Como qualquer cidadão deste país, tenho o direito de usufruir de uma administração pública que dê resposta às minhas necessidades, como às de todos os outros cidadãos, seja na saúde, justiça, ensino, educação, segurança e outras. Daí esperar ser bem atendido, tratado dignamente e em tempo útil, respeitado nos meus direitos de cidadão. Se assim for, a administração pública torna-se uma alavanca do desenvolvimento social, económico e cultural. Se funcionar mal ou não funcionar, torna-se um obstáculo e um grave problema para um país que se diz e quer ser civilizado. Ora, á sabido que a nossa administração pública está mal e não há como escondê-lo. Diz-se que está fragilizada, desmotivada e, em muitos domínios, perdeu o sentido de serviço “público”, que atue e dê respostas às nossas necessidades, colocando-se do lado da solução e não sendo “o problema”. Há uma crescente degradação dos serviços públicos, o que faz com que a máquina da A.P. seja pesada e ineficiente.
Esta situação é especialmente grave nos serviços de saúde, autarquias, proteção civil, escolas, forças de segurança e nos tribunais. Tornou-se “quase normal” esperar meses por uma consulta médica, alguns anos por um qualquer licenciamento municipal, anos e anos pela justiça.
Esta é uma realidade inaceitável, com prejuízos diretos na qualidade da vida de todos nós e é um tema que tem estado ausente nos debates políticos, exceto nos momentos inevitáveis das campanhas eleitorais, pontuais e esporádicos. Ninguém no poder político, está interessado realmente na implementação de medidas de eficiência que melhorem a qualidade dos serviços públicos. Não dá votos e o melhor é não falar no assunto. As forças políticas, por estratégia, preferem viver em guerras permanentes entre si, mas as mais responsáveis têm de pensar no país antes de pensar nelas próprias. Mas nada disso tem acontecido. E noto que, em teoria, a digitalização e automatização progressiva da Função Pública deveria atuar como fator de diminuição da necessidade de recursos humanos no setor. Mas aconteceu precisamente o contrário pois nos últimos anos passaram a ser cerca ainda mais 100.000.
Em Agosto de 2019 os portugueses sem médico de família eram menos de 650.000 e o primeiro-ministro Sr. Costa prometeu acabar com isso. E, quando se demitiu este ano, tinham aumentado quase um milhão. É caso para pensarmos na forma como (não) somos atendidos no Centro de Saúde/USF, como vemos os processos (não) andar nos tribunais e o quanto temos de mendigar nas câmaras para obter uma licença. E em muitos outros serviços apanhamos uma “seca”, mandam-nos ir noutro dia, para a semana ou no mês que vem, quando muito dizem-nos para comprar um impresso, juntar-lhe um comprovativo de coisa nenhuma ou para procurar na internet. “Mas eu não tenho internet”, ouvimos dizer e respondem com um encolher de ombros ou virar de costas.
A precisar de uma cirurgia fui à minha ULS e, sabendo que não tenho médico de família, quando coloquei a questão de como poderia ser atendido por um médico, ouvi um “não podemos fazer nada”, desolado e triste”.
A minha mãe perdeu o bilhete de identidade ou melhor, não sabe onde o guardou. Por isso, tive de ir com ela à Conservatória do Registo Civil para requerer, não um novo bilhete de identidade, mas o atual Cartão de Cidadão. Fui sozinho à frente a pensar que ia ficar muito tempo à espera na fila como era normal, mas, para minha surpresa, ao entrar na Conservatória, o longo corredor, os cerca de trinta lugares sentados em cadeiras e bancos e a sala de espera, estavam completamente vazios, com exceção de uma pessoa à espera e duas a serem atendidas. Do lado de dentro, só duas das funcionárias das mais antigas. Mais ninguém. Pensei que fosse dia de greve, mas não vi cartazes nem nada do gênero a avisar. Então olhei para o lado e vi o placard a anunciar: “POR FALTA DE RECURSOS HUMANOS ESTÁ SUSPENSO O ATENDIMENTO DO REGISTO CIVIL, REGISTO PREDIAL E REGISTO COMERCIAL”. Telefonei a avisar a minha mãe para aguardar até ter mais informações e fiquei à espera. Quando fui atendido, quis saber o que se passava. Disseram-me então que, dos 16 funcionários normais, somente aquelas “duas almas penadas” estavam a assegurar os serviços porque, alguns reformaram-se e os outros estavam de baixa médica, alguns há meses. Ora, sendo uma delas funcionária do Predial e a outra do Registo Automóvel, não percebiam do Civil e andavam “às aranhas” para desenrascar pedidos de Cartão de Cidadão. Mas, com boa vontade, lá se iam safando e foram desenrascando os “clientes” e que, só por respeito às pessoas, “não se davam também por doentes”. A situação estava assim há cerca de dois meses e a previsão seria de que só lá para Março do próximo ano se pudesse normalizar. Conservador, não havia e é uma Conservadora de fora que vem duas vezes por semana, num especial para casamentos e divórcios. É caso para perguntar: Como é possível? De 16 funcionários só duas resistem e dignificam a profissão? Porquê tão poucos? E nós, os “patetas” dos cidadãos, temos de esperar até onde, se continuamos a pagar impostos para ter Serviços que não temos?
Os partidos políticos demitiram-se por completo de fazer uma reforma profunda da Administração Pública, para haver Serviços organizados, modernos, desburocratizados e eficientes, onde os servidores fossem interessados, assíduos, responsáveis e motivados. E onde se recupere o sentido de “Serviço Público”, perdido há muito. Conheço funcionários públicos que são excelentes profissionais, dedicados, competentes e que não se escondem atrás de baixas médicas como se sabe acontecer em muitas situações. E são eles que tantas vezes resolvem problemas e situações, como foi o caso daquelas duas funcionárias, em respeito por si e por quem está do outro lado do balcão. Isso é ética profissional. Os que estão na função pública de má vontade, total inflexibilidade e sem qualquer motivação são mais que muitos. Alegam que ganham pouco, mas a média salarial dos portugueses é baixa. No entanto, a média do setor público é bem melhor que a do privado e estes não ficam tanto de baixa médica e tinham mais razões para se queixar.
Os políticos falam tanto de ética republicana em vez de exigirem em seu nome que a Administração Pública preste contas e dê explicações da falha continuada de eficiência dos Serviços Públicos, para encontrar soluções. E não é criar mais Estado ou menos Estado, nem despejar mais dinheiro em cima do problema. É criar um Estado que seja eficaz, que seja competente e que seja capaz de fazer as coisas que são necessárias à sociedade, isto é, a todos nós, que pagamos os impostos sem poder “bufar” …