Ser ou não ser extraordinário. Eis a questão …

Em miúdos, e não só, todos nós sonhamos ser extraordinários, vestir a capa de super-herói, ser bestiais em todas as áreas da vida. Mas, na realidade, somos quase todos medianos, bastante medianos mesmo. E até quando somos bons em alguma coisa, o mais provável é que sejamos médios ou abaixo da média na maioria das outras. É assim a vida. Para que alguém se torne verdadeiramente excelente nalguma coisa tem de lhe dedicar muito tempo e energia. E como estes nos são limitados, muito poucos se tornam verdadeiramente excecionais em mais do que uma coisa, se tanto. Pode-se dizer que é improvável que alguém seja extraordinário em todas as áreas da vida ou mesmo em muitas áreas. 

É por isso que os empresários brilhantes têm muitas vezes uma vida pessoal lixada. Atletas extraordinários são muitas vezes frívolos e brutos como calhaus. Celebridades que admiramos estão tantas vezes perdidas quanto as olhamos embasbacados. Gente que conseguiu ganhar fama e muito dinheiro acaba morta por suicídio.  Em geral somos medianos, mas são os extremos que têm toda a publicidade. Por isso, todos os dias somos bombardeados com o verdadeiramente extraordinário. O melhor do melhor ou o pior do pior. As maiores proezas físicas, as piadas mais engraçadas, as façanhas mais incríveis. E também as notícias mais perturbadoras e chocantes, as coisas mais exóticas, aberrantes e imbecis. Porque no negócio da comunicação social é isso que faz arregalar os olhos e os olhos arregalados trazem dinheiro. Ora é isso que interessa. Contudo, a grande maioria da vida é até bastante mediana.                                                                                                                                        Esta onda de informação do extremamente fantástico, excecional e aberrante nos meios de comunicação e redes sociais até nos leva a acreditar que o extraordinário é o “novo normal”. E, porque somos quase todos medianos, ao sermos encharcados com a informação do excecional, pode fazer-nos acreditar que não somos suficientemente bons e que se passa algo de errado connosco. E isso traz problemas sérios à sociedade porque muita gente acha que “também tem esse direito de ser excecional”. Assim, a inundação do excecional faz com que as pessoas, sobretudo jovens, possam ficar mal consigo e fá-las sentir que precisam de ser mais extremas e mais radicais para que reparem nelas ou para ter alguma importância face a esses padrões irrealistas que não conseguem atingir.

Na cultura ocidental tornou-se comum acreditar que estamos todos destinados a fazer algo extraordinário. É isso que dizem os políticos. Também é o que dizem as celebridades, além dos magnatas e gurus. Que todos merecemos a grandeza. E é a pensar nisso que muitos pais levam os filhos para as escolas de futebol e alguns, na ânsia do “tem que ser”, fazem cenas ridículas ao querer a todo o custo que o filho tenha sucesso, talvez para que ele consiga dar-lhe aquilo que ele não conseguiu ter na vida: ser extraordinário. Se pensarmos bem vemos que, se fôssemos todos extraordinários, isso seria a “normalidade” e assim passaríamos a ser “normais”. Em função dessa exaltação do ser “extraordinário”, ser “médio” tornou-se o padrão do fracasso, pois o pior sítio para se estar é no meio do rebanho. Quando o padrão de sucesso é o extraordinário, é preferível estar no extremo mais baixo do que no meio. Pois lá em baixo e pelos piores motivos, continua-se a ser muito especial e a poder merecer atenção, quanto mais não seja da comunicação social. Alguns escolhem a estratégia de provar a toda a gente que são os mais infelizes, os mais oprimidos ou as maiores vítimas. Ou então ser os piores dos piores porque lá estarão os meios de comunicação social para lhes dar tempo de antena como se fossem especiais. E a verdade é que são, mas pelas piores razões …                                                                                                 As raríssimas pessoas que se tornam verdadeiramente excecionais nalguma coisa não o fazem por acreditarem que são excecionais. Pelo contrário, elas tornam-se fantásticas porque estão obcecadas pelo aperfeiçoamento e essa obsessão vem da crença de que ainda não o são, o que os leva a esforçar-se mais e mais, pois sabem que só com o trabalho, esforço e sacrifício é possível ambicionar tal desígnio. Toda esta história de que “toda a gente pode ser extraordinária e atingir grandeza” não é mais do que uma mentira piedosa para fazer cócegas ao ego de cada um, a nova miragem do mundo ocidental.

A receita para a nossa saúde emocional é aceitar verdades correntes como “As tuas ações, na verdade, não contam assim tanto no grande esquema das coisas” ou “A maior parte da tua vida será monótona, de rotina, anónima e sem nada digno de nota e isso não é um problema”. Vai saber muito mal reconhecer que não seremos extraordinários, mas depois seguimos em frente já sem essa pressão constante de ter de ser fantástico. E vem a consciência e aceitação da nossa existência neste mundo, livres para fazer o que desejamos, sem críticas nem as expectativas altas. E pode-se apreciar melhor os prazeres da amizade simples, de criar alguma coisa inclusive os filhos e uma família, de rir com alguém que se ama, de dar tempo aos outros.

Parece chato para quem se farta de ouvir falar constantemente nos excecionais e fantásticos, mas já há muito que se confirma a teoria de que a felicidade está nas coisas simples, nas coisas vulgares da vida. Porque, vendo bem, são aquilo que na verdade importa …

Mas não esqueçamos que, a qualquer momento da vida, podemos ser chamados a ser simplesmente extraordinários, se o acaso nos tornar em “cuidador informal” de um filho, esposa, marido, outro familiar ou até amigo. Tal como o são hoje centenas de milhares de portugueses. Quando confrontados com o drama de uma doença incapacitante, de acidente ou deficiência de alguém que lhes é próximo, arregaçaram as mangas e sacrificaram a sua vida pessoal e profissional por amor incondicional ao colocarem os interesses do “outro” à frente dos seus, já que foram esquecidos por quem de direito. Tem um custo? Se tem! Mas vai sentir-se recompensado se o fizer de alma e coração. E então, quem o conhecer vai achá-lo verdadeiramente “extraordinário”.                                                   Faço-lhe um aviso prévio: Não fique à espera de que a comunicação e as redes sociais promovam o seu desempenho porque o consideram extraordinário. Esqueça. Não o vão fazer. Porque para eles isso não vende, não é negócio, não dá dinheiro … 

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