O lado bom de envelhecer …

Ao que parece, ninguém quer envelhecer, ficar velho. Ver crescer as peles e os pelos mais do que o habitual e encolher e mingar outras partes que bem gostaria que continuassem em alta, firmes, como … a saúde. Mas tal não deixa de ser um paradoxo porque ninguém prefere a alternativa, isto é, “bater a bota” antes de entrar na terceira idade, não ver crescer os filhos, muito menos os netos. Então, é caso para perguntar: “Em que ficamos? Mas é assim tão mau ser idoso”? Será porque se diz por aí que “os anos pesam muito” e não se aguenta esse peso?

Vamos lá ver o lado positivo da questão e conhecer as vantagens de ter muitos anos, tantos que a gente já não sabe bem quantos são. Pois é, já não temos a obrigação de nos lembrar de tudo e a idade é só um pormenor. O relógio já não comanda a nossa vida e temos liberdade de horários, tanto para ficar noite dentro a ver um daqueles filmes pornográficos que, afinal, já não ajudam nada, a não ser a recordar velhas memórias – se é que ainda nos lembra de alguma coisa – como para ficar a dormir até ao meio-dia … se nos deixarem em paz. Além disso, podemos jantar às 6 horas para estar a roncar quando chegar a hora da telenovela.                                                                                              Para um elevado número, ser velho é de grande utilidade … para os filhos, quando estes precisam de alguém para tomar conta dos netos. Daí, é-se tanto mais útil quantos mais netos se tiver para tomar conta. Mas ainda é mais importante a utilidade quanto maior for o valor da sua pensão de reformado, para “reforçar” o orçamento familiar … dos filhos. Também tem grande importância para alimentar pombas e outras aves nos parques e jardins públicos, além de prestar ali um excelente serviço ao limpar os bancos com as calças sempre que se senta ou levanta …

Ser idoso tem, pelo menos, duas grandes vantagens sobre os jovens: Enquanto eles só têm uma dentadura em regra ele tem sempre duas. E quando está a ouvir uma palestra ou participar numa conversa de grupo que seja maçadora, como ouve mal, tem a possibilidade de “desligar” com facilidade e de se “ausentar” sem sair do lugar para não ter de escutar a conversa de “chacha”.

Ser velho é ter experiência, conhecimentos e sabedoria, algo que é muito respeitado e tem muito valor no Oriente, mas que cá entre nós, regra geral, não interessa nada a ninguém. É ter a certeza que as suas articulações fazem uma previsão do tempo muito mais exata do que o Serviço Nacional de Meteorologia. É poder viver sem sexo, mas não sem óculos. É descobrir que o investimento na apólice de despesas médicas começa a valer a pena. É estar seguro que os amigos já não revelam os seus segredos, por uma razão simples: não os conseguem recordar. É aprender que a hora de ir para a cama é três horas depois de ter adormecido no sofá a ver televisão. É saber que é conveniente adiar o mais possível a arrumação e limpeza do sótão ou da garagem porque, assim que o fizer, os filhos adultos vão querer lá colocar as suas tralhas.

Para um idoso e reformado, receber um valor mensal sem ter de ir ao trabalho é como passar de empregado a patrão, com uma semana de seis sábados e um domingo e por isso com a chatice de não ter tempo suficiente para fazer qualquer coisa, ainda que seja trocar a lâmpada que se fundiu. 

Porque, durante a semana, de segunda a sexta, não faz nada e ao sábado e domingo, descansa do trabalho da semana. Além disso, tem filas próprias, prioritárias, em muitas repartições públicas, que não usa para não o olharem como velho ou ficarem a resmungar por ter “passado à frente” dos outros que já lá estavam há horas. Mas bom, bom, são os descontos nos transportes públicos, museus e em muitos outros locais, quase sempre de cinquenta por cento, melhor do que os descontos nos supermercados do Pingo Doce no Dia do Trabalhador.

Está provado que o idoso devia voltar à escola e ter aulas para saber como ser um velho feliz. Na maior parte dos casos tinha um bem: já não havia a mãe para lhe puxar as orelhas se se portasse mal. Mas ia aprender a não se meter na vida dos filhos nem a dar palpites sobre o casamento deles, muito menos a tomar partido ou a querer interferir na educação dos netos. A conviver com a nora ou genro, pois foi uma escolha do filho ou filha. A não ser um velho rabugento, porque se já não querem um velho, quanto mais se for um chato que vive a falar do “seu tempo” e das suas doenças, de que ninguém quer saber nada. A desligar-se dos telejornais e das notícias chocantes que só o vão incomodar quando, afinal, não conseguirá resolver mesmo nada e a ver só o que o diverte e anima. E, sobretudo, a nunca deixar nenhum “problema” para os seus filhos, a ser alegre e agradecido por ter chegado a idoso, pois muitos outros ficaram pelo caminho e a deixar saudades quando partir, em vez de alívio por ter demorado tanto …

Sorria, faça sorrir, não deixe para ninguém “aquele vinho bom” que tem guardado para uma ocasião especial, pois ocasião especial é o dia que está a viver. Lembre-se que o cabelo grisalho já não se respeita. Pinta-se. E que andar de mota e beber umas cervejinhas com idade avançada dá a oportunidade de conhecer mulheres atraentes e muito inteligentes. Um amigo meu já conheceu assim duas médicas, quatro enfermeiras e várias socorristas do INEM …

Pois eu, que vivi em oito décadas diferentes, dois séculos diferentes e dois milénios diferentes, só tenho de estar grato a Deus e àqueles que me ajudaram nesta caminhada, apesar dos altos e baixos da estrada, por ter envelhecido. Foi uma dádiva que não rejeito, apesar de ter nascido numa sociedade rural, pobre e difícil, mas rica em valores. Sim, passei por muita coisa, mas tive uma vida maravilhosa. Pertenço a uma geração que viveu uma infância analógica e uma idade adulta digital. Pertenço a uma geração que viveu e testemunhou muito mais coisas que qualquer outra geração viveu em todas as dimensões da vida. E isso só foi possível por ter envelhecido, por ser idoso e chegar àquilo que sou, com orgulho e sem o estigma da palavra: Velho.

Há gente resolvida. Bem ou mal …

Há gente que, perante o vislumbre de uma oportunidade ainda que se possa dizer absurda, a agarra com as duas mãos. Aliás, é costume dizer-se que “o difícil faz-se e o impossível, embora com um pouco mais de dificuldade, também se faz”. E a prová-lo está esta história mirabolante que mais parece uma invenção fantástica do que uma história passada na Inglaterra, um país tido por bem organizado. Oh se é: “No exterior do England’s Bristol Zoo, dos Jardins Zoológicos mais velhos do mundo, existe um parque de estacionamento próximo com capacidade para 150 automóveis e 8 autocarros. Ora, durante 25 anos a cobrança dos estacionamentos foi efetuada por um cobrador só, mas muito simpático. As taxas, pagas em libras, correspondiam a 1,40 euros para os automóveis e a 7,00 euros para os autocarros.

Um dia, após 25 anos consecutivos e regulares sem nenhuma falta ao trabalho, o cobrador simplesmente não apareceu. Perante a ausência, a administração daquele Jardim Zoológico telefonou para a Câmara Municipal e solicitou que enviassem outro cobrador. Aí, a Câmara fez uma pequena pesquisa e respondeu que o estacionamento do Zoo era da responsabilidade do próprio Zoo, não dela. Então, a administração do Zoo reafirmou dizendo que aquele cobrador era um empregado da Câmara. E em resposta a Câmara escreveu-lhes que o cobrador desse estacionamento jamais fizera parte dos seus quadros e que nunca lhe tinham pagado qualquer ordenado …

Enquanto decorria esta troca de comunicações entre a Câmara e os responsáveis do Zoológico, descansando na sua bonita residência num lugar qualquer da costa do sul de Espanha, existia um homem que, ao que tudo indica, instalou no parque de estacionamento do Zoo uma máquina de cobrança por sua conta e então, com toda a naturalidade, começou a aparecer todos os dias, fazendo a cobrança e guardando as taxas de estacionamento, estimadas em 560 euros por dia … durante 25 anos!!! Considerando que ele fazia a cobrança todos os dias da semana, deve ter arrecadado algo como um pouco mais de 5 milhões de euros, isentos de impostos ou taxas. E o interessante de toda a história é que ninguém sabe o seu nome, nem quem é e nem sequer onde vive” …!!!

Se a história se tivesse passado num país africano, provavelmente os leitores teriam um pensamento comum: “Só em África”. Mas, não, isto passou-se no nosso Ocidente civilizado. Eu diria: “Chico-esperto” …

Da mesma forma, perante uma situação inesperada, há quem tenha boa capacidade de “desenrascanço” sem avaliar as consequências do meio usado para a resolver. E lembrei-me da história que aconteceu com um médico amigo aqui mesmo na nossa região e no improviso impensável para resolver uma “situação de urgência”:                                                                  No tempo em que a saúde pública fazia muita medicina ao domicílio, um médico local, na altura ainda jovem, antes de sair do Centro de Saúde onde trabalhava para fazer a sua ronda de consultas, mandou carimbar as receitas que entendeu necessárias para que os doentes, depois de consultados, não tivessem de lá ir fazê-lo e assim poderem aviá-las diretamente na farmácia. Nesse dia, como tinha um amigo mais velho já reformado sem nada para se ocupar e sabendo que ele gostava de dar uma volta, convidou-o para o acompanhar e também conversarem, o que fez com prazer. Numa das primeiras paragens, enquanto o médico entrou em casa do doente para fazer a consulta, o amigo ficou no carro à espera. Depois de acabada a visita, o médico regressou ao carro e encontrou o seu amigo meio constrangido e com uma novidade para lhe contar: “Doutor, o senhor desculpe, mas já não tem nenhuma receita carimbada”. “Mas o que é que aconteceu já que eu ainda só gastei 2 receitas”, perguntou o médico admirado. “Ó doutor, enquanto foi ver o seu doente o meu intestino deu-me sinal e eu não tive outro remédio senão ir ali atrás daquela árvore fazer o “serviço”. Como o único papel que havia aqui eram precisamente as suas receitas, tive de as gastar todas para conseguir limpar o rabo”. Incrédulo com a forma como as receitas tinham sido “aviadas”, ao médico (e amigo do aflito), não restou outro remédio senão voltar ao Centro de Saúde carimbar mais algumas porque as outras “já haviam sido duplamente carimbadas” e tinham perdido a “validade” para ser aviadas na farmácia” … Ainda hoje vejo o brilho nos olhos do médico sempre que falamos neste episódio caricato e absurdo com o amigo que, em “situação” apertada, soube desenrascar-se e que ele recorda como um acontecimento hilariante.                                                                         Se há pessoas que numa situação anormal bloqueiam e ficam sem capacidade de reação, há outras que veem logo uma oportunidade ou encontram de imediato uma saída ainda que não seja muito ortodoxa e são capazes de improvisar com um sentido de responsabilidade que deixa muito a desejar, embora consigam resolver os imbróglios que criaram com alguma despreocupação. É o caso do protagonista desta história incrível, ocorrida em terras africanas:

No Zimbabué, o motorista de um autocarro que transportava vinte doentes mentais parou no caminho para tomar uma bebida num bar ilegal. Ao regressar ao autocarro, descobriu que os doentes que era suposto levar de Harare para Beltway, tinham fugido. Não querendo admitir a sua negligência, o condutor foi até à paragem de autocarro mais próxima e ofereceu a todos aqueles que lá se encontravam uma viagem grátis. Assim, com o autocarro cheio, levou-os diretamente ao hospital psiquiátrico para onde devia ter transportado os 20 doentes com problemas mentais, agora fugitivos, informando os médicos logo à chegada que os doentes eram muito instáveis, com tendências para fantasias bizarras. 

Esta “cortina de fumo” lançada para encobrir a realidade, levaria a que a verdade só viesse a ser descoberta três dias depois” … 

Uma “telenovela” fileira em horário nobre …

Sou do tempo em que não havia televisão, muito menos telenovelas. A única coisa parecida com isso eram as radionovelas, tendo-me ficado na memória a primeira chamada de “Simplesmente, Maria”, que fazia com que as mulheres (e alguns homens) ficassem coladas ao rádio, de lágrima no olho. Já as telenovelas chegaram a Portugal pela mão dos brasileiros com “Gabriela, cravo e canela”, de Jorge Amado. Novidade em Portugal. O país parava para não perder pitada de um enredo bem conseguido e assistir ao desempenho de atores brilhantes na pele de personagens como Nacib, Tonico Bastos, Mundinho, o temido coronel Ramiro Bastos e a dona do Bataclan, Maria Machadão. Seguiram-se outras com desempenhos fabulosos como no Roque Santeiro com as personagens Sinhozinho Malta e Viúva Purcina e na Tieta do Agreste, mas mais nenhuma atingiu as audiências da primeira.                                As novelas instalaram-se nas televisões portuguesas, inicialmente as brasileiras e depois as portuguesas, tendo estas começado com Vila Faia. E vieram para ficar. Os especialistas nesta matéria dizem que há um conjunto de ingredientes para que tenham sucesso: Na base, uma boa história de amor, uma vilania bem desenhada e o retrato da nossa sociedade em geral com traições, mentiras, jogos de interesse e poder, dinheiro e todo o tipo de sentimentos, até os menos dignos. O mais importante é surpreender, provocar choque, jogar com o inesperado em reviravolta da ação. A verdade é que os produtores nacionais de telenovelas aprenderam depressa com o modelo importado do Brasil e realizaram excelentes trabalhos, com audiências a ultrapassar as suas congéneres importadas, se bem que manifestamente inferiores a esse tempo do “Gabriela, cravo e canela”. No entanto, este género de produção tem mantido uma clientela fiel entre nós, que não resiste a assistir diariamente aos avanços e recuos de uma boa história.                              Ora, nos últimos tempos, as telenovelas ganharam um concorrente de peso em Portugal, que tem mantido os muitos espectadores atentos ao desenrolar da “teia de acontecimentos” que se vão sucedendo a um ritmo alucinante e surpreendente, fazendo lembrar o que acontecia por cá só para ver uma Gabriela despudorada ou um Tonico Bastos a pentear o seu fino bigode. Trata-se de uma espécie de romance misto de policial e político, nada mais que uma verdadeira telenovela da vida real com “um elenco de peso” a desempenhar o papel de algumas personagens importantes da vida nacional, onde não tem faltado enredo quanto baste, mentiras, traições, acusações, o uso e abuso do poder, tráfico de influências, jogos de bastidores, péssima gestão da coisa pública, num espetáculo de incompetência e com revelações extraordinárias pelo absurdo, com roubos que, se calhar, não o foram, onde nem faltaram agressões físicas e verbais com intervenção da PSP e Polícia Judiciária, para além da ação excecional do SIS, as “secretas” portuguesas. Ora, o ritmo é tal, que os espectadores todos os dias se devem perguntar: “O que raio se vai ficar a saber mais hoje”? E tudo é importante para aumentar as audiências, dia após dia. E espera-se de cada audição “novas revelações”, para manter a emoção.                                                                                                  Tudo começou quando alguém “pôs a boca no trombone” ao saber que uma tal Alexandra Reis, nomeada para secretária de estado do Tesouro, “papara” meio milhão de euros por ser despedida da TAP, tendo logo de seguida sido “encaixada” na gestão de outra empresa pública. Daí a saber-se que fora uma ilegalidade, que ela até se tentara despedir antes sem indemnização, que o ministro começou por dizer que não sabia de nada tendo até sacrificado um secretário de estado, para depois confessar que, afinal, sabia de tudo e até aprovara o valor da indemnização. E caiu o ministro. Mas, diz-se: “rei morto, rei posto”. Saiu um e entrou outro da mesma fornada, com os mesmos tiques. Na comissão de inquérito a CEO francesa da TAP disse ter participado em reunião antes com um grupo parlamentar para “acertar” as perguntas e respostas nessa comissão, em mais um jogo para tornear a verdade. E a CEO e o presidente do conselho de administração foram postos no “olho da rua”, sem se avaliar previamente se havia ou não razões para tal, como “bodes expiatórios” para acalmar ânimos e abriu-se a porta a novas indemnizações que vão ser pagas pelo “Zé” do costume. Como as surpresas nesta “telenovela da vida real” não paravam, soube-se que no ministério do novo ministro houve cenas próprias de um filme policial barato, com gritos, fecho das portas, sequestro, roubo ou não, pancadaria, chamada das forças de segurança com recurso a outros ministros e até envolvimento do SIS, as secretas de que ninguém fala, mas que aqui toda a gente falou. E na comissão de inquérito alguns dos intervenientes mais mediáticos disseram “a sua verdade”, muito bem ensaiada, para o espetáculo televisivo continuar a ter grandes audiências. Como numa telenovela, alguns “atores” fizeram questão de “representar” um determinado papel, sem grande preocupação pela verdade nem pelos interesses do país, com acusações muito bem ensaiadas. Enfim, estamos na presença de uma verdadeira “telenovela mexicana” de muito baixa qualidade, num local onde nunca deveriam ocorrer cenas tão tristes, colocando a instituição pública ao nível de um tasco ou de uma boîte foleira.                                                                      Presumo que o espectador comum ao assistir a este triste espetáculo fique dividido em função da sua sintonia ou não com o “artista” que conta a sua versão da “história”, perante este rol de amor e ódio, de fidelidade e traições, de falsas verdades e mentiras, da ética ou mais propriamente da falta dela, tal como da ausência total do “sentido de estado” que deveria ser o apanágio principal de quem nos governa.  Como “telenovela” foleira em horário nobre tem todos os ingredientes para ter um grande sucesso e as televisões devem estar a deliciar-se com todo este “material” que lhe é fornecido pelos intervenientes e que tem dado para horas e horas de emissão, “à borla”.                                                                                   E tudo o que se ouviu neste folhetim seria motivo para nos divertir se o que está em causa não afetasse a vida de todos nós. Ficou exposto o amadorismo duma governação, a fragilidade das estruturas do poder tomadas de assalto pela “rapaziada das jotas”, a displicência com que se consome o dinheiro dos nossos impostos em intervenções como é o caso da TAP onde já se enterraram mais de 4 mil milhões, sem que haja consequências para quem tomou a decisão de derreter todo este dinheiro. Uma ponta do iceberg que nos pode afundar a todos? E para quem olha o que este triste espetáculo significa, fica incrédulo ao ver uma casa a arder, pois está em causa o bom funcionamento das instituições. Como dizia António Capinha no Diário de Notícias, “Há lodo no cais. Alguém vai ter de limpar toda essa porcaria! E depressa”.                                            

Aqui, não bate coisa com coisa …

Neste nosso mundo há imensas coisas pois tudo é uma coisa, seja um objeto físico ou uma coisa espiritual, como sentimentos ou estados de espírito. Daí que todos nós falamos sempre das coisas mais diversas. “Chega-me essa coisa”, “cala-te com essa coisa”, “ando a sentir cá uma coisa” ou “as coisas que podemos ver na cidade do Porto”. Hoje quero escrever alguma coisa sobre qualquer coisa, mas até há pouco não sabia sobre que coisa havia de ser, até receber uma coisa pela internet a falar das tais coisas que todos nós falamos. É verdade, queria tanto escrever qualquer coisa, uma coisa que fosse, a falar de coisas que nós coisamos. Mas pergunto-me se devo dizer alguma coisa ou não digo coisa nenhuma? É certo que há coisas que não nos dizem respeito, há outras que não nos dizem o estado das coisas e também há quem não diga coisa com coisa, sobretudo quando bebe algumas coisas.                                                                                                                    Sabemos que algumas coisas mudam muito, mas há outras coisas que não mudam nada, mesmo que se altere qualquer coisa para ver se a coisa funciona melhor. Mas nem assim a coisa vai lá. É que, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Ora, quando se juntam as duas coisas, nem sempre dá boa coisa. Chegado aqui, estou a pensar uma coisa, pois já devem estar a dizer que já não digo coisa com coisa. E se calhar até têm razão nalguma coisa, se bem que eu tenho coisas ainda para dizer.                                                                                                               Há todo o tipo de coisas. Dizem mesmo mil e uma coisas, desde coisas do arco da velha a coisas que não lembram ao diabo e até coisas que não interessam “nem ao Menino Jesus”. Sabe-se também que nem sempre a coisa bate com a coisa, que as grandes coisas são sempre as mais simples e que quem fala de muita coisa acaba por não dizer coisa nenhuma porque se perde nas coisas que as coisas têm. Por exemplo, já viram as coisas que se sabem no cabeleiro de mulheres? É que elas devem ter coisas na cabeça pois, quando alguém lhes mexe no cabelo, falam, falam e até têm sempre coisas para dizer, elogiar, denegrir ou, simplesmente, contar. E as coisas que se ficam a saber! É assim que as novidades sobre as coisas passam de boca em boca, verdadeiras ou falsas, até que a coisa se esclareça. Mas então, já se fala de outra coisa. Por isso, coisa boa é não ter coisa alguma para fazer. Ora, quem diz tal coisa, nunca precisou de coisar coisa nenhuma para ter aquelas coisas com que se compram as coisas.                                                                                                              Marisa canta “As coisas vulgares que há na vida não deixam saudades” e Quim Barreiros “Ela tem jeito para a coisa”. Já Roberto Carlos fala de “Coisas do coração” (“quantas coisas entre nós foram ditas sem falar”) e José Cid canta “Coisas do amor e do mar”. Enquanto Cláudia Pascoal diz que vive da música e de outras coisas, Gilberto Gil canta que “a fé é uma reafirmação constante e permanente do existir das coisas”. Já a Adriana Calcanhoto encanta com “Coisas sagradas permanentes” ao mesmo tempo que exibe os seios em palco, Mariana Reis lança “Coisas por dizer”. Há o programa do Nuno Markl “As minhas coisas favoritas” e Fernando Pessoa, escreveu no poema “Tabacaria”, isto: “A vida, essa coisa enorme, é que prende tudo e tudo une. Sou o que penso? Mas penso ser tanta coisa. E há tantos que pensam ser a mesma coisa, que não pode haver tantos. Noutros satélites de outros sistemas, qualquer coisa como gente continuará fazendo coisas, com versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas, sempre uma coisa defronte da outra, sempre uma coisa tão inútil como a outra, sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra”.                                                                             Não sei quem é o autor desta coisa, mas que é uma coisa interessante, é. Por isso transcrevo partes desta coisa que terá chegado do Brasil: “A palavra coisa tem mil e uma utilidades. É aquele tipo de palavra “muleta” a que a gente recorre sempre que nos faltam palavras para exprimir uma ideia. Coisas do português. Gramaticalmente, coisa pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo, como coisar. “Ó sua coisinha, você já coisou aquela coisa que eu mandei você coisar”? … Alceu Valença canta: “Segure a coisa com muito cuidado que eu chego já” … “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça”. A garota de Ipanema era coisa de fechar o trânsito. Mas se ela voltar, se ela voltar que coisa linda, que coisa louca. Coisa de Jobim e Vinícius, que sabiam das coisas. Coisa não tem sexo. Pode ser masculino ou feminino … Coisa também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, “coisa nenhuma virou um monte de coisas. Mas onde a coisa tem história mesmo é na MPB. No Festival da música popular brasileira em 1966 a “coisa” estava na letra das duas vencedoras. “Disparada”, de Geraldo André, “prepare o seu coração para as coisas que eu vou contar”.  E a Banda, de Chico Buarque, “para ver a banda passar, cantando coisas de amor”. Nesse ano de Festival, no entanto, a coisa estava preta ou melhor, verde oliva. E a Turma da Jovim Guarda não estava nem aí com as coisas. “Coisa linda, coisa que eu adoro” … “Essa coisa doida”, é trecho da música “Qualquer coisa”, de Caetano Veloso, que também canta “Alguma coisa está fora da ordem”. E o famoso hino a S. Paulo, “Alguma coisa acontece no meu coração”. Por essas e outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de cada vez. Afinal uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. E tal e coisa e coisa e tal. Um cara cheio de coisas é um indivíduo chato, já um cara cheio das coisas vive dando gozo. Gente fina é outra coisa. Para o pobre, a coisa está sempre feia. O salário mínimo não dá para coisa nenhuma. A coisa pública não funciona no Brasil. Político, quando está na oposição é uma coisa, mas quando assume o poder, a coisa muda de figura. Quando elege o seu candidato de confiança, pensa: “Agora a coisa vai”. Coisa nenhuma. A coisa fica na mesma. Uma coisa é falar, outra é fazer. Coisa feita. O eleitor já está cheio dessas coisas. Se as pessoas foram feitas para se amar e as coisas para ser usadas, porque então nós amamos tantas coisas e usamos tanto as pessoas? Bote uma coisa na cabeça: As melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o dinheiro não compra. Paz, saúde, alegria e outras coisitas mais. Mas deixemo-nos de coisas.                                                                                            Cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida. Por isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento: Amarás a Deus sobre todas as coisas. Entendeu o espírito da coisa?”

Negócio: O alimento que sai de um esgoto natural …

Ora, depois de ter tido uma estufa para produzir cravos em sociedade informal, negócio que foi salvo pela revolução do 25 de Abril e pela “febre de cravos vermelhos” ao fazer escoar num ápice uma produção “encalhada” e depois de ter uma exploração de coelhos também ela em sociedade informal de três amigos, que nos fizeram atravessar a Espanha à procura de progenitores, mas garanto que nunca os “tirei da cartola”, decidi agora tornar-me produtor de ovos, abraçando uma nova atividade para dar o contributo ao crescimento da economia e do PIB nacional. É verdade, esta ideia dos ovos entrou-me na cabeça depois de ver o preço a que já chegou a dúzia no supermercado e ao acreditar que a guerra na Ucrânia está aí para durar. Ora, quando a minha exploração de galinhas poedeiras estiver em plena produção, pelos meus cálculos cada ovo já deve valer 1 euro ou mais. É verdade que este é um negócio de trampa porque os ovos saem pelo mesmo buraco por onde saem as fezes e a urina da galinha. 

Ou seja, é um alimento que vem a este mundo através de um “esgoto natural”. Mas é o que é e eu quero fazer a diferença ao produzir os verdadeiros “ovos do campo, biológicos”, pois as minhas galinhas vão esgravatar na terra, comer o que a natureza lhes der, ser livres e felizes. Mas não quero ter ovos de aviário conseguidos à base de rações com muitos ingredientes que fazem mal à saúde e onde até o corante entra para o amarelo da gema ser mais vivo. Nada disso. Quando muito, poderão comer alguns grãos de milho, diria poucos para não aumentar ainda mais a importação de cereais que vêm quase todos de fora. E vai ser tudo à moda antiga pois até vou recorrer ao velho costume de lhes meter o dedo no cu para saber se têm ovo ou não para “botar” … 

O meu plano de negócio diz-me que o investimento é bom, a começar pelo pavilhão para as galinhas se abrigarem e “botarem” ovos, se bem que, como andam ao ar livre, podem “botá-los” em qualquer sítio da “propriedade” pois, se a vontade chegar longe do abrigo, só têm de se aninhar num canto e pôr, como fazíamos em criança quando no meio do monte precisávamos de nos “aliviar” …

Confesso que estou a cometer uma ilegalidade: não submeti o projeto a licenciamento para não atrasar a construção do “pavilhão” por mais 2 a 3 anos com as burocracias do costume. E assim, as obras já estão bastante adiantadas: paredes ao alto, chapa lateral e caixilharias. Só falta colocar a cobertura e pouco mais. Quanto à “propriedade” está a ficar quase toda vedada para que as galinhas andem por ali sem risco de se perder ou serem comidas pelas raposas e texugos. Vou ter de estar de olho nos ovos, porque podem ser largados em qualquer sítio, para precaver que as aves de rapina e os cucos os comam.

Em qualquer indústria, mais importante que produzir é ter uma boa rede de escoamento do produto. Não me adianta nada produzir ovos, muitos ovos, e ficar com eles acumulados em casa. Não vou chocá-los nem sequer vou fazer omeletes. É por isso que já tenho cinco clientes assegurados que me garantem o consumo da produção quase na sua totalidade. Só não sei se pagam bem! Aliás, para estar seguro de que todos os ovos terão saída, parte da produção destina-se à indústria de pastelaria para poder dormir tranquilo: se não me pagarem com dinheiro, vão ter de me pagar em bolos …                                                                                               Como não podia deixar de ser, nos tempos que correm, este projeto tem uma vertente ecológica, pois pretende vir a aproveitar os restos de legumes e frutas que, doutra forma, vão parar ao caixote do lixo. Com tal medida reduzo a quantidade de lixo dando utilidade a parte dos resíduos orgânicos e, ao mesmo tempo, diminuo a quantidade de milho a comprar para alimentar as aves. Além disso, já fiz plantação de maracujás e chuchus que estão a usar as vedações como suporte para se estenderem à vontade e produzir fruta deliciosa até porque serão fertilizados com “guano” natural, resultado do aproveitamento dos excrementos das aves ricos em nitrogénio, o que me trará um rendimento suplementar, especialmente nos maracujás pois o preço está bem apetitoso … para quem vende. E até os frutos caídos serão aproveitados na íntegra ao alimentarem diretamente as galinhas.

Para me dedicar a este ramo de atividade tive de estudar bem qual a raça de galinhas poedeiras que mais interesse tinha para mim. Colhi informações dos técnicos mais credenciados e cheguei à conclusão que deveria escolher uma raça com origem nos Estados Unidos, com o nome de Rhode Island Red, pois está bem adaptada e pode pôr 250 ovos por ano ou mais. É muito ovo para uma só galinha. Ainda pensei na Pedrês Portuguesa, até porque o povo diz que “a Pedrês vale por três”. Mas lembrei-me que o mesmo povo também diz que “Santos da terra não fazem milagres”. Depois de rejeitar as raças asiáticas pois acho que “devem ter os olhos em bico” e seriam demasiados “bicos” para comer, e pôr de lado as raças inglesas por terem a mania que pertencem à monarquia, escolhi a raça americana porque pode ser que com isso me ajude a realizar o “sonho americano”.                                   Já aprendi que, no espaço que está reservado às galinhas, não posso ter cebolas, abacates, citrinos, cascas de batata nem feijão seco, pois as minhas “inquilinas” não podem comer nada disso. Ora, sendo elas consideradas “trabalhadoras”, se bem que só recebendo a título de pagamento, “cama, mesa e cuidados de saúde”, tenho de dar atenção a toda a “hotelaria” para que se sintam bem instaladas, sem stress ou agitação. Só assim poderão produzir em pleno e com qualidade. É que eu quero que os clientes se sintam muito satisfeitos com a qualidade dos ovos, a começar por mim como cliente número um e pelos meus filhos na qualidade de clientes dois e três. Já decidi que não compro um jeep para percorrer toda a propriedade vedada, com 20 hectares, digo, com 20 metros quadrados, tendo ao fundo aquilo a que o povo chama “galinheiro” embora eu, pomposamente, chamo de “pavilhão”, onde se vai abrigar um numeroso grupo de … 6 galinhas.                                                                                                  Como compreenderão, já não vou poder aceitar mais clientes para os ovos, embora esteja a equacionar fornecer um ou outro interessado em bolos, se a “mestre pasteleira” da família não desistir por cansaço. Terei a porta aberta para receber frutas e legumes, evitando que vão parar ao lixo e talvez venha a abrir uma escola para ensinar “como construir um galinheiro”. Ou, se preferir, um “pavilhão para galinhas poedeiras”. Sempre dá outro estatuto …

Crónica para o diretor do jornal …

Hoje, mal soube a notícia, disse a mim mesmo que esta crónica seria dedicada a ti. Mas, confesso, estou sem jeito para escrever o que quer que seja, faltam-me as palavras e nem sei bem por onde começar. E o problema está em mim, pois não se pode escrever sobre alguém de que, pessoalmente, se conhece pouco, a não ser do resultado do seu trabalho.                                                                                                                   Devo dizer que és o culpado de eu ter voltado a escrever “coisas” para um jornal, depois de me ter aventurado a percorrer esse caminho já lá ia um bom par de anos. No teu jeito bem tranquilo, não me fizeste um convite formal, mas disseste:                                                                            “O senhor podia voltar a escrever para o jornal, se quisesse”. A conversa foi de curta duração, mas deixaste-me a pensar no assunto e, dias depois, acabei por te telefonar a dizer que “acedia à tua sugestão (que nem sequer chegou a ser um pedido) e ia ver se escrevia qualquer coisa. Já lá vão mais de dez anos, já respondi à tua sugestão com cerca de 500 crónicas que, como são mais longas do que é habitual, funcionam como soporífero para os leitores que se aventuram a ler para além do título, correndo o risco de adormecer a meio.                                                                                                                             E sei disso porque alguns amigos (que gostam das notícias tipo telegrama), já me têm manifestado esse “defeito”. Mas a verdade é que durante estes mais de dez anos nunca me disseste para escrever artigos mais ou menos curtos, nem para abordar ou não um ou outro tema. Deste-me rédea solta de tal forma, que isso me levou a explorar alguns assuntos que, no dizer de um amigo meu, “não estão de acordo com a minha condição”. Mas é preciso ir para além do “politicamente correto” de vez em quando, agitar as águas e as consciências, brincar com a minha condição humana e os meus defeitos, que são os mesmos de muito boa gente que não gosta de se ver ao espelho …                                                                                Ia-me esquecendo que me enviaste muitas mensagens ao longo destes anos todos, uma realidade muito incómoda … para ti. Porque foram sempre a perguntar a mesma coisa: “ainda vai enviar o artigo para o jornal desta semana”? É que nem sempre tive tempo ou a inspiração para escrever atempadamente a crónica semanal quando passou a ser habitual e daí o teres de “me lembrar” que estava a ser precisa para preencher esse espaço no jornal. E fizeste-me trabalhar muitas vezes fora de horas para cumprir contigo um contrato que não assinamos nunca e sem quaisquer cláusulas de direitos e obrigações. E hoje aqui, confesso-te que o fiz muitas vezes a pensar que não podia trair a tua confiança, pela enorme responsabilidade que é exigida ao diretor de um jornal regional e pelas dificuldades de sustentabilidade com que se deve defrontar para o manter de pé, especialmente neste tempo surreal das redes sociais.                                                                        Também nunca me perguntaste quanto terias de me pagar por cada crónica que eu escrevi, mas é verdade que nunca me apresentaste a conta do que teria de pagar pela publicação de cada uma, se calhar por cada linha. Nunca houve necessidade dessa contabilidade do deve e haver e as únicas coisas que recebi (e não serão de pouca monta), foram as borlas em um ou dois jantares do jornal para os quais me convidaste e as amáveis palavras, tuas e da tua mãe, como estímulo, para compensar o trabalho de matraquear nas teclas do computador.                                                                                 Encontramo-nos na rua por mero acaso há três ou quatro meses e eu ainda quase não abrira a boca quando me deixaste sem reação. Nesse teu tom tranquilo habitual informaste-me que não terias mais do que três meses de vida, como quem diz que vai ficar nu por falta de roupa ou conhece o prazo de validade da sua “pilha”. E tinhas razão. Como disse, a surpresa da notícia fez com que não te desse os parabéns, que dou agora por, com erros e acertos, avanços e recuos, ter “carregado” e levado a bom porto a herança da família “Afonso” que é este Jornal. E, deixa-me que te diga, é tarefa em que eu não me aventuraria. Assim, ao conseguires “levar a carta a Garcia” e o mesmo é dizer “cumprir a missão eficazmente, por mais difícil ou impossível que possa parecer”, tens todo o meu apreço, o meu abraço e a minha homenagem.                                                                                                          Para concluir, apesar de querer andar por cá mais uns anitos a tentar bater a idade de minha mãe, faço-te um pedido: Ao instalares-te nessa “nova morada” e depois de assumires as funções de direção do Jornal  do Purgatório onde estás para o processo temporário de purificação em que a alma é preparada para entrar no Reino dos Céus, reserva-me desde já um espaço nesse Jornal para as minhas crónicas, já que cada uma deve contar um ponto para a remissão dos meus pecados, que não são assim tão poucos. Mas não te preocupes se para os remir por completo tiver de escrever muitos milhares de crónicas, para as quais já tenho muito material – só o dossier TAP é um poço sem fundo que nunca mais acaba de nos surpreender – e, em abono da verdade, tempo não me faltará, pois terei “todo o tempo do mundo” …                  E até um dia destes, meu caro Sérgio Afonso, Diretor do TVS.         

100 anos é muito tempo …

Cem quilómetros é muita estrada, cem sóis seria um mundo de luz e cem tiros na “mouche”, muito acerto. Já cem anos é muito “caminho” e muito tempo de vida, um sucesso de longevidade só ao alcance de alguns. A estatística regista que em Portugal há pouco mais de 5.000 pessoas com mais de cem anos de idade, ficando o resto ao longo da viagem, com as doenças crónicas que nos são habituais. Diz o ditado chinês, com cerca de 3.000 anos, que o segredo da longevidade está em “comer pela metade, exercitar em dobro e sorrir o triplo”. Nesse sentido, há estudos a referir que o nosso estilo de vida determina em 90% o nosso potencial para viver mais ou menos tempo.                     Mas há muita confusão sobre qual o melhor estilo de vida. Desde as dietas incríveis aos especialistas televisivos que dizem saber tudo, aos produtos milagrosos vendidos pela internet, há de tudo por todo o lado. A maioria não passa de uma grande mentira. O certo é que não estamos programados para viver tanto tempo e não há “milagreiros” que nos valham, a não ser estilos de vida comprovadamente bons. É o caso da região da Barbagia, na ilha da Sardenha, em Itália, onde estão os homens com 10 vezes mais centenários do mundo que nos países desenvolvidos e com qualidade de vida. O segredo? Além da muita atividade física natural e de uma alimentação simples e saudável, o verdadeiro segredo parece estar na forma como as pessoas idosas são tratadas. Enquanto nas sociedades ocidentais são “descartáveis”, ali, quanto mais velho é mais valor tem, com relevância na sabedoria. E as mulheres de Okinawa, no Japão, são as que têm mais centenárias no mundo. Segredo? Comem em pratos pequenos, a panela não vai para a mesa e o que sobra fica longe da vista para não haver tentação. Só enchem 80% do estômago e, quando nascem, ficam logo com 6 amigos que as vão acompanhar para a vida e que estarão sempre prontos a ajudar nos momentos difíceis.                                                     

Há poucos dias uma senhora nossa conterrânea completou 100 anos de vida, uma ocasião muito comemorada pela família mais próxima, pelas pessoas da aldeia que por ela têm um carinho especial entre familiares e amigos, sobre o patrocínio do presidente da junta de freguesia e depois por um leque muito alargado de familiares. Mas, além de completar o centenário, o que por si só já é um feito, mantem uma excelente qualidade de vida sendo totalmente autónoma, o que lhe permite ir semanalmente às compras e à missa, cuidar do jardim e usar a máquina de costura para fazer alguns arranjos na sua roupa e até na dos seus filhos. Vê todos os dias o telejornal para se manter informada e quando a filha lhe diz para não acreditar em tudo o que dizem, ela responde-lhe: “Eu gosto de ouvir todas as notícias, mas só acredito naquilo em que quero”. Mantém conservadas as memórias de antigamente, recordando muito bem as pessoas e factos do seu passado distante, de que fala com tranquilidade.

Onde está o segredo da sua longevidade? Se quisesse ser adivinho, diria que tem algumas coisas do que já falamos aqui: Não come demasiado consumindo com regularidade vegetais e frutas, bebe um a dois copos de vinho por dia desde criança – relembra que quando tinha 6 anos de idade a mãe prometeu-lhe um “carrinho de corda” se não bebesse vinho durante um ano e ela cumpriu e ganhou – faz parte de um grupo e de uma comunidade, tem uma boa rede de pessoas amigas que não a deixam isolada e a família foi sempre a sua única opção. Mais, como católica e praticante foi catequista e ensinou várias gerações. Porém, talvez o grande contributo para a sua longevidade venha, para além do vinho, de algo impensável: carne de porco e os fritos. E esta? Das suas mãos nasceram trabalhos excecionais de rendas e bordados, para além de todo o tipo de roupas em malha, antes à mão e depois com máquina, tendo feito da sua casa uma autêntica escola de artes para jovens e menos jovens, com paciência e um sorriso no rosto, a título gratuito, recebendo somente por recompensa o prazer de ajudar os outros, o que fez pelos Vicentinos e a título pessoal ao longo do tempo. O seu estilo de vida, em geral tranquilo, ajudou-a a superar as perdas duras e extemporâneas do marido e dois filhos que a afetaram muito, mas de que soube fazer a aceitação.  

Escrevi-lhe uma carta há 10 anos quando ela fez 90 anos, para lhe dizer que, por ter de me deslocar fora do país iria estar ausente no seu aniversário. Mas sobretudo para lhe transmitir o meu orgulho e privilégio de ser seu filho, de me ter recebido e aceitado como uma bênção de Deus e assim me considerar ao longo de todos esses anos.

E, dez anos volvidos, continuo a ter a felicidade de ter a mãe querida que me cobriu de bênçãos em tempos tão difíceis como foram esses do pós-guerra, fazendo-me sentir muito amado. De ser a pessoa que desde criança me ensinou o amor pela natureza, ao fazer-me livre e responsável. De me ensinar o valor da caridade e da solidariedade e a sua prática, o respeito pelos pais, pelos mais velhos, autoridades e os mais fracos. De me mostrar a importância da palavra, da honra e do bom nome como valores fundamentais e preciosos da nossa vida.

Foi o meu Anjo da Guarda que me deu o mundo e soube libertar-me a esse mundo para seguir o meu caminho e constituir família.  Deu-me ânimo sempre que falhei ou quis desistir, em gestos que diziam muito mais do que em palavras que não dizem nada. Seus olhos foram bem firmes quando precisei de uma lição e sacrificou-se por nós, filhos, tendo-nos posto sempre em primeiro lugar, mesmo à mesa.                             Tive a felicidade de ter uma mãe sem preocupação de ter um único filho por não ter tempo, porque tinha todo o tempo do mundo para nós. Que esteve sempre presente e não tinha de me acordar ao nascer do dia para me entregar a outra. Construiu o meu caráter, ensinou-me todas as boas maneiras e os valores importantes da vida como a solidariedade, honestidade, amor ao próximo, a caridade e o respeito. E se foram diversas as escolas que me deram a instrução, a educação devo-a à minha mãe.

Não vou dizer o que faria se tivesse adivinhado que a mãe viveria 100 anos, pois a Luísa e os meus filhos poderiam não gostar de ouvir. Mas não posso estar mais feliz ao vê-la nesse rol restrito das centenárias portuguesas, pois é o sinal de que continuo a contar com ela para me ajudar quando preciso de conselho. E ela mantém a lucidez e o bom senso para o fazer.

Acabo com o mesmo final da carta que referi: “Diz-se que Deus não podia estar em todo lado e por isso criou as Mães. Pergunto então: “Meu Deus, porque permites que as Mães tenham de ir embora? Porque será que as queres levar um dia?” É que Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não se apaga. Será que posso pedir a Deus um descuido, que a possa fazer eterna”?

Obrigado, MÃE. Pelo seu aniversário e por ser quem é. 

A tradição ainda é (quase) o que era

Passou mais um dia de Páscoa onde se celebra a ressurreição de Jesus Cristo ao terceiro dia após a sua crucificação e morte no Calvário. Mas a verdade é que, quando era criança, na minha aldeia, e não só, vivia-se a Páscoa com mais fervor religioso. E a tradição ainda é o que era?  No sábado, véspera do dia de Páscoa, ao andar por aí, vi muita gente de calças arregaçadas, mangueira com água a correr numa mão e na outra uma vassoura para fazer a “limpeza geral” própria desta época. É a tradição no seu melhor, com os ajustes próprios da melhoria das condições de vida. Se antes se varria o terreiro da casa com uma vassoura artesanal de giestas ou um varrisco de codessos porque o piso era em terra batida, hoje, como o pavimento exterior é em cimento, tijoleira, cubos ou mesmo em placas serradas de granito, varre-se com vassoura ou espanador industrial e quando é necessário lavar o pavimento usa-se a mangueira com água e até a máquina de pressão para retirar toda a sujidade. Pelo contrário, como antes não havia água canalizada, as escadas de pedra eram lavadas à mão, de joelhos, com uma escova grande e sabão azul ou rosa. Duma maneira ou de outra, muitos são os que mantêm a tradição desta limpeza geral “para receber o Senhor”.                                                                                                  A tradição determina que essa “limpeza” também se estenda à alma através da confissão e era algo que a grande maioria da população fazia pessoalmente diante de um padre, de joelhos, verbalizando os pecados cometidos, tradição essa que veio a perder importância ao longo do tempo. Parece que a “lavagem da alma” passou a ser menos importante que a das nossas casas …                                                                 O domingo de Páscoa era uma ocasião muito especial pois começava por ser o “dia das estreias”. Não, não se tratava da estreia de nenhum filme, mas tão somente de roupa nova, fosse uma camisola, camisa, calças ou, melhor ainda, um fato completo. Como as dificuldades eram mais que muitas, quando os pais queriam dar algo novo para vestir aos filhos – e a si próprios – aproveitavam o dia de Páscoa porque a roupa funcionava não só como prenda da época, mas também como coisa útil para a ocasião já que a tradição mandava que se vestisse o melhor fato ou vestido nesse dia de festividade. E o “fatito” servia as duas coisas. Ora, para nós miúdos de então (e até os graúdos), uma roupa nova era razão suficiente para ficar feliz. E ainda me vejo todo vaidoso a exibir a roupa, fosse o fato ou uma simples camisola. Hoje a Páscoa já não é ocasião para estrear fatos, muito menos camisolas, até porque nesse dia a maioria das pessoas veste informalmente. Aliás, já nem há ocasiões especiais para ter de se estrear roupa nova a não ser nos casamentos, porque as mulheres não podem aparecer com um vestido que já usaram num outro casamento. Seria um escândalo …                                                                       Se antes a maioria das crianças recebia a “rosca” de trigo (regueifa) ou uma simples “pitinha” (a imitar um pintainho) feita da mesma massa e passeava-se todo o dia com ela enfiada no braço pelos caminhos da aldeia porque era um privilégio único ter uma “rosca” só para si, coisa a que não tinham acesso no resto do ano, hoje nada disso tem valor porque a fartura é muita e nem sequer as “roscas de pão de ló” ainda são algo especial …                                                                                                  A visita pascal era o momento mais festejado na aldeia. Apesar das casas serem muito modestas, não havia quem não cuidasse de as limpar, arranjar e engalanar para “receber o Senhor”. À entrada da casa espalhavam-se flores e folhas em especial de era, mais tarde substituídas por “tapetes de flores”. Aliás, hoje é uma tradição que se mantém e eu próprio não deixo de apanhar folhas de era no jardim para atapetar a entrada de minha casa, sinal de que quero receber o “compasso”. Se antigamente praticamente todas as casas da aldeia estavam abertas para o receber, além de em muitas delas obrigarem os elementos do grupo a comer e beber alguma coisa, atualmente já são bastantes as que estão fechadas e são tantas mais quanto mais urbano for o meio, pois alguns já não estão para aí virados e outros aproveitam para gozar umas miniférias pascais num qualquer paraíso turístico, dentro ou fora do país, relegando para segundo plano essa coisa de passar a Páscoa em casa. Nas minhas recordações a imagem do “compasso” começa sempre com o tocar duma campainha agitada fortemente por uma criança no caminho entre casas, anunciando a sua chegada. Este ano vinha em dose dupla. A seguir vinha o juiz da cruz com esta nas mãos e era ele que a dava a beijar, tradição que se mantém, só interrompida pela pandemia. E era o senhor padre que nos dizia algumas palavras de saudação e anúncio da ressurreição de Jesus, mas que hoje tem nos acólitos os seus substitutos por força das circunstâncias. E à saída andava alguém com uma cesta para recolher os ovos oferecidos, uma tradição que desapareceu.                                                                                                  Há uma coisa que foi aumentando de forma muito significativa ao longo do tempo: os foguetes. Se antes não passavam de uma dúzia ou pouco mais ao longo do dia de Páscoa, hoje, desde o amanhecer até já depois de cair a noite, o foguetório é quase contínuo e o som chega de todos os lados pois não deve haver paróquia nenhuma que não mande as suas bombas, levando a que a minha cadela passe o dia refugiada debaixo da cadeira e até se retraia de ir lá fora fazer as necessidades, pois costuma ser apanhada a meio caminho com novos estrondos, fazendo com que desista e volte a correr para o seu “abrigo” à prova de bomba.                                                                                                                  A Páscoa é a celebração da ressurreição de Jesus Cristo, ontem como hoje, embora as vivências sejam diferentes. Atualmente vê-se no dia de Páscoa mais o fim de semana prolongado e a oportunidade de sair de casa para descanso ou diversão, enquanto noutro tempo prevalecia o sentido original da celebração, com as pessoas a deslocarem-se de longe ou perto num regresso à casa paterna e o povo em autênticas arruadas atrás do compasso. Mas, apesar de tudo, na província ainda se preserva a tradição, com as alterações próprias dos novos tempos.  A Páscoa faz-me relembrar sempre o propósito do sacrifício e morte de Jesus Cristo e a mensagem de que, enquanto vivendo em sociedade e em comunhão com os outros, temos a obrigação de nos sacrificar e sofrer para ajudar os que nos rodeiam sejam eles familiares, amigos e mesmo desconhecidos, de ser solidários, porque um dia destes, e que vem mais depressa do que esperamos, podemos ser nós a precisar do sacrifício, sofrimento e solidariedade de alguém …

A importância de um pequeno inseto

Há cerca de 65 milhões de anos deu-se uma extinção em massa, que foi responsável pelo desaparecimento dos dinossauros e cerca de três quartos das espécies existentes na Terra. Hoje, muitos cientistas acreditam que outra extinção poderá estar em curso, desta feita, em resultado da sorte de um pequeno, mas decisivo ser: a abelha. Será que esta teoria tem algum fundamento?                                                        A abelha é um inseto parente das abelhas e das formigas e vive em colmeias, sejam elas naturais ou artificiais. No seu interior, existe uma rainha, uma abelha adulta e fértil, mãe de todas as abelhas da colmeia. Entre estas, encontram-se as abelhas obreiras, que usam cera para construir os favos, onde armazenam mel e pólen para alimentar tanto as larvas como os insetos adultos e os zangões, cuja principal função é fecundar a rainha. Cada abelha tem, em média, entre 28 a 48 dias de vida, com exceção da rainha, que pode durar 5 anos. A vida das abelhas é crucial para o planeta e para o equilíbrio dos ecossistemas, já que, na busca do pólen, a sua refeição, estes insetos polinizam plantações de frutas, legumes e grãos. E esta polinização é indispensável, pois é através dela que cerca de 80% das plantas se reproduzem. Como alertava Einstein “se as abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, sem polinização não há reprodução da flora, sem flora não há animais e, sem animais, não haverá raça humana.”                                                                                   Assim, as abelhas afetam a nossa vida diariamente sem que nós nos apercebamos disso. A nível alimentar, aproximadamente dois terços dos alimentos que ingerimos são produzidos com a sua ajuda através da polinização. Por isso, o biólogo Jasen Brito sugere que todos os apicultores devem manter uma colmeia nas suas propriedades para aumentar a produção das culturas como o milho e feijão, garantindo a indispensável polinização. Isso é o reconhecimento de que, sem as abelhas, a segurança alimentar da Humanidade estará ameaçada. E há fortes razões para preocupação. É que a utilização excessiva de pesticidas destinados a eliminar as pragas e doenças que afetam a agricultura, tem vindo, igualmente, a matar as abelhas. De forma semelhante, outros químicos, utilizados para promover um maior crescimento das plantas, prejudicam a polinização, colocando em risco o próprio ecossistema. Por exemplo, o uso de um pesticida em França e Alemanha está associado à morte maciça de abelhas. Mas as ameaças sobre as abelhas incluem a própria apicultura, no acréscimo de apicultores e no desrespeito das regras de distanciamento entre apiários, levando as abelhas a entrar em competição, além da vinda da vespa asiática e outras espécies invasoras e a multiplicação de doenças fatais. Ora, o resultado é muito preocupante, pois na Europa e América do Norte desapareceram 50% a 90% das populações de abelhas. Nos Estados Unidos, os fruticultores já alugam inúmeras colmeias à Nova Zelândia, que viajam de avião para ser instaladas nos seus pomares durante a floração e garantir a polinização, sem a qual não haveria fruta.                                                                                          Esses pequenos insetos vivem em sociedades bem organizadas, as colmeias, com funções distintas para os seus membros, podendo em cada uma abrigar até 60 a 80 mil abelhas. Em cada colmeia há uma rainha, cerca de 3 a 4 centenas de zangões e milhares de operárias. Se fosse entre nós, o facto da rainha poder viver até 5 anos e ser a única fêmea fecunda e as operárias serem estéreis e viverem somente 28 a 48 dias, fazia “cair o Carmo e a Trindade”. Era discriminatório, um privilégio da classe dominante. Mas ainda pior seria o facto de apenas as abelhas fêmeas trabalharem na colmeia em diferentes funções, já que os machos, os zangões, têm como função principal fecundar a abelha-rainha. Enquanto os zangões se divertem numa corrida em que é exigida boa capacidade física para seguir atrás da jovem rainha no chamado “voo nupcial” cerca de 9 dias após o seu nascimento e voa o mais alto possível para ver qual deles a alcança (num voo pode ser fecundada por vários zangões e guarda o sémen para usar quando bem entender), todas as operárias trabalham a cuidar da estrutura da colmeia, a reparar as células, limpando-as, construindo células novas para guardar mel ou abrigar os ovos postos pela rainha, alimentando esta, as larvas e até os zangões. Além das funções na colmeia, as operárias também guardam a entrada, enquanto outras saem a visitar flores na recolha de néctar e pólen. Ora, enquanto estas são os “moiros de trabalho”, os machos têm uma vida confortável a fecundar a rainha. Entre nós, seria machismo e mais umas quantas coisas que é melhor nem dizer aqui. Só que o macho que fecunde a rainha não tem “direito de repetição” nem será mais aceite na colmeia.                     Com o néctar e o pólen colhido nas flores, as operárias produzem o mel, cera, própolis e geleia real. O mel é um tipo de açúcar com alto valor energético que serve de alimento para elas, mas de que nós nos apropriamos sempre que podemos. Já a cera que elas produzem, é usada na construção das células, só por si uma obra de arte, mas não pode ser comparada à cera que nós produzimos nos ouvidos, já para não falar da outra “cera” que fazemos em resultado da “preguicite”. Já a propólis tem como função proteger a colmeia de micro-organismos como vírus, bactérias e até insetos invasores. É como o desinfetante que usamos para o covid e que as abelhas têm à entrada da colmeia. A rainha põe ovos aos milhares, tendo a capacidade de poder decidir se quer gerar fêmeas ou machos pelo simples facto de os fecundar ou não com o sémen que recebeu dos zangões – e quer isto dizer que os zangões são verdadeiramente “filhos da mãe” – e as operárias cuidam deles e das novas gerações.                                                                           Mas deixemos as especulações e passemos a algumas curiosidades: Uma das primeiras moedas do mundo tinha o símbolo de uma abelha. Sabia que existem enzimas vivas no mel? E que, quando em contacto com uma colher de metal essas enzimas morrem? Por isso, a melhor forma de comer mel é com uma colher de pau e, se não encontrar, use uma de plástico. Lembre-se que o mel contém uma substância que ajuda o cérebro a funcionar melhor. O mel é um dos raros alimentos na terra que, sozinho, pode sustentar a vida humana. Foi assim que as abelhas salvaram muitas pessoas de fome em África. Ora, é sabido que uma colher de mel é suficiente para sustentar uma vida humana durante 24 horas e que é um produto que não tem prazo de validade. Daí que os corpos dos grandes imperadores do mundo foram enterrados em caixões de ouro e depois cobertos com mel para evitar a putrefação. Já a própolis, um dos produtos produzidos pelas abelhas é um dos antibióticos mais poderosos do mundo. E, já agora, o termo “Lua de Mel” vem do facto de que os noivos consumiam mel para terem melhor fertilidade após o casamento.                                                                     As asas das abelhas batem 180 vezes por segundo, voam a 25 kms/ hora, carregam o equivalente a 300 vezes o seu e para produzir 1 kg de mel visitam quase 4 milhões de flores. Uma abelha vive menos de 40 dias e visita 50 a 1.000 flores por dia. É assim que também garante a sobrevivência dos seres humanos. Sem a presença delas, muitas espécies de plantas simplesmente não existiriam. Nem nós. Por isso, cada um de nós tem de fazer a sua parte para proteger este pequeno inseto, já que é o nosso “seguro de vida” …

A vida extraordinária da nossa mão!

A mão humana é extraordinária. Sinceramente, nunca me dei ao cuidado de pensar na enorme importância que tem na nossa vida. É uma das partes anatómicas do corpo humano de maior complexidade funcional. A sua atividade é responsável não só pelos movimentos e ações de grande precisão, como pela área de maior sensibilidade e perceção tátil do ser humano. O simples rodar duma chave para abrir a porta, enfiar um fio na cabeça da agulha, tocar uma peça musical no piano ou o tricotar de um casaco, são gestos que exigem coordenação e sincronismo. Executa um número infindável de tarefas só possível graças à enorme capacidade de adaptação aos objetos e suas formas. E todos conhecemos a enorme importância das mãos na rotina e na execução das tarefas diárias, embora nem sempre tenhamos o devido cuidado com elas.

A mão humana é constituída por um complexo conjunto de ossos e, por isso, é considerada, depois do cérebro, o órgão que realiza as tarefas mais elaboradas no corpo humano. Para o funcionamento normal da mão e punho, participam 29 ossos, mais de 30 músculos, 30 articulações, 20 nervos terminais e de 70 ligamentos e tendões! O espaço do cérebro destinado a organizar e coordenar as funções da mão é muito significativo e revela toda a importância da mão na vida do homem.

Os dedos compridos e polegar oposto aos outros dedos é que tornam as mãos uma parte única do nosso corpo, permitindo-nos, através do tato, manusear objetos, determinar temperaturas, texturas e até o nível de rigidez daquilo em que tocamos, atirar, agarrar ou apanhar coisas.

Quando nascemos, são as mãos que primeiro nos recebem a dar as boas-vindas a este mundo e são as mãos maternas a segurar para a carícia do primeiro beijo. Quando morremos, são as mãos dos amigos e familiares que nos carregam e as dos coveiros que nos enterram!

As mãos têm expressões contraditórias pois tanto assinam tratados de paz como ordens de avançar para a guerra. Tanto afagam com ternura como batem com violência. São capazes de construir pontes que unem, mas também muros que separam. Têm engenho e arte para fabricar tecidos finos como fúria quanta baste para os rasgar. E com capacidade para criar as mais belas obras de arte, mas também de as destruir num instante. As mãos cultivam a terra e colhem os frutos, moldam o barro e criam arte, conduzem os animais, bicicletas, carros e aviões. 

Vale a pena transcrever aqui o monólogo das mãos, de Ghiaron:

“As mãos servem para pedir, prometer, chamar, conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar, injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar, absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir, reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar, construir, trabalhar, escrever …

Foi com as mãos que Jesus amparou Madalena; com as mãos, David agitou a funda que matou Golias; As mãos dos Césares romanos decidiram a sorte dos gladiadores vencidos na arena; Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência; os antissemitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo da morte! Foi com as mãos que Judas pôs ao pescoço o laço que os outros Judas não encontram.

A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a corda; o operário construir e o burguês destruir; o bom amparar e o justo punir; o amante acariciar e o ladrão roubar; o honesto trabalhar e o viciado jogar. Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada, uma esmola ou uma bomba! Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia! As mãos fazem os salva-vidas e os canhões; os remédios e os venenos; os bálsamos e os instrumentos de tortura, a arma que fere e o bisturi que salva. Com as mãos tapamos os olhos para não ver e com elas protegemos a vista para ver melhor.

Os olhos dos cegos são as mãos.

As mãos na agulheta do submarino levam o homem para o fundo como os peixes; no volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros. O autor do “Homo Rebus” lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento e o primeiro copo para a bebida; a primeira almofada para repousar a cabeça, a primeira arma e a primeira linguagem. Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas. A mão aberta, acariciando, mostra a bondade; fechada e levantada, mostra a força e o poder; empunha a espada, a pena e a cruz!

Modela os mármores e os bronzes; dá cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento e da fantasia nas formas eternas da beleza. Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza; doce e piedosa nos afetos, medica as chagas, conforta os aflitos e protege os fracos.

O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor, o melhor pacto de amizade ou juramento de fidelidade. O noivo para casar-se pede a mão da sua amada; Jesus abençoava com as mãos; as mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes”.
Nas despedidas, a gente parte, mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar. É com as mãos que provocamos lágrimas, mas é com elas que limpamos as nossas e as lágrimas alheias. Tal como é com elas que selamos um negócio e a nossa palavra de honra com o habitual aperto de mãos.

Dizia Audrey Hepburn que “à medida que envelhecemos descobrimos que temos duas mãos: Uma para nos ajudar a nós próprios e a outra para ajudar os outros”.

Ao olhar os dedos das minhas mãos a bater nas teclas do computador não posso deixar de continuar a maravilhar-me com a sua mobilidade e flexibilidade. E daí, com a enorme quantidade de tarefas em número e diversidade que executaram ao longo de uma vida. Pensando nisso, se a grande maioria foram ações de que se devem orgulhar, há umas quantas em que podiam e deviam “ter dado a mão” …