Uma lição de Democracia. Consciente.

Quando era criança acreditava que, à medida que os anos passavam, o Homem ficava melhor, mais humilde, honesto, solidário, bondoso, inteligente, justo, pacífico e cheio do que chamamos “valores”. Mas, ainda na adolescência, perdi essa inocência. Entretanto, levado por algumas leituras que me fizeram acreditar na democracia, sonhei com a queda do regime e a possibilidade de serem todos os cidadãos do país a escolher o seu destino. 

E veio mais uma deceção: o regime caiu, instalou-se uma “dita democracia”, mas os portugueses foram entregando as escolhas do seu destino nas mãos de terceiros a quem ingenuamente se entregaram muitas vezes de olhos fechados, só por ser “o meu clube”, “o líder de quem mais gosto” e não “quem defende os meus interesses e os do meu país”. Daí que, já há muito me deixei de surpreender se um político, corrupto, condenado, incompetente e ruinoso na gestão da causa pública, é eleito ou reeleito, promovido ou até condecorado, como merecedor de continuar a ser escolhido para nele delegarem o poder de decidir o que é melhor para nós (e não para ele). Porque, o voto só é uma escolha e uma arma, se soubermos distinguir e saber, de forma consciente e informada, o que está em causa quando colocamos a cruz no boletim de voto. A “consciência cívica” que muitas vezes falta. Doutra forma, não passamos de “carneiros”, usados para validar interesses alheios.

É por isso que hoje, qualquer ato eleitoral neste nosso país me deixa muito cético, talvez por acompanhar o que se passa nalguns países, sobretudo na Suíça, muitas vezes apontada como modelo de transparência, estabilidade das instituições, segurança jurídica e participação popular nas decisões mais relevantes para a vida nacional.

Por cá, às vezes as coisas saem de onde menos se espera e acontece aquilo que o povo expressa tão bem como: “uma mata de onde não se espera que saia coelho”. Foi o que aconteceu com as eleições de um clube de futebol, esse mundo especial onde a democracia informada e transparência, dificilmente andam de mãos dadas: no Futebol Clube do Porto. Depois de uma polémica Assembleia Geral, em novembro, onde as coisas descambaram, o que muitos esperavam ver a seguir não aconteceu: problemas, desacatos, confusão, violência. Em vez da desordem e o caos, o clube e os sócios fizeram questão de fazer uma demonstração de organização, urbanidade, civismo, democracia e liberdade. Numa adesão sem precedentes a um ato eleitoral, o mais concorrido da história do clube, foi um bom exemplo do que deve ser um sufrágio, independentemente do vencedor. A campanha eleitoral, o interesse mediático em redor dela, o choque geracional de um candidato com passado desportivo e sem experiência no dirigismo, que ousou desafiar o dirigente mais titulado do mundo, prometia marcar um antes e um depois dessa data. Confesso que era minha convicção ser uma luta de David contra Golias e para Pinto da Costa, enquanto se candidatasse, “seriam favas contadas”. Mesmo que tivesse de ir em maca carregado às costas pelo bando que o rodeava, ganharia as eleições “com uma perna às costas”, porque os sócios colocariam sempre a gratidão por quem transformou um clube de tamanho regional numa potência do futebol europeu e mundial, acima dos reais interesses do clube. Mas enganei-me completamente. A vitória de André Vilas Boas foi uma enorme surpresa, não só pelo triunfo em si como pela dimensão dos números. 

No entanto, o que maior relevo merece neste ato eleitoral, foi a capacidade da grande maioria dos sócios (superior a 80%) ter sido capaz de escolher aquilo que estava em causa: o futuro do clube. E fizeram-no reconhecendo uma enorme gratidão a Pinto da Costa, mas que ela não poderia condicionar o futuro do F. C. do Porto e que esse futuro passava por Vilas Boas. E foi obra serem capazes de fazer essa escolha!

Esta lição de uma escolha consciente pode e deve servir para outras situações que não as do futebol a começar pela política e pelas nossas escolhas quando somos chamados a decidir quem queremos para nos governar nos mais diversos níveis. Devia servir para pensarmos que a salvação da nossa sociedade depende da proximidade, preocupação e interesse permanente dos cidadãos a tudo aquilo que é importante para o seu futuro, da tomada de consciência dos riscos de entregar o poder de os representar a quem não merece e, sobretudo, de insistir no erro de o continuar a fazer quando as provas foram um grande desastre. No caso das eleições para a presidência do F. C. do Porto estava em causa a sobrevivência de uma grande instituição popular. Era essa a realidade e os sócios perceberam como era imperiosa a mudança para salvar o que se afundava. E tudo correu na maior das tranquilidades como se tivesse sido uma coisa normal, que não foi.

Na política temos um caminho longo a percorrer para aprender a tal consciência cívica que nos permita separar “o trigo do joio”, os que fazem “serviço público” dos que “se servem do público” e reconhecer os políticos que deixam os cidadãos fora de decisões que determinam as suas vidas, desde o valor do dinheiro às guerras onde os envolvem. As eleições do Futebol Clube do Porto serviram de exemplo para a forma como a democracia deve ser exercida. E a vitória de Vilas Boas e a ação dos sócios, constituem lição para que os cidadãos repensem a “democracia” que lhes está a ser servida para, na realidade, servir os “Pintos da Costa” dos negócios. E para que os cidadãos tomem consciência que os seus votos não podem servir para legitimar o seu afastamento da política. Porque os seus votos, a sua abstenção ou a sua alienação, não podem servir para justificar a apropriação desses poderes por um grupo organizado …

 

O que faz correr o presidente?

Já estou a imaginar o cenário: um dia destes, o presidente Marcelo, depois de avisar a comunicação social para que as audiências sejam o mais alargadas possíveis, vais despir-se até ficar em cuecas no centro do Terreiro do Paço, em Lisboa, e armado com um chicote de cabedal, vai autoflagelar-se, deixando que a partir de certo momento sejam os representantes de cada uma das nossas antigas colónias a aplicar-lhe algumas centenas de chibatadas, como “compensação” pela sua parte na responsabilidade que ele diz que temos naquilo que os nossos antepassados fizeram de mal aos nativos de então. Não sei se essa sua vontade de que “Portugal tem de pagar pela escravatura em África” lhe venha de algum remorso pessoal por comportamentos menos adequados durante o tempo em que seu pai foi governador de Moçambique, se é a sua vontade de protagonismo ou se é mais uma “marcelice” como a que fez ao dono do Expresso e seu patrão quando escreveu um artigo no seu jornal a dizer “o Balsemão é lé-lé da cuca”. 

 Vale a pena ler o artigo que António Barreto escreveu no jornal Público sobre este tema das “reparações” e que desmonta todo o “excesso de zelo” de governantes e outros políticos quanto ao caso.

… “O que os portugueses de outros tempos fizeram e de que tanto se fala hoje inclui vários gêneros. Uns atos eram “o que se fazia”, muitos eram “as regras do jogo” ou até glórias, outros já eram crimes na altura. E também há obras que começaram por ser glórias e são hoje crimes. Com o tempo á fácil o bem transformar-se em mal e o mal no seu contrário. Confundir os géneros, tentar usar o mal e o bem dos outros, promover ou rebaixar hoje o que foi feito há séculos, disfarça, por regra, ambições contemporâneas, maus instintos morais e apetites políticos excessivos. Quem quer julgar hoje os reis e os escravos de há séculos, quer qualquer coisa. E não se trata apenas de bons sentimentos: quer poder, bens e poleiro.

Há décadas que, de vez em quando, a questão das culpas históricas e dos erros de outrora, assim como o perdão de hoje, estremece a crónica dos dias. Por vezes trata-se de uma espécie de candura, outras vezes, é uma nova forma de extração: as desculpas ajudam a obter um lugar na lista de compradores de minérios ou vendedores de armas. …

Finalmente, para todos, os que querem pedir perdão e desculpar, os que exigem recompensa e indemnização, os que recordam um passado de dor e os que evocam grandeza nacional, de todos temos esta espécie de busca desavergonhada de clientela política.

… Pedir perdão a quem? Aos africanos? Aos asiáticos? Aos índios? De quê? Porquê? Não conheço país que não tenha sido, pelo menos uma vez na história, conquistado ou conquistador, colónia ou metrópole. Como não conheço país, povo, Estado ou nação que não tenha escravizado, não tenha vivido com escravos ou não tenha vendido os seus. Não conheço povo, país, Estado ou tribo que não se tenha feito graças à luta, ao domínio, à servidão ou à conquista. Será que toda a gente tem de pedir perdão a toda a gente? Se os portugueses têm de pedir perdão aos africanos, aos mouros, aos árabes, aos índios, aos indianos e outros asiáticos, quem nos pede perdão a nós?

Pedir perdão a quem? Aos Estados? Às pessoas em abstrato? Às famílias descendentes de escravos? Como distinguir entre quem foi vendido, quem transportou e quem vendeu? Sabendo que muitos escravos foram vendidos por conterrâneos, vizinhos, comunidades rivais, nobres e ricos, notáveis africanos, asiáticos ou árabes, como distinguir entre aqueles a quem se pede perdão e os que devem ser condenados? Supondo que se sabe a quem pagar, Estado, empresa, Igreja, associação, tribo ou família, falta definir quem paga. O Estado? Os contribuintes? As empresas? Os milionários? …

Faz algum sentido exigir, da Grã-Bretanha ou da Universidade de Oxford, a devolução imediata da biblioteca do bispo de Silves, roubada por uns piratas e uns nobres ingleses no séc. XVI? Ou exigir a pronta devolução do “Cabinet de Lisbonne” composto por milhares de espécies, roubado por soldados e cientistas franceses no início do século XIX e atualmente no Museu de História Natural de Paris? Ou os muitos milhares de artefactos religiosos, sobretudo de ouro e prata, saqueados das igrejas portuguesas pelas tropas e levados para França? Se as autoridades portuguesas entendem tomar iniciativas relativamente aos países que os antigos, em seu tempo, pilharam, têm de começar já por nós e obter a devolução dos bens saqueados em Portugal.

Em vez de se indemnizar ou recompensar, não se sabe bem quem, nem quanto, o melhor que podemos fazer é receber bem os estrangeiros, os imigrantes em particular. O que é um valor em si, não uma compensação por malfeitorias passadas”.

Os defensores da cultura “woke” seguem a cartilha de começar por querer um pedido de desculpas, alterar a narrativa histórica, que sejam devolvidos objetos, derrubadas algumas estátuas e, finalmente, indemnizações a que chamam “reparações”. E o certo é que já temos políticos de joelhos em terra e mãos postas para pedir perdão como é o caso de Marcelo, Guterres e outros que dizem “servir o país”. Nem se lembram de perguntar quem vai “reparar” mais de um milhão de portugueses a quem puseram o rótulo de “retornados”, que tiveram de fugir “com uma mão à frente e outra atrás” para salvar a vida, espoliados de todo o património construído numa vida. Já para não falar na modernização, na educação de gentes e povos e em todas as infraestruturas e equipamentos públicos construídos, alguns deles que continuamos a pagar mesmo depois de já não serem nossos e que os países tomaram como seus.

Como diz António Barreto, “É verdade que podemos sentir emoção quando pensamos nos feitos dos portugueses ao longo de oito séculos. Mas os feitos são deles, não nossos. E os crimes deles a eles pertencem, não a nós. É mau princípio o de chorar culpas que não são nossas, ou devolver o que não roubamos. Não peço perdão a quem nunca fiz mal, nem pelo que não fiz. E não me gabo do bem que outros fizeram”. Por isso, o que faz correr Marcelo ao atirar a pedra, sabendo-se que não faz nada ao acaso e que “não dá ponto sem nó”?  

A nova “Protagonista” cá de casa …

Com a cadela deitada ao meu lado, estava sentado no sofá da sala e a ser massacrado pelas notícias deprimentes do telejornal. Noutro sofá à minha frente, com o olhar fixado na Becas e inspirada pela postura de tranquilidade dela, a minha mãe comentou: “O cão é o melhor amigo do homem, mas nem sempre o homem é o melhor amigo do cão. Há cães que têm sorte e são bem tratados pelo dono, mas há quem trate os cães a pontapé e, mesmo assim, os cães continuam a ser-lhe fiéis. Nunca vi um cão a morder o dono, mas já vi donos a fazer aos cães pior do que se os tivessem mordido”. Mais uma vez, em um momento de maior estabilidade emocional e lucidez, do alto dos seus 101 anos de idade completados há poucos dias, ela transmitiu-me alguma da sabedoria acumulada, conseguindo até surpreender-me. Se a “memória de curto prazo” a atraiçoa – diria que “o gravador deixou de gravar” – a memória do passado continua bem viva.

Ainda ontem, depois de alguém contar que uma determinada mulher nossa conhecida, apesar de casada há pouco tempo, deixara o marido, ela comentou: “Antes, havia mulheres que eram muito maltratadas pelos “homens” e nalguns casos levavam muita pancada. Mas aguentavam o “homem” porque “parecia mal sair de casa”. Agora está muito melhor pois quando não se dão bem, cada um segue o seu caminho. Mas hoje, muitas vezes também abusam e casam e descasam tão depressa que até parece que só o fazem pela festa, pelas prendas de casamento e para “fazer raiva às amigas”. E julgava eu que ela não era tão observadora …

Sem grande esforço de memória, relembra algumas das conversas com o sogro, o meu avô paterno, e dos seus relatos dramáticos sobre a sua participação na Primeira Guerra Mundial. Confirmou o que eu já sabia de que ele acabaria por morrer vítima dos “gases” a que tinha estado sujeito no campo de batalha, pois a partir de certa altura um dos grandes sofrimentos dos soldados nas trincheiras foi a guerra química, com o uso dos “gases” (cloro, fosgênio e mais tarde o “gás mostarda”), “gases” esses que provocavam vómitos, queimaduras e a morte. Como nota curiosa, disse-me que o meu avô, que mais tarde se dedicaria ao comércio, até na guerra fez negócios, pois comprava cigarros num determinado local e depois vendia-os aos camaradas de luta nas trincheiras.

Embora num ou outro momento de maior cansaço a memória a traia e lhe crie alguma confusão, em geral consegue recordar factos de há 90 anos e mais, com toda a clareza. Ao relembrar a infância contou que então, quase só os “fidalgos” sabiam ler e escrever. Por isso, o seu pai, como era filho de lavradores (caseiros), em situação normal não frequentaria a escola. No entanto, por ser “manquinho”, a mãe mandou-o para a escola da Vila, a única que havia, onde fez a quarta classe enquanto ia aprendendo a arte de “tamanqueiro”. Já as raparigas por norma não iam para a escola, pois “não precisavam de aprender a ler nem a escrever” (só se fosse para escrever cartas ao namoro?), porque estavam destinadas a ter filhos e fazer o serviço de casa. No entanto, a sua mãe, apesar de não saber ler nem escrever, achava que todos os seus filhos deveriam aprender, fossem rapazes ou raparigas, porque ao longo da vida poderia ser muito importante. E foi assim que, não havendo uma escola na freguesia de Pias onde moravam, andou com as irmãs a aprender a ler, escrever, bordar, fazer renda e outras artes na D. Virinha, uma senhora que morada na Vila, estudara no colégio de Bairros e, como o pai morrera de repente, teve de “fazer-se à vida” para se sustentar a si e à mãe, passando a tomar conta de crianças. Diz ela: “Agora que toda a gente pode estudar até onde quiser ir, há muitos que não aproveitam essa oportunidade que nós nunca tivemos”.                                                       No último mês temos passado bastante mais tempo juntos do que é habitual e dou comigo a observá-la de perto seja quando está de olhos fixos na televisão a ver o telejornal que não gosta de perder, seja a caminhar à minha frente – e temos andado uns bons bocados – seja a comer com apetite qualquer comida tradicional – e ninguém a convence a comer algo que nunca tenha comido. E admiro-me como é que mantém firmes as convicções, a disponibilidade para sair e ir a pé ou de carro e o gosto por tudo o que é doce porque “o doce nunca amargou”. Como a sua perda de audição está mais adiantada que a minha e já “encostou” os aparelhos auditivos há muito tempo, coisa que eu copiei, para me fazer ouvir melhor coloco-me de frente para os lábios ajudarem a entender o que digo. 

Devo confessar que tenho razões para estar preocupado, porque ela “retirou-me todo o protagonismo” que eu julgava ter. Eu que ia aqui ou ali e as pessoas me cumprimentavam e davam atenção, quando andamos juntos, esquecem-me, quase me ignoram e a atenção é toda voltada para ela: “Vejam lá como é que esta senhora com 101 anos anda tão direitinha”! “Posso tirar uma fotografia consigo”? “Vai ter de me dizer o que é que come para chegar a essa idade”. E quando ela responde que come muito carne de porco, às vezes vem a pergunta de espanto, como se fosse uma coisa de outro mundo: “Come carne de porco”? E repetem: “Carne de porco”? Muito simpaticamente, concentram nela as atenções fazendo muitas perguntas a que ela vai respondendo, quando não se refugia numa afirmação: “Já não vou há muito tempo ao médico, não me doi nada e não me queixo de nada”. Passou a ser a “protagonista cá de casa”!

Claro que não me preocupa a questão do protagonismo e atenção que lhe dedicam (merecidamente) e, pelo contrário, sinto muito orgulho em continuar a tê-la na minha vida. A grande preocupação que tenho neste momento é que, no seu entardecer, consiga cuidar dela como ela cuidou de mim …

O rio Sousa está à venda?

É verdade, pelo que vi com “estes olhos que a terra há-de comer”, o rio Sousa deve estar a ser vendido aos bocados, com água, peixes, amieiros e lixo. Como é que eu não soube? Logo eu, que até estou interessado num bocado. Já falei com um “amigo” para me arranjar o Amial, entre o açude de Moinhos e o “fojo do sr. Mário”. Mais para cima já não me interessa, nem me diz nada, porque são campos onde só lá ia para “arrear o calhau” no meio do milho… Ora, esse “amigo” está muito “bem colocado” e é homem para fazer uma boa negociata pela “porta do cavalo”. Como se sabe, é sempre mais rápido e barato…

Como é que o Estado pode vender um pedaço de rio? Ai isso não sei, nem me interessa. Quero é ser dono daquele trecho de rio e usufruir dele sozinho. Também tenho a minha vaidade e um prazer danado de provocar inveja a uns “armantes” que costumam picar-me com as suas compras faustosas. E não me admiro nada que o Estado venda, até porque está a vender tudo o que pode (e que dá dinheiro) para “abater ao prejuízo”, que é como quem diz, à dívida, esse monstro que não tem princípio, muito menos fim à vista, apesar do anterior governo dizer que a diminuiu, mas só foi manobra contabilística … 

Já há uns anitos que andava com esta ideia “ferrada” na cabeça, mas nunca me atrevi a falar a quem quer que fosse, pois tinha medo de ser gozado. “Comprar um pedaço de rio? Essa não lembra ao diabo” seria a resposta mais esperada. Mas ontem acabei por desabafar com o tal amigo e, quando esperava uma resposta do gênero, fui surpreendido com uma pergunta: “E em que parte do rio Sousa estás interessado”? “Estás a brincar”, perguntei eu? “Não, nada disso. Não és o primeiro e já há partes ocupadas”. “Não acredito”, disse eu. “Então vem comigo e verás”, retorquiu. E lá fui eu no seu “Jeep todo terreno”, qual S. Tomé à espera de “ver para crer”.

Começou por mostrar um troço de rio ocupado em S. Fins do Torno e depois desceu e parou junto de uma ponte, em Cernadelo, para ver mais uma zona totalmente vedada. “Como vês aqui, este novo “dono” já tomou posse, vedou e está a usufruir por completo do seu pedaço”.

A seguir levou-me à ponte da Amieira, entre Macieira e Vilar, onde vi o melhor com que podia sonhar: Uma quinta com terreno dos dois lados do rio, rodeada com muros e grandes portões de ferro, onde nem sequer os cães entram para mijar, muito menos o povo. Há um muro sobre o rio com gradeamento de proteção, uma área com total exclusividade, sem a intromissão dessa praga de “intrometidos” ditos pescadores, que só querem ir às uvas e aos melões. “E o que é aquilo ali, mesmo em cima do muro do rio”? – Ah, aquela construção junto ao rio? É uma vacaria para muito gado”, disse ele. E fiquei a ver uma enorme barreira de betão (talvez para os peixes praticarem o salto em altura), construída ao longo do rio sem qualquer afastamento deste e numa zona que, em termos de PDM, é “reserva ecológica” e o mesmo é dizer que é “proibido qualquer tipo de construção”. Como foi possível construir uma coisa assim e logo em cima do rio?

E continuou rio abaixo até parar em Pias, junto dos moinhos. Lá estava mais uma parcela de rio fechada de um dos lados, com acesso exclusivo ao dono do terreno. “Chega, não quero ver mais”, disse eu. “se calhar, daqui até à Foz, há bocados de rio que já desapareceram, vendidos aos bocados a turistas como recordação ou despachados lá para fora nesta febre de exportações” …

“Estás a ver como é possível ter um bocado do rio?” – “Desculpa-me mas, eles compraram-no” perguntei eu? “E que te interessa isso? Não vedaram o terreno e o acesso ao rio? Não são eles que estão na sua posse? Alguém entra lá? Que importa a escritura? Queres ou não queres um pedaço só para ti? Mas também te posso mostrar um outro que até foi coberto. Neste país, tudo é possível …”

Pensando bem, até aceito que o dono daquela quinta tenha vedado tudo e considere o rio seu porque, quando o rio passou … a terra já lá estava. Ora, se ele é dono da terra, é natural que também seja dono do rio que se meteu lá, com “tudo incluído” (como nas férias). Para não ser assim, o rio devia ter “andado” à volta da propriedade!

Até me deste uma ideia. Devo tomar posse de um bocado de estrada que passa entre dois terrenos meus? Se calhar devo fechá-la, não?” perguntei eu.

“Estás a ver? Já vi que percebeste como tudo isto funciona!!!”

Ora, a verdade é que eu não percebi nada. Ou pior: com muita tristeza apercebi-me de mais algumas coisas que não abonam nada a favor do estado de direito onde pensamos e até dizemos que vivemos. E que é uma miragem. Dizemos estar num estado de direito, mas cada um faz o que quer e lhe apetece, com total impunidade, sem que quem tem a obrigação de defender o que a todos pertence, o faça. Perante a lei, dizem-nos que “somos todos iguais”. Mas a realidade é que “somos todos iguais, mas há alguns que são mais iguais do que os outros”. 

É caso para perguntar, como é possível vedar-se o acesso a um curso de água natural quando a lei diz o contrário? Como é possível fazer-se um estábulo em cima da margem de um rio, em zona onde é proibido construir o que quer que seja? Quem licencia ou “fecha os olhos”? Sei que todos dizem: “Não é da nossa responsabilidade”. Mas então quem é responsável e finge que não o é? Por amor de Deus, há muros que parecem muralhas! E ninguém os vê? Quem os licenciou? Se não têm licença, quem os embarga? E os muros em cima do rio. Ninguém os impede? E os direitos de livre circulação junto ao rio que são devidos a todos nós enquanto cidadãos deste país? Quem os e nos defende?

Aquela muralha de betão em cima do rio é uma grande construção, o que se diz ser uma “VACARIA”, provavelmente com um acordo: Os peixes podem “mamar” nas vacas à vontade, enquanto elas se estão, literalmente, “a cagar” para os peixes, direta e livremente no rio, tendo eles de aguentar a poluição e o mau cheiro, senão a morte. E é assim que morrem os rios, património indispensável à nossa vida e sobrevivência. O que se segue?

Não, apesar de ter boas recordações do Amial, não estou interessado em comprar aquele bocado de rio, porque é pertença de todos nós. E como o rio Sousa me diz muito, tenho o direito à indignação e o dever de clamar contra estas violações da lei, estes atropelos aos direitos de todos, deixando um alerta que importa ter em conta: Se as entidades e autoridades que têm a responsabilidade e obrigação de zelar pelo cumprimento da lei se demitem dos seus deveres (e não me importa porquê), apesar de sustentadas pelo nosso dinheiro, cabe-nos a nós mover uma ação popular a quem de direito para defender o que a todos pertence. Ou amanhã não teremos moral para nos queixarmos de que alguém se veio a apoderar indevidamente do ar que pertence a todos nós e que nos obrigue a pagar se quisermos respirar, o que até já nem parece ser uma “miragem” …

Investir, com o dinheiro dos outros …

O gostar e ter algum jeito para as cadeiras de desenho e topografia serviu não só para me facilitar a tarefa de concluir o meu curso, como para ganhar alguma “massa” com os colegas mais endinheirados e de mesada mais “abonada”, melhorando a minha que, por sinal, era bem pequena. Foi essa a razão por que fiz os trabalhos práticos das duas cadeiras a mais de meia turma… Talvez por essa “prática” excessiva me ter proporcionado algum traquejo no desenho de construção civil e sem nunca ter percebido bem como é que isso transpirou para o conhecimento de alguns conterrâneos, acabei por ser solicitado por alguns deles para lhes fazer os projetos de construção que a Câmara Municipal passara a exigir no licenciamento das obras de construção, embora os processos fossem muitíssimo simples se comparados com tudo o que hoje se exige. Foi assim que dei comigo a desenhar casas em papel vegetal, a lápis e com régua e esquadro, depois passadas a tinta nanquim com um estojo de desenho manual, a troco de nada, pois fiz questão de fazer disso um serviço à comunidade rural em que estava inserido. 

Desse tempo tenho gratas recordações de muito boa gente sobretudo pela sua simplicidade e humildade. A maioria não tinha meios para construir a casa, sendo que às vezes um ou outro conseguia amealhar algum para fazer o rés do chão onde se abrigavam e o resto logo se veria. Muitos iam levantando a casa no sistema de autoconstrução, quase sempre ao fim de semana com a ajuda de familiares e amigos, alguns deles em troca de favores: “Hoje ajudo-te a ti e amanhã serás tu a ajudar-me a mim”. E, nesse sistema, só era preciso ter dinheiro para os materiais porque a mão de obra era “da casa”. O contributo que dei a uns quantos foi o projeto para “meter na Câmara”. 

Mas a memória e respeito que tenho dessa gente que se sacrificou imenso para ter uma casa, por mais humilde que fosse, perdura intacta e viva, embora muitos dos seus descendentes, que deviam ser os primeiros a sentir orgulho neles, ignoram, desvalorizam, quando não menosprezam o resultado do seu sacrifício.

Uma das recordações mais interessantes que guardei como uma lição de vida diz respeito a um homem de Caíde que um dia, sem eu saber como, apareceu em casa dos meus pais à minha procura. De aspeto muito humilde, pediu-me “se lhe podia fazer o projeto de uma casa de habitação”. E, ao contrário do habitual, ele sabia o que queria e até já adiantara serviço: “Quero uma casa de dez metros por oito e já tenho contrato com um pedreiro lá da terra para a fazer por oito contos” – nessa altura o pedreiro era o construtor civil e bastava dizer-lhe quais as dimensões pretendidas para a casa e nada mais. Não havia caderno de encargos nem escolha de materiais pois eram sempre os mesmos: Paredes em granito, pavimento do rés do chão em terra, para loja, andar com soalho de pinho sobre armação de eucalipto, divisórias em tabique e cobertura em telha Marselha sobre armação de eucalipto. Não havia casa de banho. Como aquele valor nessa época já não era para qualquer um, perguntei-lhe: “E você tem os oito contos para fazer a casa”? Ele respondeu logo: “Não, só tenho três contos, mas tenho uma vizinha que me empresta os outros cinco”. Fiz o desenho de graça como era habitual e entreguei-lho uma semana depois. Só o voltei a ver passados três ou quatro anos quando me apareceu novamente à porta. E, para minha surpresa, voltou a pedir-me para lhe fazer outro projeto de uma habitação. Dessa vez teria duas diferenças: o tamanho e o preço acordado com o pedreiro. “Quero que me faça o projeto de uma casa com doze metros por dez pois já a contratei com o pedreiro por doze contos”. Na minha cabeça os doze contos eram uma pequena fortuna e estranhei que aquela pessoa, aparentemente humilde, que já investira oito contos há três ou quatro anos numa casa, pudesse aventurar-se a construir outra e logo com um orçamento mais alto. E repeti a pergunta que lhe fizera quando ele me apareceu pela primeiro vez: “E o senhor tem os doze contos?” “Quem me dera. Não, não tenho. Só tenho quatro contos, mas a minha vizinha vai-me emprestar oito”, respondeu ele com um breve sorriso. 

Fiquei intrigado e não resisti: “A sua vizinha deve ser muito rica para lhe emprestar a maior parte do dinheiro que precisa para fazer as suas casas!!!…” Mas ele, sorrindo novamente, concluiu: “Não, não é. Tem algum e anda a ver se consegue juntar o suficiente para construir uma casa, porque só avança para a construção quando tiver o dinheiro todo. Assim, enquanto isso não acontecer, eu vou trabalhando e fazendo as minhas casas com o dinheiro dela”. Mas eu ainda não estava satisfeito e quis saber como é que ele ia amealhando dinheiro para pagar os juros e ainda amortizar a dívida à vizinha até à sua liquidação. Ele encostou-se à parede e falou num tom solene: “Quando juntei um bocadinho de dinheiro, decidi construir a minha casa de habitação. Como sabe, não tinha o suficiente, mas a minha vizinha emprestou-me cinco contos e eu comprometi-me comigo mesmo de que tinha de fazer tudo o que fosse preciso para cumprir com ela. Por isso, envolvi a família nesse objetivo e cortamos com todos os consumos desnecessários, poupando em tudo o que era possível. Nunca falhei com um único pagamento e saldei a dívida ainda antes do prazo previsto. Percebi que, quando temos dinheiro disponível, tendemos a gastar mais do que o necessário, a comprar o que não precisamos e até a desperdiçar. E, enquanto ela espera juntar dinheiro suficiente para pagar a casa, eu construí a minha e vou fazer outra, usando as suas economias. Parece absurdo, mas é a realidade. Só implica sacrifício e responsabilidade. Porém, é coisa que nem toda a gente está disposta a fazer” …  

Literalmente, foi uma viagem de …

Diz um proverbio árabe que “quem vive, vê muito, mas quem viaja, vê mais”. É que o mundo é um livro e aquele que não viaja lê sempre a mesma página. Dou graças a Deus por me ter dado a possibilidade de viajar bastante, de conhecer muitas outras gentes, culturas diferentes e correr o mundo, em trabalho, lazer, estudo e até em serviço militar. E aproveitei a maior parte das oportunidades que tive. Fiz viagens quase sempre acompanhado e aquelas de que guardo as recordações maiores são as que fiz em família, sem roteiro de viagem, um pouco ao ritmo dos dias e da disposição do momento, sem ter a pressão do cumprimento de horários, de seguir aquele trajeto custe o custar ou de ter de chegar onde quer que seja. Nas viagens programadas não há surpresas, somos meros peões ao ritmo do relógio, onde parece que tudo é mecanizado, sem desvios, sem novidades, como carneiros a seguir o pastor.

Viajar é partir à descoberta de novas paisagens, novos costumes, novas gentes, novas culturas e até a oportunidade para descobrir que muitas vezes estamos errados naquilo que pensamos sobre outros países e outros povos. A realidade é o que é e não a que imaginamos. Para além disso, viajar é colecionar histórias, sorrisos, fotografias e carimbos. Antigamente, os viajantes exibiam com alguma vaidade os autocolantes colados nas malas de viagem. Hoje, sãos os carimbos nos passaportes. 

Houve viagens em que me assombrei com cada quilómetro que viajei, com cada refeição que comi, com cada pessoa que conheci e cada local que visitei e, embora pareça um lugar-comum, houve momentos em que a realidade ultrapassou a minha imaginação. Mas lembramos quase sempre os momentos insólitos como o atravessar num Land Rover uma ponte em Angola feita com troncos de árvores soltos e ao chegar à outra margem ver a ponte ruir atrás de nós. Ou ter de viajar no cockpit do avião a caminho da Madeira ao lado e por convite do comandante, por ser o último passageiro a entrar no avião e não ter lugar. Ou numa caçada em África ver uma palanca atingida a tiro desferir um coice nos dentes do caçador como que por vingança quando ele se colocou por trás. Ou pior, ficar enterrado na lama e paralisado de medo ao ver uma manada de elefantes correr na nossa direção e desviar-se a tempo por um tiro disparado ao acaso. Estes e outros momentos, mais do que as paisagens, ficaram gravados na minha memória tanto mais quanto mais original foi o insólito.

Por diversas razões, nos últimos anos quase não tenho viajado apesar do prazer que isso normalmente me dá e só recentemente aceitei o empurrão que os meus filhos me deram para os acompanhar numa viagem ao Médio Oriente, num misto de lazer e trabalho. E, quando me perguntam como correu, normalmente confesso a verdade: Foi, literalmente, uma viagem de … trampa (para não dizer aquele palavrão). E explico porquê: Voamos do Porto para Lisboa e, ainda não tinha aterrado, senti umas cólicas ligeiras. Já no aeroporto, fui à casa de banho e confrontei-me com um certo incómodo: Diarreia. Pouco depois voamos para o Dubai, sem problemas, mas mal aterramos, não perdi tempo e corri para a primeira casa de banho que encontrei. A diarreia vinha acompanhada de cólicas. Apanhamos o táxi para o hotel e, enquanto o meu filho fazia o check in, eu voltei a procurar a sanita mais próxima para não chegar atrasdo. As cólicas e a diarreia eram piores. Permaneci no Dubai durante quatro dias e, apesar de tomar medicamentos como o “imodium” e “ultralevur”, só retardavam um pouco a chegada das cólicas e a visita à casa de banho mais próxima. Fosse para onde fosse, tinha de “estudar o terreno” e estar de olho na “saída de emergência” mais à mão. Tivemos no hall de entrada do hotel e por precaução, mal pressentia o princípio de uma cólica, caminhava para o elevador e subia ao quarto “em passo travado” e de nádegas apertadas, para evitar que a coisa rebentasse antes de descer as calças e sentar-me na sanita. Mas, apesar do “passo travado” e “apertos”, por duas vezes não consegui chegar a tempo de fazer a descarga onde deveria ser feita. Mas é a vida e foi mais um insólito para recordar nas memórias de viagens. Porém tenho de reconhecer que durante os 4 dias que passei no Dubai, conheci muitas, mas mesmo muitas e tão variadas … sanitas. Só não tive oportunidade, tempo, nem disposição para apreciar o design de cada modelo e a sua eficiência. No final do quarto dia voei para Mascat, capital de Omã e no dia seguinte obrigaram-me a ir ao Hospital Internacional de Omã, curiosamente gerido por uma empresa portuguesa de Coimbra, onde me puseram a antibiótico e soro, por desidratação, tendo por lá ficado durante dois dias. Foi ou não foi, literalmente, uma viagem de … ? 

Sejamos francos, viajar é ter histórias para contar e não coisas para mostrar, histórias de deslumbramento ou calças na mão, vivências marcantes, natureza selvagem, virgem e paisagens deslumbrantes. O gostoso não é a chegada ao destino, mas a viagem e os momentos desde a partida à chegada. E nada há como viajar para desenvolver a inteligência, evoluir, aprender e viver.  

O Dalai Lama diz-nos: “Uma vez por ano, vá a um lugar onde você nunca esteve antes”. Porque ver o mundo, é mais fantástico do que qualquer sonho. E está provado que viajar não é uma despesa, mas sim um investimento, porque é a única coisa que nós compramos e nos torna mais ricos. Muitas vezes deixa-nos sem palavras, mas é isso que nos torna contadores de histórias, ainda que sejam de calças na mão e “padaria” colada na sanita, como esta que foi, literalmente, uma viagem de …

Somos uma cambada de invejosos?

Numa mesa cheia de mulheres a conversa era animada e cada uma contava pormenores da sua vida, num ambiente alegre e divertido. Às tantas uma delas confessou estar muito feliz porque o marido a havia surpreendido ao comprar-lhe um BMW desportivo e estava à espera que lho entregassem. Mas eis que, do nada, surge uma das “amigas de longa data”, alguém com a capacidade de deitar tudo a perder para lhe roubar aquele momento de alegria, dizendo: “Não me parece que devas estar muito feliz pois essa marca desvaloriza muito. Até dizem que os donos desses carros têm duas alegrias: Quando o compram e quando o vendem”! E de onde pensava haver alguém que lhe queria bem, veio a surpresa na forma de um comentário maldoso ou um aparente conselho contaminado de amargura e inveja.

As pessoas normalmente orgulham-se dos seus pecados capitais. Orgulham-se da gula, como se comer demais fosse uma qualidade. Gabam-se da luxúria e dos seus desempenhos sexuais. Da ira e até da avareza, dizendo que são “contidas”. Abusam da preguiça e fazem da soberba uma qualidade. Mas da inveja … não. Porque é um sinal de fraqueza e impotência o desejar algo que o outro tem. É um pecado envergonhado porque têm de reconhecer que o outro é mais ou tem mais que elas. Por isso, é o único pecado de que ninguém se orgulha nem sai por aí a dizer “eu sou invejoso”. Como define S. Tomás de Aquino, “a inveja é a tristeza pela felicidade dos outros, a exultação pela sua adversidade e a aflição pela sua prosperidade. É uma vontade de que o outro não seja feliz”. Ora, como somos animais que vivem em bandos e cada vez há mais pessoas com muito dinheiro, um corpo mais bonito, têm mais sucesso e são (ou parecem) mais felizes do que nós, precisamos de ser bem resolvidos para não ceder a essa tentação de ter inveja. Mas, como quase ninguém é bem resolvido, a começar cá por mim, acabamos por viver num mar de inveja, ou seja, somos uma cambada de invejosos. Mas a gente disfarça bem para não ficar mal visto …

“Morreu a minha mãe”, estou com cancro”, “ardeu a minha casa” ou “tive um acidente”, são situações que despertam solidariedade. Mas experimente dizer no trabalho ou à família “tenho uma vida ótima”, “comprei um carro espetacular” ou “passei as férias num hotel de 7 estrelas”. Os rostos vão-se virar porque o sucesso incomoda. Pelo contrário, o fracasso alegra-nos”. Quando um rico ou famoso cai em desgraça ou é preso, há uma onda de júbilo nas redes sociais. A inveja é universal porque ela é uma maneira de dizer que o problema é o outro porque tem mais do que eu e não admitir que fui eu que não tive competência para conquistar mais coisas. Que há gente que trabalha menos que eu e é feliz. Que há pessoas que comem de tudo e não engordam. Que há gente que sabe muito com pouco esforço. Que tem dons naturais e um corpo ótimo sem grande trabalho. Quem não fica doido de inveja desta gente?

Óscar Wilde dizia: “Qualquer um pode simpatizar com os sofrimentos de um amigo, mas é preciso que de facto se tenha muito boa índole para se simpatizar com o sucesso de um amigo”. Conta-se que uma serpente perseguia um pirilampo e, quando estava quase a comê-lo, o pirilampo disse: “Posso fazer uma pergunta”? A serpente respondeu: “Por seres tu, podes fazer”. Ele questionou: “Fiz-te alguma coisa para me comeres”? “Não”, respondeu a serpente. “Pertenço aos animais que costumas comer?”, perguntou ele outra vez. “Não”, repetiu a serpente. “Então porque é que me queres comer?” quis saber o pirilampo. “Porque não suporto ver-te brilhar”, retorquiu a serpente.

Ao que parece, também nós não gostamos de gente que brilhe à nossa volta e nos ofusque. Recordo as palavras de um homem simples do campo, agricultor de profissão. Depois de lhe ter demonstrado que, fazendo a correção da acidez do solo e aplicando uma adubação conveniente aumentara de forma significativa a produção de milho, quando lhe perguntei se no ano seguinte repetia a receita executada na experiência, ele respondeu-me: “Não, porque eu só quero que o milho do meu vizinho seja pior do que o meu”! E fiquei sem palavras nem argumentos. Quando não importa que eu ganhe muito ou pouco, mas o que interessa é só que eu ganhe mais do que aqueles que me cercam, a cegueira da inveja ultrapassa o bom senso. 

A inveja em Portugal é mais do que um sentimento: É um sistema. Os homens querem ter sempre uma casa maior, um carro mais caro, a conta mais recheada do que o vizinho do lado ou o familiar direto, ainda que para isso se endividem até ao pescoço. Em suma, é uma questão de “tamanho da gaita”. Já as mulheres querem a joia mais cara, o vestido mais raro, os sapatos exclusivos ou a prenda de aniversário mais extraordinária para a exibir (e provocar inveja) às maiores “amigas”. Ou seja, é uma questão de mais “brilho”. E a inveja não é apenas individual. Criam-se grupos de inveja e um ambiente de inveja. Isto é, quando não somos bons, também não gostamos (nem deixamos) que os outros o sejam. Acabamos todos por “dar mais importância à língua da vizinha do que à vontade secreta da nossa alma”. 

A história da inveja é antiga e já Camões rematou os Lusíadas tendo como última palavra: “inveja”. Ela é um tipo de cegueira e de dor pelo sucesso alheio, pelo que o invejoso sofre quando o colega ou amigo teve êxito e tudo fará e tentará, de forma velada ou mascarada, para denegrir ou estragar o seu sucesso e imagem. E isso revela uma verdade inconveniente: continuamos a fazer parte de uma sociedade na qual se tenta condenar ou minorar o talento e sucesso dos outros. Como diz o ditado, “a inveja é como o sapo: tem olhos grandes, mas está sempre na lama”.

Por tudo isto, alguém aconselha a termos muito cuidado ao escolher as pessoas para quem revelar os nossos sonhos e projetos. Não que a inveja por si só os invialize, mas pode influenciar negativamente. E por isso, a recomendação é de falar só com as pessoas mais íntimas ou até mesmo para ninguém se quiser estar mais seguro. E “o seguro morreu de velho” …

Descobrimentos, essa saga fabulosa …

Por tudo aquilo que tenho lido, visto e ouvido nos últimos tempos, não somos mesmo dignos nem sequer merecedores de uma legião de homens (e mulheres) que nos precederam e realizaram a fabulosa saga dos Descobrimentos. Quanto mais conheço os seus feitos e a sua tenacidade, mais assombrado fico, por um lado, pela dimensão global e mundial da epopeia que abriu portas à primeira globalização e, por outro, pela nossa ignorância, falta de orgulho, esquecimento e querer apagar ou reescrever a história e nos tivéssemos até de envergonhar pelo que alcançaram. Como é possível?

Os Descobrimentos, goste-se ou não, foi um dos períodos mais ricos da História de Portugal, com feitos gloriosos de que nos deveríamos sentir muitíssimo honrados, embora os maldizentes cá da praça queiram reduzir os Descobrimentos à escravatura e fazer tábua rasa de tudo o resto. E é absurdo querer julgar o Passado de há 500 anos ou de outra ápoca qualquer à luz das nossas conceções morais e políticas do século em que vivemos. Mas, infelizmente, muitos governantes e outros políticos, para não perderem votos ou “não fazer ondas”, deixam-se manipular e dão ouvidos a certas ideias aberrantes de grupos pequenos das redes sociais, a maioria assentes em modas ou na ideia do “politicamente correto”, levando à sua implementação. E quem, senão governos fracos, tem alinhado na desvalorização e, pior, quase condenação, dos Descobrimentos? São os novos “moralizadores”, os vigilantes da nova censura da sociedade, que querem transformar heróis em bandidos, armadas em gangues, guerreiros em criminosos. E não é que lhe vão dando ouvidos e vão fazendo o que tais minorias querem? O mais perigoso ainda é a vontade de reescrever a História, destruir e apagar a memória do passado. Dizia Deana Barroqueiro que “é o maior absurdo e o maior desastre para a civilização, porque sem o conhecimento do nosso Passado coletivo, do bom e do mau que se fez ao longo de milénios, teremos um presente sem memória” …

Tive a oportunidade de visitar Mascate, a capital do Sultanato de Omã à entrada do Golfo de Omã, onde os portugueses se implantaram e dominaram durante mais de cem anos e fiquei impressionado com as estruturas defensivas do porto construídas há mais de 400 anos e que ainda hoje permanecem de pé, bem conservadas e aproveitadas pelos governantes do Sultanato, constando de 2 fortalezas, uma cerca abaluartada, fortins e pequenas torres de vigia espalhadas nos picos dos montes mais altos ao redor do porto. Era assim que no século XVI um vasto conjunto de muralhas e baluartes adaptados àquele terreno montanhoso, defendia a povoação e o seu porto. Lá, a milhares de quilómetros da sua terra natal, como em muitos outros pontos do mundo, essas gerações de verdadeiros heróis levaram a cabo imensas construções fabulosas que ficaram ali para perpetuar a memória dos seus construtores, tantos portugueses e heróis anónimos que ali são lembrados, mas esquecidos e ignorados na sua terra. 

Joias como a Cidade Velha de Santiago, em Cabo Verde, A Fortaleza de Diu, na India, a Fortaleza de Mazagão, em Marrocos, A Igreja do Bom Jesus, na India, a Igreja e Convento de S. Francisco, no Brasil, a Igreja de S. Paulo, em Macau (China) e a Catedral de Goa, na India, são algumas das numerosíssimas obras espalhadas pelos quatro cantos do mundo. Só Fortalezas são 800, mas há todo o tipo de construções a marcar o rasto dos nossos antepassados. É que a alma desses portugueses foi tão grande, que não coube na Europa e transbordou e abraçou todo o planeta, muito para além das ex-colónias, tendo chegado a lugares lá bem distantes como a Tanzânia, Irão, Bahrain, Malásia, Quénia, India, Uruguai, Gana, China e muitos, muitos outros. 

Seremos capazes de imaginar esses portugueses na sua maioria gente anónima e pobre à procura de um futuro melhor, a lançar-se numa aventura por mares desconhecidos que julgavam cheios de monstros e precipícios capazes de engolir barcos ou de sereias que os levariam à loucura ou morte? Das semanas a fio de falta de vento que fizesse avançar as caravelas e as imobilizasse enquanto apodreciam a água e os mantimentos? Das doenças para as quais não havia remédios e dos naufrágios em que os sobreviventes eram lançados nas praias de terras desconhecidas para morrer de fome ou às mãos dos indígenas?

Os Descobrimentos levaram o conhecimento do Ocidente ao Oriente e vice-versa provocando uma espantosa revolução, progresso e transformação do mundo. Nesse tempo, Portugal estava à frente de todas as nações europeias, com conhecimentos não teóricos, mas de experiências feitos. Tínhamos os melhores cientistas – geógrafos, astrónomos, cartógrafos, biólogos, físicos (médicos), boticários (farmacêuticos), engenheiros, inventores, construtores de navios e historiadores entre outros. Desfizeram-se mitos, superstições e ignorância com base nas provas dadas pela descoberta de terras e povos desconhecidos. Pela nova configuração dos continentes, os nossos navegadores desenharam, milha a milha, as cartas de marear, que espiões estrangeiros procuravam conseguir a todos o custo.

Com os Descobrimentos levados a bom porto por milhares de cidadãos anónimos, Portugal elevou-se ao topo da Europa. Pelo contrário e numa linguagem náutica, hoje “estamos a muitas milhas” dos outros países europeus e não há “bússola” que guie e trace a “rota” para “uma via” de recuperação, crescimento e riqueza. Por isso, vale a pena pensar realmente em que heróis nos podemos rever e orgulhar, sem medo, sem fantasmas, receio da má-língua ou do “politicamente correto” …

Vender um mono como artigo de luxo …

Há dias em que agarramos no comando da televisão e, por mais que mudemos de canal, nada acontece, não aparece um programa de jeito ou melhor, jeitoso. E, carregando no botão e passando de canal em canal, sem saber como nem porquê, fui cair num debate com todos os líderes dos partidos concorrentes às eleições do dia 10, com assento na Assembleia da República. E pensei cá para comigo: “Já agora, pode ser que fiques esclarecido e até aprendas alguma coisa”. Recostei-me no sofá com a cadela ao meu lado para o caso de me quererem atacar e pus o som mais alto para não perder pitada do que aqueles futuros responsáveis pelo meu futuro tinham para me dizer ou “vender”.   

Como sou muito crédulo, ainda pensei que iria assistir a um debate insosso e sem graça, com cada um dos candidatos a explicar as suas propostas e do seu partido para resolver os problemas da saúde e do SNS, que solução traziam no bolso para arranjar algumas centenas de milhares de habitações de um dia para o outro, a preços baixos e nas grandes cidades, que ideia luminosa tinham nas suas cabecinhas para que houvesse justiça igual para todos, qual a magia que traziam no bolso para elevar o padrão de qualidade do nosso ensino, o que iam fazer para calar os polícias, guardas prisionais, professores, forças armadas, bombeiros, médicos, enfermeiros, técnicos de exames de diagnóstico e mais não sei quantos profissionais que têm passado os últimos tempos a pregar no deserto, enquanto nos deixam à porta dos hospitais, escolas, tribunais e de tantas outras instituições do estado. Mas eu estava muito enganado porque a conversa não me deixou dormir. O debate animou até porque a cada pergunta vinha uma resposta que não era uma resposta, mas sim uma coisa que se queria dizer sobre aquilo que o outro disse, fez ou não fez. Melhor ainda, para animar o debate, interrompiam-se uns aos outros e esse excelente apresentador que é o Carlos Daniel viu-se e desejou-se para meter na ordem aquele “bando de crianças malcomportadas” que, na escola, levariam dois açoites (antigamente, pois agora é a professora que leva). Até admito que um ou dois dos intervenientes eram mais “certinhos” e conseguiram, numa ou outra ocasião, dizer aquilo que se propunham fazer numa ou duas matérias, se bem que nos fica a dúvida se não passava de “olha para o que eu digo pois não é o que eu faço”.

O primeiro e único protagonista foi o ativista da Climáximo quando entrou pelo palco dentro a pregar a sua mensagem e interrompeu o debate por breves instantes. Mas, coitado do rapaz, ninguém lhe deu grande importância, talvez à espera de que algum outro protagonista sobressaísse naquela noite, o que não veio a acontecer para minha grande desilusão. E eu nem sabia que estava iludido … 

Com aqueles “piropos” que os “jogadores” trocavam entre si, o tempo de jogo útil foi pouco e acho que o Carlos Daniel, como “árbitro” desse jogo, devia ter dado mais algum tempo suplementar para compensar, pois assim “foram beneficiados os infratores”. Mas, pensando bem, seria prolongar um “jogo” em que os protagonistas se estavam a “arrastar” sem “dar uma para a caixa”. Assim, o “árbitro” decidiu bem em acabar com o sofrimento do nosso “castigo” …

Tal como algumas anedotas ligeiras, os debates são mais ou menos previsíveis e não alteram significativamente nem os argumentos dos protagonistas, nem a nossa visão sobre a realidade, mas, ao contrário das anedotas, estes debates não nos fazem sorrir e até nos deixam maldispostos. É certo que a população está cansada de promessas falsas, de palavras vazias e de ser enganada. Prometeram-lhe um médico de família para todos os portugueses e aumentou o número de pessoas sem médico. Prometeram melhorar os salários e saiu-lhes uma inflação alta. Prometeram-lhes um ensino de qualidade e é o que é. Prometeram-lhes recuperar as listas de espera para cirurgias e o raio das listas não param de crescer. Aqui, acho que o problema é dos portugueses estarem a adoecer mais e por isso a culpa é deles. E até nos prometeram que o Infarmed vinha para o Porto como bandeira da descentralização e o Porto vê o Infarmed por um canudo.

As eleições trazem esperança, mas não tarda a frustração. O eleitor está cada vez mais farto dos políticos, consolidando a ideia de que os políticos são todos iguais, pois prometem e não cumprem. Na eleição seguinte, aparecem novamente feitos anjos como se tivessem sido lavados por dentro e por fora e que é desta vez que vão fazer “o que ainda não foi feito” (por eles). E isso faz-me lembrar uma frase que alguns atribuem a Einstein: “Insanidade é continuar a fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.

Com a pandemia, diz-se que “o que é ruim ficou pior”. Não sei se esse slogan se refere ao estado do país, à vida dos portugueses ou aos candidatos requentados, mas o povo lá tem as suas razões. Deveria haver uma lei a obrigar os políticos a cumprir o que prometem ou então seriam “irradiados” como jogadores indisciplinados, que não cumprem as regras. Assim, não voltariam a tentar enganar e serviam de exemplo. 

Mas parece que a coisa funciona ao contrário e os que mais prometem (e que não cumprem) são precisamente os que mais “vendem”, o que não é de admirar neste tempo em que o marketing e a publicidade conseguem “vender qualquer mono como artigo de luxo”. E o curioso é que há sempre quem compre … 

A defesa do meio ambiente começa em cada um de nós …

A pomba-migratória, no seu auge, foi possivelmente a ave mais abundante do planeta. Os seus bandos escureciam os céus durante as migrações. Há relatos de um bando tão grande, que demorou três dias a passar sobre Louisville (Estados Unidos), voando a cerca de 60 quilómetros por hora. Outro bando avistado sobre Ontário (Canadá), tinha uma extensão de cerca de 500 quilómetros. Apesar de tudo isso, a pomba-migratória foi extinta pela caça descontrolada e pela perda e degradação do seu habitat. O último bando, com cerca de 250 mil aves, foi exterminado num único dia de caçada em 1896, tendo o último exemplar morrido num zoológico em 1914. Todos julgavam impossível o desaparecimento desta enorme população existente até então, tendo-se tornado num exemplo muito negativo da influência destrutiva do homem sobre o meio ambiente. Para recordação, existe uma pomba-migratória no Museu Real de Ontário …, empalhada!

Este caso, só por si terrivelmente dramático, é uma gota no oceano de tudo o que o ser humano tem feito de mau à “casa onde habita”, isto é, ao planeta Terra. À nossa casa. 

Estamos (quase) todos de acordo em como o homem (e mulher) tem o dever solene de proteger o meio ambiente para as futuras gerações e a responsabilidade de salvaguardar a herança da vida selvagem através de políticas públicas adequadas. Os recursos naturais são um património coletivo e aqueles que não são renováveis, devem ser tratados por forma a preservá-los para as gerações vindouras. Mas não estão a ser.

Além dos desafios ambientais bem conhecidos como a poluição, o uso intensivo de produtos tóxicos na agricultura, a destruição das florestas, a caça e pescas excessivas e o comércio ilegal de espécies selvagens, as preocupações centram-se ainda na urbanização sem controle, a manipulação genética, falta de água potável, aquecimento global, o impacto das guerras e de muitos outros. Os estragos feitos no último século são imensos, muitos deles tidos por irreversíveis, apesar dos avisos constantes de cientistas e organizações diversas. Estamos num momento crítico na história da Terra e a humanidade tem de escolher o seu futuro, em conjunto, porque é comum a todos. Os políticos prometem salvar o meio ambiente, mas a economia faz com que depressa se esqueçam das promessas e “quem vier a seguir que feche a porta”. E lá vai o meio ambiente “pró galheiro”. Porque há coisas que em política não dão votos. As organizações ambientalistas fazem o que podem com os recursos limitados que têm, pois lutam contra grandes poluidores, quase sempre indivíduos com interesses empresariais e políticos e com grande poder económico, que usam para impedir a implementação das mudanças socioambientais  defendidas pelos ambientalistas tais como os direitos dos animais, preservação dos recursos naturais, consumo consciente, luta contra as mudanças climáticas, fim dos combustíveis fósseis, poluição da água e do solo. Sobra a luta entusiástica dos jovens, quase sempre estudantes, quase sempre inconsequente, até porque a maioria apregoa o que não pratica e faz da velha máxima a sua luta: “Olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço” como: “Abaixo a exploração do lítio”, mas usam o smartphone com bateria de lítio cuja origem já não os preocupa; “luta pela defesa dos recursos hídricos de água potável”, mas praticam o desperdício de água no dia a dia como se não houvesse amanhã, seja a lavar as mãos, tomar banho ou dar banho ao carro; “luta pela defesa dos recursos naturais”, mas são os primeiros a comprar, comprar e a tornarem-se consumistas desses mesmos recursos; “fim dos combustíveis fosseis”, mas consomem-nos sem conta, peso nem medida; “poupança de energia”, mas são quase sempre os maiores consumidores lá de casa. 

Pessoalmente, não acredito que a defesa do meio ambiente seja bem-sucedida, porque (quase) todos nós somos egoístas ao pensar que quem se deve privar de consumir, gastar, desmatar, poluir, caçar e tudo mais, são os outros. Porque o nosso contributo não é importante e por isso não conta. Nós podemos fazer tudo e mais alguma coisa, só os outros, a começar pelos que “estão lá em cima”, é que têm de fazer tudo o que for preciso para travar a destruição do planeta. E com esta mentalidade, não vamos lá, a não ser à força de chicote. 

Seremos capazes de produzir só os bens, tecnologias e serviços que sejam realmente necessários e sem que o lucro seja o objetivo e com o uso mínimo de recursos naturais? De fazer a reciclagem, se já nem aproveitamos a sério, roupas, calçado e outros artigos usados? A causa ambiental tem que ser uma luta de todos e não resulta delegar nos governos e instituições a mudança geral de hábitos e valores de toda a sociedade.

Não espero voltar a ver novamente todo o tipo de aves com quem vivi na minha infância, das quais uma boa parte já desapareceram desta região há muito. Não espero voltar a poder beber água diretamente do rio Sousa sem receio de poder ser intoxicado. Não espero voltar a ver aproveitado até à última migalha qualquer pedaço de pão, em vez de descartado impunemente. Tal como não espero voltar a colher uma maçã da árvore e comê-la com casca e tudo, sem receio de ter resíduos do que quer que seja.

É no meio ambiente que estão os recursos naturais necessários à vida, tanto dos seres humanos como de outros animais. Sem eles, como o sol, a água e os alimentos, não sobreviveríamos e não há tecnologia ou inovação que os substitua. Se não tivermos consciência de que os nossos atos se refletem direta e significativamente no ambiente em que vivemos, em breve não teremos mais um planeta para chamar de Lar, um legado que temos a obrigação de deixar aos nossos descendentes. Tenho sérias dúvidas de que sejamos capazes de deixar de ser egoístas, de pensar só no hoje, só em nós. Os que aí vêm, não nos irão perdoar …