não apareceram ao serviço, nem tiveram educação e respeito para se justificarem. Chamamos de imediato as duas seguintes que começaram a trabalhar na quarta feira mas, ao outro dia, já só compareceu uma.
Em resumo, para ocupar dois lugares, repito, dois lugares, tivemos de chamar seis pessoas que diziam precisar de emprego. Provavelmente era isso, diziam precisar de emprego, não de trabalho. Ou então, ao ouvirem que “o trabalho duro nunca matou ninguém”, interrogaram-se: “Para quê arriscar”? Por este e outros absurdos do género com que me tenho deparado nestes tempos tão difíceis, onde ainda há quem procure emprego e não trabalho, quem procure salário e não responsabilidades, quem procure direitos e não deveres, parece-me ser importante que aos jovens, para além da instrução, se lhes ensine algo muito precioso: Hábitos de trabalho. Porque, como é comum dizer-se, “o único lugar conhecido onde o Sucesso vem antes do Trabalho é no … Dicionário”.