A partir do momento que perdemos a inocência natural da infância, percebemos que a vida é uma forma de sofrimento, um amontoado de problemas que se sucedem continuamente. O rico sofre por causa das suas riquezas enquanto o pobre sofre por causa da sua pobreza. As pessoas sem família sofrem por não terem família enquanto as pessoas com família sofrem por causa desta. Aqueles que procuram os prazeres terrenos sofrem por causa dos prazeres terrenos, mas os que se abstêm desses prazeres sofrem pela sua abstenção. E até o ditado diz: “Quem tem filhos tem cadilhos e quem não tem cadilhos tem”. Dizia-me o meu filho que futebol é sofrimento porque, quando assiste a um jogo do seu clube, se ele está a perder sofre, mas se está a ganhar, continua a sofrer com medo de que o adversário marque a qualquer momento e inverta o resultado. Mas não sendo o sofrimento todo igual, a verdade é que todos nós temos de sofrer. Daí que, a dor e a perda são inevitáveis e deveríamos deixar de tentar resistir-lhe e aceitá-las sem negação e sem vitimização. Nós sofremos pela simples razão de que o sofrimento é útil na nossa vida. É a forma que a natureza encontrou para nos levar a mudar. Se andar descalço cá em casa e der um pontapé descuidado num móvel que estava quieto e não se meteu comigo, vou dar um berro e soltar um palavrão contra o móvel “que não teve culpas no cartório”. Mas, por muito que a odeie, esta dor é útil. É a dor que nos ensina a não ser descuidados e a prestar mais atenção, especialmente quando somos jovens. Mostra-nos o que é bom e o que é mau. Também nos ajuda a compreender e conformar-nos com as nossas limitações. Ensina-nos a não fazer asneiras, a não tocar no lado afiado da faca porque corta e magoa, a não pôr a mão no fogo ou no disco do fogão quente porque queima, a não enfiar um objeto metálico numa tomada elétrica pois dá choque e a ter cuidado com uma agulha ou qualquer coisa afiada porque pica. Assim, nem sempre é benéfico evitar a dor, viver numa redoma com todas as necessidades e desejos satisfeitos, visto que a dor pode, por vezes, ser de importância vital para o nosso bem-estar. Tal como a dor física, também a dor psicológica nos traz sofrimento e é sinal de que algo não está bem. Se a namorada de quem gostávamos muito de repente nos trocar por outro, sentimos a dor da perda e da traição, que não é menor do que a dor física. E também essa dor nem sempre é má ou indesejável. Assim como a pancada com o dedo do pé no móvel nos ensina a não esbarrar com este ou outros, também a dor emocional da rejeição ou do fracasso, ensina-nos a evitar os mesmos erros no futuro. Ora, numa sociedade que cada vez mais se tenta proteger dos inevitáveis desconfortos da vida, perdem-se os benefícios de experimentar doses saudáveis de dor, uma perda que pode desligar-nos da realidade do mundo que nos rodeia. E não há uma vida sem dor, nem sem problemas. Não existe. Temos de aceitar a ideia de que teremos sempre de sofrer alguma coisa. Façamos o que fizermos, a vida é composta por muita coisa pois a par dos sucessos, ganhos, alegrias e da própria vida, também tem à mistura as perdas, fracassos, remorsos e até a morte. Por isso, a partir do momento que aceitarmos com naturalidade todo o sofrimento que a vida nos atira, sem revolta nem vitimização, estaremos em condições de ultrapassar a dor. Os problemas são uma constante da vida e dela fazem parte. Quando resolvemos um problema muitas vezes estamos a criar outro. Se eu comprar um carro a crédito para resolver o transporte pessoal, passo a ter o problema da prestação mensal. Se pagar a inscrição no ginásio para resolver a falta de condição física, crio problemas novos porque tenho de me levantar cedo para chegar a horas, de suar durante uma hora ou mais na elítica, passadeira e outras máquinas de tortura para abater a barriga e criar músculo. Não podemos esperar uma vida sem problemas. Isso não existe. Apenas são trocados ou sofrem alterações tipo “upgrades”. Em vez disso, vamos pedir uma vida cheia de bons problemas. E, sejam quais forem os problemas, só há uma forma de seguir em frente: resolvê-los para ser feliz. Infelizmente, para muitos de nós a vida não parece ser tão simples e arranjamos dificuldades ao adotar uma postura de negação do problema ou de vitimização. Ora, isso não ajuda a resolver nada. Ao negar a realidade, escondemos o problema, nada mais, e ao vitimizarmo-nos procurando culpar os outros ou as circunstâncias externas pelos nossos problemas para nos sentirmos melhor a curto prazo, acumulamos raiva e desespero. Normalmente as pessoas culpam os outros pelos seus problemas pela simples razão de que é fácil e sabe bem, ao passo que resolvê-los é difícil e frequentemente desagradável. Quanto mais tempo evitarmos e mais tempo ficarmos entorpecidos, mais doloroso será quando nos decidirmos enfrentar as nossas questões. Os nossos problemas são recorrentes e inevitáveis. A pessoa com que casamos é a pessoa com quem brigamos. A casa que compramos é a casa que temos de reparar. O emprego de sonho que arranjamos é o que nos causa stress. Esta é uma pílula difícil de engolir, porque nos agrada a ideia de que existe a forma suprema de felicidade que pode ser atingida, de que podemos aliviar sempre todo o nosso sofrimento e de nos sentirmos realizados e satisfeitos com as nossas vidas para sempre. Mas não podemos. As pessoas querem um corpo magnífico, mas isso só é possível com a muita dor e o esforço de viver no ginásio, hora após hora, e planear e controlar ao pormenor tudo o que come. As pessoas querem lançar o seu negócio, mas ninguém tem sucesso se não se sujeitar ao risco, aos fracassos repetidos, à incerteza, às horas insanas devotadas a algo que pode não render nada. As pessoas querem um parceiro, marido ou mulher, mas não se atrai alguém maravilhoso sem aceitar tensões, superar rejeições e diferenças. O que determina o sucesso não é “de que quer desfrutar?”, mas “que dor deseja suportar?”. O prazer é a questão fácil, todos o queremos. A questão é “qual a dor que quero suportar?”. Porque não há recompensa sem luta nem vitória sem batalha. As pessoas que lutam e sofrem no ginásio são as que correm triatlos e têm abdominais esculpidos. Quantos de nós, sentados na comodidade do sofá, não os invejamos? Mas não queremos a dor do seu sofrimento, mas só o resultado. E não há colheita sem o trabalho e o sofrimento de quem cultiva …