Estamos (quase) sempre errados …

Como se diz, somos do tamanho do que conhecemos. Mas há pessoas que acreditam estar sempre certas, seja por ignorância ou arrogância, ego e narcisismo ou qualquer outro tipo de transtorno. E, para se afirmarem, apresentam possibilidades fixas para realidades móveis, são capazes de criar argumentos às vezes incoerentes, porque acreditam serem os donos da razão. Nunca admitem o erro nem uma opinião contrária e, se confrontados com factos, arranjam desculpas esfarrapadas. E, verdade se diga, estamos tantas vezes errados …

Quando era criança, tomava leite que vinha de uma quinta ali perto de casa. Fui lá muitas vezes e bebia sempre um copo ao sair da vaca, ainda quente. Dizia-se que “era o melhor leite” e “o alimento perfeito”. Anos mais tarde, a “verdade” passou a ser que “o leite tinha de ser fervido antes de se tomar”, e assim fez a minha mãe. Mas, anos depois, soube-se que o leite “levantava fervura” a partir dos 80 graus e saía fora do fervedor, ainda longe dos 100 graus convenientes para eliminar os microrganismos. Recomendou-se então o uso de uma “rodela” não sei de quê, para impedir que levantasse fervura antes do tempo. E a minha mãe passou a usá-la. Mais uns anitos em cima, veio uma nova verdade: O leite tem de ser “pasteurizado”. E todos nós passamos a acreditar na nova verdade, continuando a ver nele um excelente alimento. Mas não ficamos por aí. A troco da intolerância de alguns à lactose, passamos a ser bombardeados com a promoção de “leite” de soja, aveia e até arroz, como se fossem leites, com artigos científicos a denegrir o verdadeiro. E, afinal, estivemos sempre errados? E parece-me, que continuamos a estar, embora não falte quem se arrogue em ter razão.

O mesmo se passou com o azeite, outrora medido sem “esbordar”, pois, era um alimento precioso e excecional. Quando chegaram os óleos, veio a recomendar-se estes porque o azeite, não. E agora, foi reabilitado e passou a ser uma nova estrela da alimentação. Em que ficamos? 

Quem defendeu uma coisa, se calhar, já defende o seu contrário. Estivemos certos ou errados?  Quantas “verdades” como estas, afirmadas “a pés juntos” e reafirmadas veementemente, com o tempo passaram a falsas?

Sabe-se que a internet e, especialmente as redes sociais, são um campo onde o certo e o errado se atropelam. Mesmo que um tema seja muito específico, diria até científico, há muito quem não perceba “patavina”, “nem veja um boi da matéria”, mas não se inibe de emitir opinião como “verdade”, na boa, contrariando com a sua santa ignorância o parecer dos especialistas. E, certamente, terá audiência a apoiar!

Costuma recorrer ao Dr. Google em busca da resposta a problemas de saúde? Quem nunca? No entanto, os verificadores de sintomas online pecam pela falta de precisão, revela uma análise feita por especialistas, que alerta que estes só estão certos cerca de um terço das vezes. O que quer dizer, que estão errados em dois terços. Mas, porque o Dr. Google  disse, passou a ser certo?

Hoje convivemos diariamente com montanhas de informações, muitas delas que não passam de mitos, mas que as damos como certas: Água com açúcar deixa-nos calmos; só utilizamos 10% da nossa capacidade cerebral; a pasta dentífrica é boa para as queimaduras; O uso de boné provoca a queda do cabelo; a posição sexual pode facilitar a gravidez; tomar leite direto da vaca, é excelente; a vacina causa autismo; a dieta detox ajuda a eliminar as toxinas; se engolir uma chiclete, ela cola no estômago. Como estas, há milhares de “verdades” que passam de boca em boca e são dadas como certas. E assim, estamos certos ou errados?

Os seres humanos mentem frequentemente, para melhorar a sua imagem, encobrir comportamentos errados, “não dar o braço a torcer” e ter de confessar que estão errados, distorcer a realidade e esconder a verdade, enfim, por tantas razões menos boas. E hoje, a mentira voa à velocidade da luz e espalha-se pelos quatro cantos do mundo como se fosse uma verdade inquestionável. E todos os utilizadores das redes sociais, disseminam-na com um clique para reenviar, sem sequer se darem ao trabalho de questionar se a mensagem, notícia, imagens ou o que quer que seja é real ou manipulada. Daí que, absorvemos muito do que ouvimos, lemos ou vemos e passamos a estar convencidos de que podemos defender essa “verdade” como 100% segura. Até porque, a maior parte das grandes mentiras trazem elementos reais à mistura. Como dizia o poeta António Aleixo: “P’ra mentira ser segura e atingir profundidade, tem que trazer à mistura qualquer coisa de verdade”. Por isso, para alguns mentirosos crónicos o poeta deixou mensagem: “Mentiu com habilidade, fez quantas mentiras quis; agora fala verdade
 e ninguém crê no que ele diz”.

Os políticos, sejam ou não governantes, também costumam manipular a realidade para atingir os seus objetivos e rapidamente saltam para outra, num jogo de cintura que tem feito muitas carreiras pessoais “brilhantes”, embora nada benéficas para o povo. Dizem que faz parte. As empresas, tantas vezes colocam no mercado “a maior invenção do século”, um “produto revolucionário”, um “milagre da tecnologia e os atributos mais diversos para produtos que, mais tarde, se vieram a revelar como uma fraude, um problema para a nossa saúde, algo que é um fiasco ou perigoso. O DDT foi o primeiro inseticida para combater determinadas pragas. E foi “milagroso” até se descobrir que os tordos em Boston “morriam como tordos” por comer as lagartas mortas pelo inseticida e, depois, que os seus resíduos apareciam no leite materno, vindo a ter consequências nos recém-nascidos. E quantos pesticidas já foram retirados do mercado por passarem de “bestiais a bestas”, do certo ao errado? Estamos na era dos produtos químicos que usamos e as empresas usam para melhorar as nossas vidas, sendo que muitos deles, tidos por maravilhosos, vieram a provar-se como criminosos, mas depois das empresas faturarem milhões de milhões. Vendidos e propagados como certos, anos mais tarde provou-se serem errados. Defendem-se “verdades”, grande parte das vezes assentes sobre areia, sem se saber de facto se o são. E qualquer discussão é perdida logo de início, simplesmente quando não se quer escutar o outro. Admitir que se está errado, não é fácil, daí “a culpa morrer solteira”.

Para precaver das nossas atitudes, há este provérbio árabe que se ajusta em boa medida ao tema: “Não digas tudo o que sabes/Não faças tudo o que podes/Não acredites em tudo que ouves/ Não gastes tudo o que tens. /Porque: Quem diz tudo o que sabe/Quem faz tudo o que pode/Quem acredita em tudo o que ouve/Quem gasta tudo o que tem. /Muitas vezes: diz o que não convém/Faz o que não deve/Julga o que não vê/Gasta o que não pode”.

O errado de ontem é o certo de hoje e o certo de hoje é o errado de amanhã? O ser humano está preso num círculo de crenças e de escolhas contraditórias, onde a verdade e a mentira, o certo e o errado, se confundem, nos enganam e fazem acreditar tanta vez de que estamos certos. Mas, estaremos certos ou errados?

Sou um “empregado não remunerado”

Já pensou que, hoje, posso sair de casa, ir a um posto de combustíveis atestar o automóvel com pagamento por cartão na própria bomba, lavar a roupa em lavandaria self-service e ir para o trabalho usando uma autoestrada com portagem automática, sem ser servido por uma única pessoa? E posso continuar ao almoço selecionando a refeição numa cantina e aproveitar o tempo livre para consultar a minha conta bancária, fazer pagamentos, transferências, escolher, marcar e pagar uma viagem e imprimir a passagem aérea, tudo através da internet, por computador, tablet ou smartphone? E no regresso, ir ao supermercado fazer compras, escolher os produtos que quero, tirá-los das prateleiras e pagar em caixa automática sem intervenção de qualquer funcionário? Posso ainda lavar o carro numa lavandaria auto e ir ao cinema com bilhete eletrónico comprado através duma aplicação móvel. O trabalho será todo meu, sem receber qualquer contrapartida, coisa que há uns anos exigia uma série de pessoas para me atender. Já pensou nisto que começou há muitos anos, mas agora está a ir além do inimaginável e nas consequências desta “revolução self-service”, de que a principal é a quantidade enorme de trabalhadores que vão para o desemprego? 

A revolução “self-service” começou em 1916 numa pequena loja dos Estados Unidos e nunca mais parou. Clarence Saunders, proprietário do supermercado Piggly Wiggly, em Memphis, Tennessee, foi o pai da ideia que mudou a maneira como fazemos compras. Até aí, os produtos estavam guardados atrás do balcão e o cliente limitava-se a dizer o que queria e a pagar. O empregado acompanhava todo o processo. Atendia o pedido, metia as compras em sacos, fazia a conta e recebia o dinheiro.

Com a chegada do “self-service”, o consumidor passou a poder circular pela loja, retirar os produtos das prateleiras e levá-los em cestos até à caixa. Foi assim que o retalho ganhou a dianteira da revolução “self-service”. E diz quem sabe, que “ainda não vimos nada”: há experiências em curso para substituir as caixas de supermercado por “tablets”; para fazer da voz uma ordem de pagamento; para transformar “apps” em instrumentos de compra e catálogos interativos; e, cereja em cima do bolo, entregar as compras em casa com aviões não-tripulados (os tão famosos “drones”). O certo é que, com tudo isto, a produtividade e capacidade de atendimento dispararam, abrindo caminho à criação do supermercado, do hipermercado e da grande superfície especializada, onde “o consumidor faz tudo” …

A primeira loja em Portugal deste tipo só abriria em 1961, em Lisboa e nunca mais pararam. Dizem que as vantagens para os consumidores são muitas: oferta muito maior, atendimento rápido e com preços mais baixos. Mas as empresas ganham muito mais. E nós, só trabalhamos?

O “self-service” significa uma redução enorme dos trabalhadores, um problema grave para a comunidade. E a inovação constante, como é o caso das caixas automáticas nos supermercados, faz aumentar ainda mais o desemprego, sem contrapartidas para a sociedade. É o próprio consumidor que faz a leitura dos códigos de barras, faz o pagamento, ensaca e sai com os produtos, sem haver necessidade da intervenção do colaborador da loja. E não recebe nada. Diria que é “um trabalhador não remunerado”, que tira o emprego a alguém, sem se aperceber. A tradicional linha com dezenas de caixas de saída nos supermercados pode desaparecer e os pagamentos serão feitos “em qualquer parte da loja”, “de uma forma que parece mágica” e já acontece em duas cadeias de supermercados americanas. Aliás, tem estado a ser desenvolvido lá um sistema em que o consumidor paga dizendo apenas o seu nome, nada mais. Nem tem que digitar nada. Como eles dizem, “nós ainda não vimos o que aí vem”. As “apps” vão permitir comprar “em qualquer lado e a qualquer hora” e darão “uma maior liberdade ao consumidor que não necessite ou não queira, sequer, ter a participação de outra pessoa para fazer as compras.” O futuro passará por carrinhos de compras inteligentes e os bens encomendados nas lojas “online” (outro terreno moderno do “self-service”) podem chegar a casa dos clientes nas asas de aviões não-tripulados. A Amazon já está a testar “drones” para substituir as carrinhas de entregas. É assim que, além de estar a aumentar o desemprego, a tecnologia pode vir a matar o atendimento personalizado.

Claro que os trabalhadores de hoje não vão deitar “fogo às máquinas” por estarem a roubar-lhes os empregos, como na primeira revolução industrial, tendo sido “substituídos” nas suas funções pelos próprios clientes, mas é caso para estarem preocupados pois nada dos ganhos com a redução de pessoal nas empresas vai parar aos seus bolsos. E o problema coloca-se em numerosas áreas de atividade, dos postos de combustíveis aos parques de estacionamento, dos supermercados às mais variadas indústrias, da banca aos escritórios, das portagens às vendas de bilhetes para tanta coisa, dos tabuleiros de qualquer centro comercial ao restaurante self-service. É que as novas tecnologias têm, normalmente, um efeito devastador sobre o emprego. E isso quer dizer que se vão descartando as pessoas. É aí que começa o problema …

É estranha esta sociedade que, cada vez com mais frequência, nos leva a fazer funções que seriam de alguém. E com isso estamos a roubar empregos, a roubar esperanças. As caixas autónomas, instaladas como opção entre ser atendido por assistente ou, em momentos de aperto, para desenrascar mais depressa, vão passar a ser obrigação. E é assim que “somos contratados” como “empregados não remunerados”, sendo manipulados e amestrados para executar diversos tipos de tarefas, até de arrumação e limpeza como é o caso dos tabuleiros de restaurantes.

O curioso é que nalgumas empresas deste tipo nos Estados Unidos, em que os clientes assumem a tarefa de empregados não remunerados, até existe no final da linha uma pergunta automática para saber qual o valor da gorjeta que o cliente vai deixar. E# a moda pode chegar aqui. Ou está tudo bêbado ou sou eu que estou a ver as coisas “de pernas para o ar” … 

Com tudo isto, não estou a perder tempo nas filas (que só existem por falta de operadores nas caixas), mas estou a contribuir para aumentar os lucros das empresas, a atirar gente para o desemprego e a trabalhar “para aquecer” em montes de locais onde só deveria ser cliente. Mas, trabalhando “à borla” e sem beneficiar de um desconto sequer, por mais miserável que seja, posso sentir-me satisfeito porque sou muito mais evoluído, mais moderno e mais despachado …

Temos muitos tiques de “riquismo” …

Nos meios rurais como era o nosso, todas as pessoas tinham um rosto que se conhecia e um nome que se dizia ao cumprimentar. A maioria era gente pobre que trabalhava e sonhava um dia ter uma vida melhor. Gente que trabalhava de sol a sol, de horário variável conforme a luz do dia. Aprendia-se desde bem cedo na família a poupar, a não exigir o que não se podia ter, a não estragar nem desperdiçar e a não fingir que se era rico quando nem sequer se era remediado. Numa sociedade que vivia da agricultura como era esta, havia muito pouco para comer, comprar, distribuir. Estriava-se roupa nova só na Páscoa ou Natal, quando se estriava. E mesmo assim as pessoas eram alegres epartilhavam as coisas da horta e até os pedintes não iam embora só com palavras e promessas. Ao chegarem as indústrias, primeiro a Estofex que até deu regalias sociais e emprego a mulheres, e mais tarde a Fabinter, a riqueza começou a ser distribuída por quem nunca a vira. As famílias apostaram toda a sua poupança na construção de casa para viver, grande parte das vezes feita aos fins de semana num terreno de família com a ajuda de familiares e amigos, num hoje ajudo-te eu e amanhã ajudas-me tu, com muito suor e sacrifício, ao longo de anos, para terem um teto seu. E fizeram-no aprendendo a viver com o muito ou pouco que tinham. E só com isso.

Mas “o tempo é feito de mudança” e as pessoas começaram a aprender na nova escola que ensina a comprar sem dinheiro. A dependência de um ordenado certo tornou-se moeda corrente; a procura dum trabalho no Estado era garantia de segurança para o futuro; e a emigração para o estrangeiro abria um mundo de oportunidades pois até dava para ter automóvel e fazer casa nova na terra, enquanto por cá “não se saía da cepa torta”. Chegou-se, então, a um tempo de melhor nível de vida, por vezes vida sem grande nível e com mais aparências que realidade. E de repente tudo foi mudando com muitos encargos, rendimentos incertos.  Poupanças e hábitos de moderação deixaram de fazer parte da história pessoal e familiar. Com a crise veio o desemprego, as casas entregues ao banco, aumentou a pobreza e mesmo as vidas remediadas viraram falta do essencial numa realidade dolorosa. Toda a gente se queixa, a inflação escalou preços que já não recuam mais, o trabalho precário mantém-se, os recibos verdes continuam a fazer história, a fila dos que procuram cada dia o Banco Alimentar e batem à porta das instituições de solidariedade social cresceu e já não há capacidade para responder às necessidades mais prementes. Com 2 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza com menos de 591 euros, cerca de 380 mil desempregados, uma dívida pública a rondar os 280 mil milhões de euros e uma dívida total do estado e privados à volta dos 800 mil milhões, não se pode dizer que somos um país rico. Vamos lá, talvez remediado …

E, apesar duma certa recuperação, muita gente ainda não acordou ou finge que nada mudou. Quem, viva cá dentro ou vindo de fora, observar o que por aí se vê, não deixa de pensar que parecemos um país de gente rica, que dá nota pública de opulência. São caros, mas temos um parque automóvel rico que faz inveja aos pobres, telemóveis aos montes, dos mais caros e sofisticados, só roupa de marca, férias no estrangeiro nos locais mais badalados, lua-de-mel em países exóticos, consumos altos, habitações de luxo que são menos para serem habitadas do que para serem vistas. Dizia-me um amigo da área financeira que “muitos vivem a crédito por conta do amanhã, com a casa, carro, barco e salário penhorados. Já só falta penhorar os filhos. Virados de pernas para o ar, já não cai um tostão furado” … 

Neste contexto, os tiques de riquismo são ofensivos, as cedências ao supérfluo tornam-se escandalosas e os exibicionismos patéticos são tidos por provocadores. Todos são chamados, à medida de cada um, a entrar no processo da recuperação necessária e urgente do país. Não é trabalho apenas dos governantes. Pouco ou nada se conseguirá se cada um não se impuser a si próprio atitudes de certa austeridade e gestos de partilha e a quem governa decisões justas e exemplo convincente. Urge que todos digamos, de modo consequente, que somos pessoas responsáveis e solidárias, irmãos e cidadãos com iguais direitos e deveres.

Mas é verdade que os governantes deveriam ser os primeiros a dar o exemplo para, pelo exemplo, enquanto cidadãos e enquanto decisores políticos, mobilizarem todos os outros. Como cidadãos, deixando de aprovar para si e usufruir de mordomias e benesses escandalosas que chocam o cidadão comum, num aproveitamento dos recursos públicos que provoca risos de chacota nos nossos parceiros do norte da Europa. E, por essa razão, são um péssimo exemplo. É como aquele pai que se farta de dizer ao filho “não roubes”, mas que passa a vida a fazer isso mesmo à sua frente. E o miúdo vai olhar para o que o pai faz e não para o que o pai diz!

Mas os tiques de riquismo nos políticos confundem-se com a estupidez e inconsciência, já para não falar na incompetência, de quem governa e gere o que é de todos sem nunca ter gerido nada na vida. Daí termos visto o desmando e esbanjamento de dinheiro na renacionalização da TAP que custou aos cofres públicos muitos milhares de milhões de euros, só, mas só por razões políticas. E o mesmo aconteceu com a Efacec, que não nos levou tanto como a TAP, mas mesmo assim foram muitas centenas de milhões pagos por nós, contribuintes. Mas essa mania de que somos ricos levou outros figurantes a realizar o Euro 2004, com a construção de 10 estádios que custaram 650 milhões de euros. Vinte anos depois, quase todos eles ainda não estão pagos e às autarquias continuam a chegar pesadas faturas. E todos os grandes negócios de estado que têm sido um manjar no banquete da corrupção e tráfico de influências?

Se fosse a enumerar as muitas obras mandadas executar tanto pelo estado central como pelas autarquias, parte delas de interesse muito duvidoso ou ruinoso, quando nem sequer chegaram a sair do papel, mas consumiram muito dinheiro, por incompetência total, tiques de riquismo ou interesses inconfessáveis dos decisores políticos, tinha de escrever vários artigos e dar-vos cabo da paciência …

Mais: como somos ricos, o anterior governo “abraçou” todos os povos das nossas antigas colónias ao decretar que podem vir para Portugal e são recebidos com direito de residência automática e todos os direitos na saúde e sociais como qualquer cidadão português, com um subsídio mensal de 750 € durante dois anos mesmo que seja vadio. “Sem nunca ter contribuído para o sistema”. Mas nós pagamos por eles. Por isso se sabe que são cada vez mais os que nunca cá viveram, mas precisando de uma cirurgia, fazer um parto ou tratamento, pedem o estatuto de residente ou até passaporte português para o fazerem cá, à custa do “Zé Povinho”, de cujo exemple mais badalado é o caso das “gêmeas brasileiras”. Mas nós pagamos por eles. São estes tiques de riquismo dos nossos governantes que nos deveriam fazer pensar! 

Com gente desta, com “tiques” de que somos um país rico onde o dinheiro sobra, temos que ter muito medo de vir a ficar cada vez mais pobres … 

Desfile de Vaidades em local de recato

As três mulheres chamaram-me a atenção pela forma acalorada como falavam, duas delas com ar muito preocupado. Percebi depois que uma se chamava Joaquina e manifestava aflição porque “a cabeleireira lhe disse que já não tinha vaga para lhe arranjar o cabelo e, muito menos, para tratar das unhas”. E completou: “Vejam lá vocês como é que eu me vou apresentar depois de amanhã diante das pessoas da minha família, algumas que eu já não vejo há anos? Vão pensar que eu sou para aqui uma pelintra? Não me faltava mais nada! Vou arranjar o cabelo e vou, ainda que tenha de ir ao Porto”. A mais despreocupada, de sorriso nos lábios, entrou na conversa só para dizer que já tinha marcações para a cabeleireira e esteticista há mais de quinze dias, pois não queria correr o risco de não ter vaga como a Joaquina. E a terceira, com ar pesaroso, confessou que ainda conseguira que a cabeleireira lhe lavasse a cabeça, mas já não tinha tempo para lhe fazer os caracóis que ela tanto queria. Falou também em familiares que já não via há muito e que, quase de certeza, estariam lá. Pela conversa, percebi que aquelas três mulheres deveriam ir para algo como um casamento ou batizado, pois agora já não é tempo de comunhões.                                                                     Apanhei a conversa a seguir já a Joaquina perguntava às outras qual o vestido que iam usar, porque ela comprara na outra semana numa loja em Penafiel um vestido azul-celeste para “fazer ver” às primas de Gaia “quem se veste bem”, pois pensam que por não sermos da cidade “nós somos umas parolas”. A despreocupada adiantou logo que também já estava servida pois no dia anterior foi ao Norte Shopping e encontrou um vestido que lhe “fica a matar”. E a que ainda não tinha cabeleireira para lhe tratar da “crista”, ante o despacho das outras, choramingou: “Eu estive à espera do meu marido, mas como ele nunca tem tempo para ir comigo a lado nenhum, vou ter de me desenrascar à última hora e, se calhar, também vou dar um salto ao Norte Shopping e trato das duas coisas”. Perguntou à amiga a que loja fora e prometeu comprar um vestido diferente do dela. Entretanto fui chegando à conclusão de que devia ser mesmo um casamento e distraí-me a imaginar aquelas “criaturas de Deus” a “cortar na casaca dos outros” durante toda a boda. Só voltei a prestar atenção à conversa quando ouvi falar em flores. Imaginei que fossem flores para atirar aos noivos à saída da igreja, mas fui surpreendido quando uma delas se gabou: “Mandei fazer um arranjo de flores que vai custar cento e trinta euros, mas tem de tudo”. Então, fiquei baralhado: Arranjo de flores no casamento? Para quê? Será para assear o altar? Logo outra retorquiu: “Pois eu vou levar um ramo de orquídeas muito lindo”. Mas a terceira desfez o meu equívoco: “Como sei que vão ser muitas flores pois cada familiar leva um raminho e dá para cobrir a sepultura, encomendei uma coroa de 

flores para colocar no meio e desta vez, se falarem de mim, é para me invejar”. Foi aí que se fez luz e percebi que as três mulheres estavam a preparar-se para ir ao cemitério no dia 1 de Novembro, Dia de Todos os Santos. Mas admirei-me da preocupação do trio com os preparativos e a forma de se apresentarem, pois acho que a ida ao cemitério não era propriamente uma passagem de modelos nem um concurso de Miss Universo. A meu lado estava uma senhora amiga que assistiu àquele “filme” e, como mulher, certamente viu mais do que eu. E perguntei-lhe o que é que se estava a passar porque eu não estava a perceber! Mas ela era mulher, “viu tudo” muito bem e “abriu o livro”: 

“Lembra-se que depois de amanhã é o dia de Todos os Santos e de ir ao cemitério rezar pelos mortos? Só não deve saber que quase todas as mulheres se arranjam “à maneira” como se fossem para um casamento! Ai daquela que vá com um vestido qualquer e com o cabelo mal-amanhado! Se virem assim alguém, são as familiares as primeiras a criticá-la dizendo “pobre coitada”, “parece uma desgraçada”, “até deixa ficar mal a família”. A maior parte delas nem sequer vai à missa e fica no cemitério a olhar as outras, de soslaio, para avaliar, criticar e dizer mal. A roupa tem de ser nova, sapatos a condizer, maquilhagem completa. As flores devem ser caras e com arranjos espetaculares, já que o mulherio faz uma passagem geral às campas, como os juízes num concurso, a comentar entre si: “Olha que flores tão pobrezinhas”? “Mas que arranjo mais parolo”! “Onde descobriria esta um arranjo tão espetacular”? Só falta mesmo cada uma dar pontos para atribuir um prémio! Mais que o morto, conta a competição entre elas. E o que virem ali, dá conversas para toda a semana lá na aldeia”!

E durante a procissão no final da missa, lá estão no cemitério à espera, mais para se mostrar do que participar, qual passagem de modelos, 

com sussurros críticos e sorrisos amarelos. Sabe, mais do que o Dia de Fiéis e Defuntos, eu digo que é uma Feira de Vaidades e Má-Língua. E o curioso é que uma boa parte só vai visitar os mortos uma vez no ano, precisamente neste dia, porque é um ponto de encontro obrigatório e, uma mulher que se preze, nunca pode faltar. E olhe que elas apostam forte: na sua “decoração” pessoal, no que vestem, no que calçam e nos arranjos de flores. Pois o mais importante é aparecer e “parecer”. E os mortos? Pouco importam, são só o motivo para aquele desfile, sendo o cemitério a passerelle”!

A ser verdade que se fez disto uma competição, é uma oportunidade excelente para criar um concurso com categorias diversas, a saber: Melhor Vestido, Melhor Arranjo de Flores, Crítica Mais Contundente e Mordaz, Melhor Maquilhagem, Melhor Penteado. Claro que por detrás de tudo isto está todo um negócio feito à medida destas “necessidades” e que movimenta muito dinheiro, com especulação nos preços porque nisto, ninguém trava gastos, nem regateia. Supermercados, floristas, lojas de chineses e outras, vendem produtos para a ocasião e à porta dos cemitérios os vendedores ambulantes resolvem os esquecimentos, quer seja de flores, lamparinas ou velas. Já poucas são as pessoas que usam flores de casa, pois “até parece mal” e não se pode ficar mal visto em relação ao vizinho do lado. Por isso, há que comprar flores caras para dar nas vistas e sair em grande na boca das outras! 

Por princípio, quando vou ao cemitério gosto de silêncio e alguma tranquilidade, e este não é o meu dia preferido para o fazer. Por isso, estava “a leste” da realidade. Mas, para confirmar tudo o que ouvi, resolvi passar em dois cemitérios só para confirmar se havia “desfile de modelos” ou não. E, que Deus me perdoe a intenção com que lá fui, mas tem uma grande dose de verdade. Neste dia um, muitas mulheres transformam o cemitério numa “passerelle” onde se exibem toiletes, penteados e arranjos florais. Pior ainda, a intenção de ir lá para lembrar e homenagear os entes queridos que já morreram, passa para segundo plano, esquecida entre os vestidos e flores, vaidades pessoais e má-língua, e por se perder, transformando um dia que devia ser de memória e respeito por quem morreu, num dia de exaltação, exibição e vaidades sem sentido por quem “ainda” cá ficou …

Desfile de vaidades em local de recato …

As três mulheres chamaram-me a atenção pela forma acalorada como falavam, duas delas com ar muito preocupado. Percebi depois que uma se chamava Joaquina e manifestava aflição porque “a cabeleireira lhe disse que já não tinha vaga para lhe arranjar o cabelo e, muito menos, para tratar das unhas”. E completou: “Vejam lá vocês como é que eu me vou apresentar depois de amanhã diante das pessoas da minha família, algumas que eu já não vejo há anos? Vão pensar que eu sou para aqui uma pelintra? Não me faltava mais nada! Vou arranjar o cabelo e vou, ainda que tenha de ir ao Porto”. A mais despreocupada, de sorriso nos lábios, entrou na conversa só para dizer que já tinha marcações para a cabeleireira e esteticista há mais de quinze dias, pois não queria correr o risco de não ter vaga como a Joaquina. E a terceira, com ar pesaroso, confessou que ainda conseguira que a cabeleireira lhe lavasse a cabeça, mas já não tinha tempo para lhe fazer os caracóis que ela tanto queria. Falou também em familiares que já não via há muito e que, quase de certeza, estariam lá. Pela conversa, percebi que aquelas três mulheres deveriam ir para algo como um casamento ou batizado, pois agora já não é tempo de comunhões.                                                                     Apanhei a conversa a seguir já a Joaquina perguntava às outras qual o vestido que iam usar, porque ela comprara na outra semana numa loja em Penafiel um vestido azul-celeste para “fazer ver” às primas de Gaia “quem se veste bem”, pois pensam que por não sermos da cidade “nós somos umas parolas”. A despreocupada adiantou logo que também já estava servida pois no dia anterior foi ao Norte Shopping e encontrou um vestido que lhe “fica a matar”. E a que ainda não tinha cabeleireira para lhe tratar da “crista”, ante o despacho das outras, choramingou: “Eu estive à espera do meu marido, mas como ele nunca tem tempo para ir comigo a lado nenhum, vou ter de me desenrascar à última hora e, se calhar, também vou dar um salto ao Norte Shopping e trato das duas coisas”. Perguntou à amiga a que loja fora e prometeu comprar um vestido diferente do dela. Entretanto fui chegando à conclusão de que devia ser mesmo um casamento e distraí-me a imaginar aquelas “criaturas de Deus” a “cortar na casaca dos outros” durante toda a boda. Só voltei a prestar atenção à conversa quando ouvi falar em flores. Imaginei que fossem flores para atirar aos noivos à saída da igreja, mas fui surpreendido quando uma delas se gabou: “Mandei fazer um arranjo de flores que vai custar cento e trinta euros, mas tem de tudo”. Então, fiquei baralhado: Arranjo de flores no casamento? Para quê? Será para assear o altar? Logo outra retorquiu: “Pois eu vou levar um ramo de orquídeas muito lindo”. Mas a terceira desfez o meu equívoco: “Como sei que vão ser muitas flores pois cada familiar leva um raminho e dá para cobrir a sepultura, encomendei uma coroa de 

flores para colocar no meio e desta vez, se falarem de mim, é para me invejar”. Foi aí que se fez luz e percebi que as três mulheres estavam a preparar-se para ir ao cemitério no dia 1 de Novembro, Dia de Todos os Santos. Mas admirei-me da preocupação do trio com os preparativos e a forma de se apresentarem, pois acho que a ida ao cemitério não era propriamente uma passagem de modelos nem um concurso de Miss Universo. A meu lado estava uma senhora amiga que assistiu àquele “filme” e, como mulher, certamente viu mais do que eu. E perguntei-lhe o que é que se estava a passar porque eu não estava a perceber! Mas ela era mulher, “viu tudo” muito bem e “abriu o livro”: 

“Lembra-se que depois de amanhã é o dia de Todos os Santos e de ir ao cemitério rezar pelos mortos? Só não deve saber que quase todas as mulheres se arranjam “à maneira” como se fossem para um casamento! Ai daquela que vá com um vestido qualquer e com o cabelo mal-amanhado! Se virem assim alguém, são as familiares as primeiras a criticá-la dizendo “pobre coitada”, “parece uma desgraçada”, “até deixa ficar mal a família”. A maior parte delas nem sequer vai à missa e fica no cemitério a olhar as outras, de soslaio, para avaliar, criticar e dizer mal. A roupa tem de ser nova, sapatos a condizer, maquilhagem completa. As flores devem ser caras e com arranjos espetaculares, já que o mulherio faz uma passagem geral às campas, como os juízes num concurso, a comentar entre si: “Olha que flores tão pobrezinhas”? “Mas que arranjo mais parolo”! “Onde descobriria esta um arranjo tão espetacular”? Só falta mesmo cada uma dar pontos para atribuir um prémio! Mais que o morto, conta a competição entre elas. E o que virem ali, dá conversas para toda a semana lá na aldeia”!

E durante a procissão no final da missa, lá estão no cemitério à espera, mais para se mostrar do que participar, qual passagem de modelos, 

com sussurros críticos e sorrisos amarelos. Sabe, mais do que o Dia de Fiéis e Defuntos, eu digo que é uma Feira de Vaidades e Má-Língua. E o curioso é que uma boa parte só vai visitar os mortos uma vez no ano, precisamente neste dia, porque é um ponto de encontro obrigatório e, uma mulher que se preze, nunca pode faltar. E olhe que elas apostam forte: na sua “decoração” pessoal, no que vestem, no que calçam e nos arranjos de flores. Pois o mais importante é aparecer e “parecer”. E os mortos? Pouco importam, são só o motivo para aquele desfile, sendo o cemitério a passerelle”!

A ser verdade que se fez disto uma competição, é uma oportunidade excelente para criar um concurso com categorias diversas, a saber: Melhor Vestido, Melhor Arranjo de Flores, Crítica Mais Contundente e Mordaz, Melhor Maquilhagem, Melhor Penteado. Claro que por detrás de tudo isto está todo um negócio feito à medida destas “necessidades” e que movimenta muito dinheiro, com especulação nos preços porque nisto, ninguém trava gastos, nem regateia. Supermercados, floristas, lojas de chineses e outras, vendem produtos para a ocasião e à porta dos cemitérios os vendedores ambulantes resolvem os esquecimentos, quer seja de flores, lamparinas ou velas. Já poucas são as pessoas que usam flores de casa, pois “até parece mal” e não se pode ficar mal visto em relação ao vizinho do lado. Por isso, há que comprar flores caras para dar nas vistas e sair em grande na boca das outras! 

Por princípio, quando vou ao cemitério gosto de silêncio e alguma tranquilidade, e este não é o meu dia preferido para o fazer. Por isso, estava “a leste” da realidade. Mas, para confirmar tudo o que ouvi, resolvi passar em dois cemitérios só para confirmar se havia “desfile de modelos” ou não. E, que Deus me perdoe a intenção com que lá fui, mas tem uma grande dose de verdade. Neste dia um, muitas mulheres transformam o cemitério numa “passerelle” onde se exibem toiletes, penteados e arranjos florais. Pior ainda, a intenção de ir lá para lembrar e homenagear os entes queridos que já morreram, passa para segundo plano, esquecida entre os vestidos e flores, vaidades pessoais e má-língua, e por se perder, transformando um dia que devia ser de memória e respeito por quem morreu, num dia de exaltação, exibição e vaidades sem sentido por quem “ainda” cá ficou …

Mazagão: Teremos orgulho e respeito?

Nos últimos 50 anos da nossa história, a maioria dos governantes e de muitos outros políticos, tudo tem feito para renegarmos o passado e, especialmente, os grandes feitos alcançados pelos portugueses nos descobrimentos e sua aventura por um mundo até então desconhecido. Chegam a manifestar a vontade de que nos devemos até envergonhar e penitenciar por esse período, que dizem negro, da nossa história, numa inversão completa do orgulho que, como portugueses e descendentes desses antepassados, deveríamos ter. E a verdade é que não estamos a ser dignos dos seus feitos, de atos heroicos que praticaram pelo mundo fora e que hoje querem apagar e subverter, de construções excecionais que deixaram espalhadas pelo mundo e deveriam ser testemunho mais que suficiente da dimensão do que fizeram, sem terem ao seu dispor os meios de transporte, tecnologia, financeiros e científicos de hoje, pelo que se tornam ainda mais extraordinários. Por tudo isso e muito mais, 

deveríamos ser nós a glorificar os seus feitos, mas, estranhamente, a exaltação de heroicidade em acontecimentos da nossa história, de vez em quando chega-nos através de vídeos, filmes ou escritos da autoria de não portugueses, a trazer ao conhecimento público factos heroicos que nos querem fazer esquecer.  É o caso do chamado Grande Cerco de Mazagão, ocorrido em Marrocos no ano de 1562, em que pouco mais de 3.000 portugueses derrotaram acima de 120.000 marroquinos, resistindo ao cerco e tentativas de assalto à cidadela ao longo de quase 3 meses. 

Os portugueses construíram uma cidadela no porto de Mazagão no verão de 1514, que o rei D. João III mandou expandir em 1541 para a maior fortaleza murada que vemos hoje, com 69 canhoneiras e um amplo fosso provido de eclusas que o mantinham cheio de água do mar durante a maré baixa, concentrando aí a presença portuguesa naquela região. Poucos anos depois, Marrocos foi unificado por Maomé Xeque e o seu sucessor cedo começou a planear a conquista dessa cidadela bem fortificada preparando a ofensiva ao longo de dois anos. O governador da fortaleza Álvaro de Carvalho encontrava-se em Lisboa e o seu lugar-

tenente Rui de Sousa de Carvalho através de um espião, confirmou os

rumores sobre os preparativos do sultão. Assim, enviou um navio com um pedido de socorro para Portugal, então governado pela regente D. Catarina perante o cerco iminente, já que a guarnição da cidade e os residentes não seriam capazes de resistir sem ajuda. A 18 de fevereiro de 1562 chegou o primeiro contingente de marroquinos, assentando arraiais ali perto e o filho do sultão, Mulei Moâmede, não concebendo que tão pequeno número de homens pudesse fazer frente ao seu poderoso exército, antes de iniciar o ataque enviou um ultimato ao governador, que dizia: “Tenho tolerado essa fortaleza até à data, mas agora exijo a sua evacuação. Dou o tempo preciso para levarem tudo menos a artilharia e as armas. Se não quiserem aproveitar a minha generosidade tomarei pela força o que me pertence. Não obedecendo, passarei tudo a fio de espada e isso é fácil quanto é certo que Portugal é governado por uma mulher e o rei é ainda uma criança”. A resposta não demorou: “Nenhum português é homem que receie o poder e as ameaças dos moiros; todos saberão resistir e defender a fortaleza do rei-criança, seu soberano, porque todos os que se encontram na praça são portugueses que juraram morrer ou vencer e eles só́ morrem na luta quando deitam por terra os seus inimigos”.

Em Portugal, a rainha regente Dona Catarina ponderava abandonar Mazagão, Mas a notícia do cerco da cidadela provocou uma onda de sentimento patriótico em Portugal e antes que ela tomasse qualquer decisão, fidalgos, plebeus, clérigos, pescadores e outros voluntários, armaram-se e zarparam voluntariamente em auxílio da cidade sitiada. 

O inimigo atacava violentamente com cem mil infantes, trinta mil cavaleiros e treze mil auxiliares para escavar e remover terras, com o apoio de vinte e quatro canhões, mas dois meses de combate provaram uma vez mais aos muçulmanos que os Portugueses sabiam ligar as ações às palavras.
Com efeito, a luta começou trágica, terrível e mortífera. O ataque da artilharia inimiga era incessante, a defesa, heroica e infatigável. No dia 30 de Abril, no momento da preia-mar, os Mouros fizeram um ataque violento e conseguiram abrir brecha nas muralhas com a artilharia. Debaixo de um fogo terrível, onde morreram muitos combatentes de um e de outro lado, os valentes defensores de Mazagão escreveram a mais linda página da sua história. Uma explosão de vinte barris de pólvora, provocada pelos nossos, produziu no meio dos sitiantes verdadeira hecatombe. Entretanto, chegavam mais tropas de Lisboa, e o inimigo, cansado da luta, desbaratado e desanimado pela coragem indómita dos sitiados, abandonou o cerco, no dia 17 de Maio, retirando para Azamor. O esforço hercúleo dos defensores de Mazagão manteve ainda por dois séculos a soberania de Portugal na veneranda fortaleza.
Mazagão mantém ainda hoje o seu traçado urbano original e muitas das ruas conservam nomes portugueses como a Rua da Carreira, a Rua Direita, a Rua da Nazaré, a Rua do Arco, a Rua do Governador, a Rua da Mina ou a Rua do Celeiro. O pioneirismo da fortaleza inovadora de Mazagão, peça-chave da evolução das fortificações modernas, abriu a porta à transição para o uso da artilharia, materializa em Marrocos pela primeira vez as novas teorias da fortificação abaluartada, que daqui seriam transpostas para a colonização da América, África e Ásia.

A sua eficácia enquanto estrutura defensiva ficou patente na sua inviolabilidade durante os cerca de 260 anos que serviu a coroa portuguesa. Mas a excecionalidade de Mazagão ultrapassa o simples conceito de fortificação, revelando-se também como um modelo de planeamento e construção da cidade, de transposição para o território de funções urbanas, instaladas segundo determinada escala, de acordo com princípios de racionalidade e sustentabilidade. Serão também estes conceitos da cidade que contribuirão decisivamente para o desenvolvimento do planeamento urbano moderno. 

Como diz Oliveira Martins, «o domínio português do Litoral de África é apenas um episódio da grande história das descobertas e conquistas ultramarinas e o seu merecimento serviu de escola para os guerreiros da Índia». A nossa História, aqui e ali, está cheia de atos heroicos, sempre em desproporção numérica, mas com um sentido do que é ser português, irrepreensível. Os portugueses que resistiram e venceram no cerco de Mazagão, não renegaram um passado cheio de ensinamentos e honra. As ordens eram, como sempre foram, para lutar pela honra e pela Pátria! E eles cumpriram! Saibamos nós cumprir, no orgulho e respeito por eles e por todos os outros que lutaram e se sacrificaram para levar Portugal e a civilização aos quatro cantos do mundo … 

O mundo está louco! E a dormir …

Sentado no sofá, ligo a TV e fico a ver as notícias do mundo. Às tantas, passam as imagens da destruição e devastação que o furacão Milton causou na Florida e são impressionantes. Logo a seguir, recuperam outras dos recentes incêndios de Albergaria, não menos chocantes. Mas, como não é nada comigo e até já tinha visto tudo isto, mudo de canal para ver um filme cómico, pois sempre é mais agradável. Que tenho eu a ver com os furacões do outro lado do mundo ou até com os incêndios no centro do país? Nada! Mas será bem assim? Dou comigo a pensar que, afinal, “temos (quase) todos a ver” com os furacões e os incêndios, as inundações e os nevões anormais, as secas e as ondas de calor, os tornados e os ciclones tropicais, pois contribuímos para eles todos os dias. Como? No que consumimos, queimamos, desperdiçamos, poluímos, estragamos, desmatamos, mineramos, cultivamos, enfim, no nosso estilo de vida. Uns mais que outros, contribuímos para o Aquecimento Global, a causa mais que provada das alterações climáticas e dos fenómenos extremos a que temos assistido, cada vez com mais frequência.

Já há 1.500 anos Platão falava sobre degradações ambientais que resultavam de atividades como agricultura, habitação e mineração. 

Depois, a industrialização provocou a maior revolução global e fez as pessoas acreditarem que têm o direito de dominar a natureza a seu belo prazer e transformar tudo em bens de consumo, mesmo que para tal seja necessário, e aceitável, destruir o meio ambiente na busca por mais produção econômica, para satisfazer as suas necessidades. E, para dar resposta à permanente insatisfação do ser humano ao entender que deve ter tudo, mesmo para além do necessário, nos países mais desenvolvidos entrou-se numa espiral de consumo de mais e mais, sem respeito pelos outros seres vivos e muito menos, pela “casa” comum onde habitamos. Foi assim que, manipulados pelo marketing, publicidade e pelo crédito fácil, nos tornamos “consumistas” em vez de consumidores, diria mesmo, “os grandes contribuintes para a desgraça” do nosso planeta. 

Os maiores culpados são os governos de todo o mundo porque é a eles que compete dar os passos fundamentais para as mudanças. Mas vivem a prometer aumentos na produção para se criar mais riqueza, ganhar mais, consumir mais, poluir mais e dar cabo disto tudo. Cabe-lhes tomar decisões e a implementação de regras que de fato tenham impacto na cadeia produtiva e protejam o meio ambiente. E, para além dos governantes, somos (quase) todos nós, cidadãos do mundo, que com mais ou com menos (in)consciência, consumimos sem conta, peso, nem medida, com consequências gravíssimas para o meio ambiente pelo excesso de produção de lixo, de que as montanhas de roupa usada e produtos eletrónicos descartados são mau exemplo, além da grande poluição gerada pelas indústrias produtoras de bens. Com a mania das grandezas, aumentamos significativamente a poluição ao construir mais casas e maiores que implica mais cimento, ferro e aço e consequente consumo de mais petróleo, carvão e gás para os produzir. Somos nós que fazemos desaparecer florestas e com elas a capacidade de armazenarem carbono, libertar o oxigénio, reter água das chuvas e trazer muitos outros benefícios para nós e para o meio ambiente. E somos nós que desperdiçamos água no banho, nas lavagens, rega e outras situações, um bem fundamental que vai a caminho da escassez. E desperdiçamos alimentos quando faltam a outros, que desperdiçamos eletricidade e outros bens com o nosso estilo de vida, o que tem um profundo impacto no planeta, cabendo aos mais ricos, pelos maiores excessos nos consumos, a maior cota de responsabilidade.

Todo o mundo defende um desenvolvimento sustentável e quem não o defende é louco. Houve cimeiras do clima e milhentos fóruns sobre como travar o pior, no entanto a maioria fica à espera de que sejam os outros a resolver o problema. Mas, com uma sociedade tão desigual, tão diversa e de antagonismos gritantes, como vai ser possível construir um consenso para travar os desmatamentos e a poluição e tudo o que está a descontrolar o clima?

Acreditar que os políticos façam alguma coisa de verdade é crer no impossível, pois eles são incapazes de tomar medidas impopulares para não perder eleições. E “vão empurrar com a barriga para a frente”, à espera de que o problema se resolva sozinho, fazendo com que “a culpa morra solteira”. Mas, também acreditar que cada um de nós vai fazer a sua parte, que vai poupar água, eletricidade, combustíveis, alimentos, reduzir a compra de roupas, calçado, plásticos, eletrodomésticos e aparelhos tecnológicos ao essencial, é acreditar no “pai natal”, pois é certo e sabido que, tirando uns maduros de quem nós diremos que “têm a mania que vão salvar o mundo”, mais ninguém fica a pensar no assunto e “assobia para o lado” porque “o outro é que têm a obrigação de fazer essas coisas”, “porque já estou velho para isso” ou “não estou para aí virado”.

O clima entrou em terreno desconhecido e os vídeos que vemos da devastação dos furacões não deviam deixar ninguém indiferente. Mas deixam. E a grande maioria faz o que eu fiz: pega no comando da televisão e muda de canal para ver algo agradável. O menu dos eventos climáticos extremos que ocorreram na Terra este ano tem de tudo e de que forma: nevões, secas, ondas de calor, incêndios florestais, ondas de frio, inundações, tornados e ciclones tropicais. Apesar dos avisos dados pelos cientistas, que estamos demasiado perto do ponto crítico a partir do qual as crises climáticas podem multiplicar-se, sobrepor e descontrolar, sem que a Humanidade tenha capacidade de prever e se adaptar, assobia-se para o lado. O fim do mundo que preencheu o imaginário de tantos e deu nome a livros e a filmes, poderá já não ser uma ficção científica. 

Temos um problema climático grave e há as diversas guerras que assolam o mundo, em atos de loucura que só é possível entre seres (des)humanos. E nem a literacia, o acesso à informação e todas as formas de conhecimento e saber conseguem meter juízo no grande número de governantes que não se importam de brincar com o fogo e a vida de milhões de pessoas. Como é possível continuar de braços cruzados enquanto os combustíveis fósseis e o consumismo desenfreado destroem o planeta? Como é possível permitir que os recursos naturais se esgotem a um ritmo nunca visto? Como é possível ainda comer, rir e ir para a cama descansado enquanto a humanidade caminha para o abismo? Estamos numa contagem decrescente para o apocalipse climático e a sociedade precisa de despertar do seu torpor. Foi o sistema que nos trouxe até aqui, mas é com ele ou sem ele que temos de sair desta crise. E se o sistema que nos trouxe aqui, com governantes e connosco, não encontrar uma solução, o clima encarrega-se de a encontrar para acabar com ele…

É caso para dizer, “cruzes, canhoto”!

Ao longo dos séculos, todo aquele que era considerado “diferente” da maioria era cruelmente perseguido e condenado pelos demais. E os canhotos, as pessoas que utilizam preferencialmente a mão e o pé esquerdo, encontram-se nesse grupo de “párias”. Assim, ser canhoto, nem sempre foi visto com bons olhos. Durante boa parte da história da humanidade quem escrevia com a mão esquerda sofria de certeza, preconceito cultural, social e religioso. E houve casos até de pessoas queimadas vivas por “tamanho sacrilégio”. O que já foi considerado bruxaria, maldição ou superstição é, tão somente, uma questão de genética.

Foi assim que, na Idade Média, os canhotos, especialmente mulheres sofreram perseguição implacável. No caso delas, todas as acusações de bruxaria baseavam-se na relação estabelecida nos textos antigos entre o lado esquerdo e o pecado e a tentação. Em tempos recentes e durante muito tempo, os pais, professores e as instituições de ensino pressionavam as crianças para usarem a mão direita ao invés da mão esquerda. Assisti a esse “filme” e vi um colega de escola a ser avisado, admoestado e contrariado para não usar a mão esquerda …

Desde sempre a mão direita tem sido associada a todas as coisas boas e puras, enquanto a mão esquerda é sinal de tudo que é profano, mau e inferior. Este simbolismo está presente em quase todas as culturas. Por isso, o lado esquerdo é evitado quase universalmente. Os antigos gregos e romanos consideravam o lado esquerdo inferior e profano, e nos tempos medievais, o uso da mão esquerda era ligado à feitiçaria. Na Nova Zelândia, o lado esquerdo é dedicado a demônios e ao diabo. Os muçulmanos acreditam que Alá fala às pessoas na orelha direita e o diabo na esquerda. Na era medieval, o diabo era representado com a mão esquerda estendida. Entre os índios americanos, a mão direita representa coragem e virilidade e a mão esquerda, morte. Na África, o direito é bom, esquerdo é mau. Em alguns países, uma esposa nunca deve tocar seu marido no rosto com a mão esquerda. Na América do Sul, a direita é boa, é vida, divino e a esquerda é feminina, ruim, má e mórbida. E onde começou tudo isso? Na … costela esquerda de Adão. No passado, como a mão direita sempre foi a dominante, a esquerda era usada para a higiene depois da defecação. Por isso, ninguém levava comida à boca com a mão esquerda, e algumas culturas ainda hoje consideram ofensivo cumprimentar alguém com a esquerda. Até mesmo nos gaúchos, passar a cuia de chimarrão com a mão esquerda é ofensa. E entre os árabes, qualquer texto santo só pode ser tocado com a mão direita. 

Todo aquele que utiliza mais os seus membros esquerdos do que os direitos para os seus afazeres, é vulgarmente conhecido por canhoto, podendo também ser chamado esquerdino, esquerdo e sinistrômano. Mas, afinal, se a maioria das pessoas faz tudo com a mão direita, por que algumas delas nascem com a esquerda predominante? O certo é que continuamos sem saber muito bem por que algumas pessoas são canhotas e outras são destras. 

Estudos revelam que os canhotos representam cerca de 10% da população, pelo que, como a grande maioria é destra, quase todos os aparelhos são projetados para ser usados ​​por estes, dificultando o seu uso e a vida dos canhotos. Como consequência disso, os canhotos acabam por ganhar salários menores darem menor rendimento pelo facto das maquinarias lhes serem adversas. Além disso, também correm maiores riscos de sofrer acidentes, precisamente porque os equipamentos são feitos para ser usados com a mão direita e não com a esquerda. Nascer canhoto num mundo feito para destros não é fácil. Segurar uma caneca ou usar uma tesoura, por exemplo, podem ser tarefas surpreendentemente difíceis para essas pessoas, tal como teclados, facas, abridores de latas, saca-rolhas, serras, tornos e outros objetos produzidos e pensados para usuários destros. Mesmo que alguns objetos sejam inofensivos, como os teclados, serras, tornos, facas e abridores de latas, estes podem causar acidentes graves a pessoas canhotas. Apesar de tudo isso, os canhotos passaram de uma situação em que eram vistos como deficientes (o sinistrum do latim tinha até uma conotação moral), para uma situação oposta em que se começaram a encontrar-lhes muitas, e boas, virtudes. É caso para dizer, “cruzes, canhoto”!

E que é ser canhoto?
Ser canhoto é ser um jogador genial como Diego Maradona ou Messi. Ser canhoto é ser guerreiro como Alexandre, o Grande ou estratega como Napoleão Bonaparte; ser canhoto é ser génio da Matemática e da Física como Newton, da música como Beethoven e até da Física moderna como Einstein; ser canhoto é ser o maior génio da história como Leonardo da Vinci pela multiplicidade de artes e ciências em que se destacou; ser canhoto é ser o melhor piloto da história da F1 como Senna e o melhor guitarrista da história do rock como Hendrix; ser canhoto é ser um génio da pintura como Michelangelo, Rafael ou Picasso; ser canhoto é ser excecional atriz ou ator de cinema como Marilyn Monroe, Julia Roberts, Bruce Willis ou Tom Cruise; canhoto é ser um músico e compositor genial como Paul McCartney, Paul Simon ou Bob Dilan; ser canhoto é ser um pacifista como Gandhi; o canhoto é ser um presidente dos USA como Reagan, Bush, Clinton e Obama; ser canhoto é ser um escritor como Mark Twain. Ser canhoto é ser um tenista como Rafael Nadal. 

Ser canhoto é, enfim, ser o que quiser ser, podendo mesmo vir a ser o melhor, como estes e tantos outros que deixaram o seu nome gravado para a posteridade a letras de ouro, provando que, ser canhoto, só por si, não condicionou ninguém a ser o que sempre desejou. Mas, a perseguição de que foram alvos, deixará uma pergunta no ar que nunca terá resposta: Com a fobia e perseguição aos canhotos, quantos talentos não terão sido sufocados ao longo da história e que a história irá ignorar para sempre? 

Nada substitui o tempo que se lhes dá! (2)

O tempo é um recurso finito: usou, acabou. Se não o gerirmos bem, algo ficará por fazer. Horas diárias nas redes sociais deixam alguém de fora. Não queira fazer isso com os filhos, cônjugue, família, amigos e consigo, para estar satisfeito com a vida. E se não for capaz de se organizar para poder dar-lhes tempo na infância e adolescência, pelo menos, se calhar é melhor pensar no assunto antes de os ter. Se já os tem, pense nisso e não arranje desculpas porque assumiu muitíssimas responsabilidades quando decidiu ser pai ou mãe. Ou acha que não?

É que, os primeiros responsáveis pelo desenvolvimento das relações sociais duma criança são os pais: pai e mãe. O cérebro do bebé é como uma esponja que absorve tudo o que vem do que o cerca e, é natural, a criança tem desejo de explorar e aprender sobre tudo isso. Daí inundar a todos com uma enxurrada de perguntas, que devem ter respostas de qualidade e exemplos. Embora se possa justificar a falta de tempo, bom será reforçar a importância de ser modelo para os filhos e de poder dedicar-lhes tempo em qualidade e quantidade, porque esse tempo em quantidade e qualidade deixa marcas profundas, dá autonomia, inspira confiança, molda padrões, estabelece regras, forma amigos. Por isso, seja justo consigo e com seu filho, deixe que assimile da sua conduta e não deixe esse privilégio para outros. “Ensine bondade demonstrando bondade, as boas maneiras, praticando-as, a meiguice, sendo meigo, a honestidade e a veracidade, exemplificando-as”.

E para se inspirar, que tal aprender com exemplos como o de Vera. Quando lhe nasceu o primeiro filho foi-lhe diagnosticado autismo e apesar de ser a responsável de metade das lojas de uma multinacional no nosso país, uma situação invejável, abandonou a empresa para se devotar unicamente a ele. Foram anos de dedicação sem limites, lendo, informando-se, acompanhando-o a todos os lados. Dez anos depois ela e o marido decidiram ter outro filho. E veio então novo rapaz … autista. Passaram a ter dois filhos com autismos distintos e personalidades às avessas, a ser seguidos por terapeutas com tratamentos diferenciados. Mas, como a magia ou os milagres às vezes acontecem, conseguiram agilizar o relacionamento entre os dois. E Vera continua dedicada de corpo e alma aos seus amores que, apesar das dificuldades, a fazem sentir muito feliz. 

Por cá existem mais casais com dois filhos autistas e são-lhes de uma dedicação extrema! E não posso deixar de lembrar a Daniela que optou após a nascença por dar o seu tempo por completo ao filho, também ele autista, numa dedicação que deveria fazer corar de vergonha os pais comuns de crianças comuns, que praticam o extremo oposto …    

Já Marisa, recém-casada e a viver no rés do chão da casa dos sogros, ao saber que ia ter 3 filhos de uma “assentada”, chorou, mas mais chorou ao saber que um deles tinha paralisia cerebral e poderia não chegar a andar, falar, respirar, enfim, a viver. Deixou o emprego que tinha e assumiu o de Mãe a tempo inteiro e o compromisso de que a filha um dia iria andar. E a sua vida tornou-se numa roda-viva entre consultas médicas e tratamentos diversos. Contrariando a previsão de alguns clínicos, Susi foi equilibrando o corpo, começou a gatinhar, apresentou melhoras significativas. Com a posição dos pés em pontas a impedir de andar, foi sugerida uma cirurgia no México aos três anos de idade e lá foi, com a total solidariedade económica e emocional da família. E Susi já passou a dar alguns passos sem apoio e foi melhorando, até que um cirurgião russo lhe recomendou nova cirurgia em Madrid, aos seis anos, renovando a esperança. Criou uma rifa para fazer dinheiro e uma amiga desencadeou uma angariação de fundos, que lhe permitiu levar a filha a ser operada em Madrid com sucesso e entrar num processo de recuperação com tratamentos, terapias e duas novas cirurgias, que lhe permitiram tornar-se autónoma e estar quase a concluir o secundário.

E cresceu como pessoa e mulher, tomando consciência do que é verdadeiramente importante nesta vida, do que tem significado. 

Queixa-se da vida? Não, nem pensar. Pensa até que toda a gente devia passar por uma provação como a sua, para poder crescer e encontrar um objetivo digno para viver.      

Daquilo que para a maioria das pessoas seria uma cruz, e para ela tem sido bem pesada, ela fez dela a sua redenção, a sua bênção, o significado para a sua presença aqui. E diz, com um sorriso nos lábios: “Se Deus me deu de uma vez três filhos para tomar conta, tendo um deles problemas de saúde tão graves, por alguma razão foi. Porque ELE sabe o que faz.”  

Há dias assisti à celebração de uma missa e, no banco à minha frente, estava uma mãe relativamente jovem acompanhada por uma menina de 8 a 10 anos, com sinais duma doença cromossômica. Do início ao fim aquela mãe deu uma lição de amor e dedicação à sua filha como nunca vi. Sempre de sorriso no rosto, irradiava um brilho nos olhos de alegria e felicidade pela preciosidade que tinha a seu lado, fazendo-a seguir as diversas fases da celebração. Em momento algum deixou de dar atenção à sua filha “especial” e sorrir, cobrindo-a de carinho numa lição de entrega e amor, sem olhar à doença e suas limitações. 

Como a “cereja em cima do bolo”, o padre celebrante na homilia, referindo-se à leitura do evangelho, disse que “Jesus deseja que cada um aceite e carregue a sua cruz, pesada ou leve, boa ou má, com alegrias e tristezas, sem revolta ou mágoa. E ao ver aquela mãe abraçada à filha “especial”, numa imagem de felicidade, não pude deixar de pensar que Jesus a terá enviado como o exemplo acabado e perfeito de “como todos nós deveríamos carregar a cruz que nos tocar”, com razões dobradas para quem tem filhos sem doenças ou outras limitações em que a “cruz será bem mais leve e mais fácil de carregar” … 

Para estas mulheres e mães, a Teresa enviou-me a sua definição de “Mãe”: “Termo usado para designar um coração capaz de amar infinitamente. É sentir por dois, sorrir por dois, sofrer por dois, é dar o melhor de si duas vezes. É aquela que cura com um abraço e que sara a ferida com um beijo. É aquela que dá à luz AMOR.”

Nada substitui o tempo que se lhes dá! – 1

Diz-se que a maioria dos portugueses não tem dinheiro para ter uma vida digna, nem tempo para viver. Ora, se não tem tempo para viver, como tem tempo para ter filhos? Não, não falo no “tempo para fazer filhos”, isso é fácil e até é gostoso. Quem não gosta? Falo no tempo que é necessário para se lhes dar e dedicar. Quase sempre, tem-se filhos para outros criar, pois ainda pequeninos são entregues aos cuidados de familiares, quando há essa sorte, ou de desconhecidos se não se tem outra opção, numa ginástica operacional e orçamental nada fácil. Mas é triste saber que não seremos nós a ouvir a primeira palavra do nosso filho, nem a vê-lo dar os primeiros passos e a estar lá para o confortar na primeira queda. E ao conciliar a vida familiar com a profissional, alguém fica a perder e o elo mais fraco é sempre a criança. Tentamos encontrar justificações por não sermos nós a tomar conta deles, mas são razões económicas, em regra, pois necessitamos de dinheiro para comprar o que precisamos … e até do que não precisamos! E como não temos tempo porque, alegadamente, trabalhamos tempo demais, então que disponibilidade teremos para dar tempo aos filhos? 

A verdade é que (quase) toda a gente diz não ter tempo para eles porque tem (quase) sempre outras prioridades, que muitas vezes não passam de meras desculpas. Ora, se não se lhes dá tempo, não é de espantar que se recorra a todas as estratégias e mais uma para distrair e entreter as crianças, “comprando-se-lhes” o tempo ao dar-se tudo o que pedem sem questionar, com consequências trágicas na educação e na formação desses futuros adultos. E o smartphone é o substituto perfeito para fazer o papel de pai e mãe – o pai vê o futebol na televisão quando o filho lhe diz: “Pai, vamos brincar”? E o pai estende o braço para lhe entregar o smartphone enquanto diz: “Agora não, joga ou vê um vídeo”! É assim que a maioria dos filhos hoje tem tudo, só não tem aquilo que mais deseja: o tempo e a atenção dos pais! Mas podem dormir descansados pois a fatura de não se ter tempo chegará anos mais tarde, quando forem eles a não ter tempo para conceder aos pais, devolvendo-lhe em dobro aquilo que deles receberam …

Robert Keeshan, alertou para as consequências dessa falta de tempo, contando: “Uma menina, de dedo na boca e boneca nas mãos, aguarda impaciente a chegada dos pais. Quer contar uma coisa que aconteceu. Na hora, o pai chega. Mas ele, arrasado pelo stress do trabalho, muitas vezes diz à menina: “Agora não, estou ocupado”, “estou cansado” e “vai ver televisão”. Mas, se não é agora, é quando? “Mais tarde”. “Amanhã”. Mas esse “mais tarde” e esse “amanhã”, raramente chegam …

Passam-se anos, a menina cresce. Dão-lhe brinquedos, um telemóvel, roupas de marca, mas não lhe dão o que ela mais quer: algum do seu tempo. Agora tem catorze anos seus olhos estão vidrados e sentem que está envolvida nalguma coisa. “Querida, o que se passa? Fala comigo”! É tarde demais. O amor já passou por ali e foi-se … A criança que não encontra amor nem apoio quando mais precisa, tende a ir procurá-lo na adolescência em outros jovens, para substituir essa carência. E pode ser desastroso. Nessa altura, palavras, conselhos ou explicações, nada mais significam e falar de amor soa a falso, porque já não existe mais cumplicidade nem confiança na relação. Robert conclui: “Quando nós dizemos a um filho: “Agora não”, “mais tarde”, “vai ver TV” ou “não faça tantas perguntas”; quando deixamos de lhe dar aquilo que ele quer de nós, nosso tempo; quando não lhe damos atenção; não é que não nos importemos, mas só estamos demasiado ocupados para o atender com algo que dizemos ser importante e é só uma questão de prioridades”. Porque os pais são os grandes responsáveis para ensinar os filhos a reconhecer, controlar, ter empatia e lidar com os sentimentos que os acompanharão por toda a vida, ainda que algumas aptidões sejam aperfeiçoadas com os amigos ao longo da infância. E a falta de tempo não traz consequências só para a criança/adolescente, mas também para os pais que não desfrutam da companhia deles ao longo do seu crescimento. 

Felizmente, tem vindo a aumentar o número de pais que colocam os filhos como primeira prioridade, sobretudo na infância e adolescência, a altura mais crítica na sua formação, arranjando tempo para com eles estudar, explorar, brincar, descobrir, inventar e fazer todo o tipo de atividades, estabelecendo-lhes regras e criando uma cumplicidade que irá certamente durar para sempre e ficarão como boas recordações na sua memória. E, é verdade, são muito mais do que imaginamos. Ainda hoje encontrei e falei com dois Pedros, dois pais de crianças pequenas, perfeitamente sensibilizados para isto. Um demitiu-se do emprego que tinha no Porto, muito bem remunerado, a partir do momento em que foi pai, tendo vindo trabalhar para perto de casa apesar do salário ser inferior. Recuperou as cerca de três horas diárias de viagem que lhe são úteis para se dedicar ao filho o que “tem sido excecional”. O outro, com dois rapazes, reduziu o horário de trabalho para estar com eles na fase crucial, “dando-lhes tanto tempo a eles como o meu pai me deu a mim e pela importância que isso teve para ser a pessoa que hoje sou”. É curioso que esta decisão tenha sido muito criticada pelos colegas de trabalho, ao ponto de comentarem que “ele está a perder tempo a mais com os filhos”. 

As crianças precisam de se sentir amadas e queridas e de ver as suas necessidades atendidas. Precisam de tempo com os pais para os ver e observar enquanto exemplos e modelos. Precisam de tempo dos pais para poderem aprender, exercitar a dúvida, debate, a troca de ideias e de sentimentos e a argumentação. Mas, mais do que quantidade, é bem preciso “tempo de qualidade”. Pais eficientes são os que chegam a casa, depois dum dia de ausência, com saudades, e largam tudo para abraçar os filhos, brincar com eles e fazê-los sentir que são amados, antes de ver os e-mails, arrumar as compras ou ver televisão. Aí, sim, os filhos estão em primeiro lugar …