Heróis à força, mas … Heróis

Ninguém quer estar doente, muito menos receber a notícia de que tem uma doença grave pois nunca imaginou que um dia lhe bateria à porta. Mas pode chegar a qualquer momento e quando menos se espera já que não somos diferentes dos outros. Na roleta da vida as doenças vão sendo distribuídas por toda a gente, sem exceção, numa lotaria em que o “prémio”, grande ou pequeno, pode tocar a qualquer um e não há como dizer “não quero”. É de aceitação obrigatória.

Rosalinda (nome fictício) ainda estava distante dos sessenta anos quando começou a sentir algumas dores na mama até notar um pequeno nódulo com os dedos. Conhecendo o historial de algumas vizinhas, começou a supor o pior e falou disso ao marido. Ao outro dia foram ao médico, que a mandou fazer uma mamografia. Estava sozinha no hospital quando recebeu o resultado e viu confirmada a sua suposição de que tinha cancro da mama. Apesar das suspeitas, foi “como se o mundo lhe caísse aos pés”, confessa. “Chorei como já não o fazia há muito tempo. De tal forma que, quando liguei à minha nora que estava ali perto, não consegui sequer dizer-lhe o que era. Mas ela entendeu e apareceu para me apoiar. A partir daí percebi que não valia a pena chorar. Aquilo era para mim e tinha de o enfrentar sem receio, mas com esperança, tendo a Nossa Senhora de Fátima como minha protetora. Fui tratada no IPO onde fiz cirurgia, quimioterapia e radioterapia. Aceitei com resignação todo o tipo de tratamentos que os médicos e enfermeiros me aconselharam, seguindo à risca os seus conselhos, pois eles é que sabem qual a melhor maneira de cuidar de nós. Avisaram-me sempre previamente do que iria acontecer a seguir e quais as consequências. Quando me disseram que o meu cabelo iria cair e me aconselharam a cortá-lo curto para que o choque não fosse tão grande, eu assim fiz, se bem que nunca quis usar peruca porque não senti vergonha de mim por não ter cabelo. O choque sempre foi para as outras pessoas. Hoje dou graças a Deus por poder fazer a minha vida normal e estar de volta”. 

Há algo que Rosalinda valorizou muito durante o combate à doença: o extraordinário apoio da família e amigos, um pilar fundamental da sua recuperação. E a sua Fé e devoção a Nossa Senhora de Fátima, que lhe deu forças e esperança de vencer o cancro, essa doença cujo nome só por si, é um monstro que causa muito medo. 

Já Mariana não teve a mesma sorte. Também diagnosticada com um cancro da mama teve de retirar uma completamente, para além de se sujeitar a tratamentos de quimioterapia e radioterapia. Depois do choque inicial que a fez chorar muito, acabou por aceitar e encarar os tratamentos como o caminho certo para ultrapassar esse momento difícil. Mas, apesar da doença ser um fardo seu, houve quem não se tenha aguentado e aproveitou a sua fragilidade para a abandonar no momento em que ela mais precisava de solidariedade e apoio: o seu marido pediu o divórcio deixando-a só, com um filho de tenra idade. Valeu-lhe o apoio incondicional de algumas amigas e ainda de outras doentes do IPO a quem se dedicou de alma e coração, ajudando-as a levantar o ânimo de que tanto precisava também.                                                              O diagnóstico do cancro é quase sempre o momento mais crítico da doença. Perde-se o chão, o mundo desaba e parece que é o fim, pois trata-se de uma doença com uma carga negativa muito forte e que carrega um estigma, embora hoje já não corresponda à realidade.  Nos primórdios do século XX a sociedade via o cancro como uma condenação à morte, o que ainda faz com que muitas pessoas não acreditem que um tratamento adequado pode levar à cura. A falta de informação e a crença de que não tem cura acabam por gerar o medo e esse medo muitas vezes faz com que a pessoa não queira saber se tem algum tumor maligno, adiando o diagnóstico e a possibilidade de um tratamento eficaz.

Com 27 anos Liliana nem queria acreditar no que o médico lhe dizia: “Tem cancro”! Ficou apática até entrar num choro convulsivo. Pensou que ia morrer, porque sempre ouvira muita coisa má sobre a doença. “Será que vou morrer? Será que vou ficar sem seios? Irei aguentar o tratamento”? Apesar de se considerar uma pessoa forte, percebeu que não era assim tão forte quando quis desistir do tratamento logo na segunda sessão de quimioterapia. Mas, com a ajuda da mãe e dos amigos não desistiu. Acabou por descobrir no tratamento um meio para atingir o fim e o medo e a incerteza iniciais foram diminuindo com o tempo. A cirurgia da mama foi uma etapa vencida, tal como a quimioterapia, apesar dos enjoos, náuseas e outras reações. Mas foi a queda do cabelo que mais lhe custou, apesar de estar de sobreaviso. Chegou a cortá-lo tipo Chanel, mas não adiantou. Quando começou a cair em tufos, ficou chocada e acabou por aceitar rapá-lo, mas achou horrível. Inicialmente nem se queria ver ao espelho, mas depois foi-se acostumando até festejar o nascimento de qualquer cabelo. Como também se foram as sobrancelhas, pestanas e todos os pelos do corpo o que viu como uma vantagem: “Já não precisava de gastar dinheiro a depilar-se”. E, com o tempo, passou a olhar o lado bom das coisas, em especial o sentimento de gratidão. Gratidão a Deus que, diz, sempre esteve na sua vida, embora ela andasse tão desatenta da sua fé. Mas Ele nunca a abandonou. Gratidão por ter a mãe por perto, sempre a cuidar dela. Gratidão pelos amigos maravilhosos que estiveram bem presentes o tempo todo, apoiando e incentivando. Gratidão por ter um namorado compreensivo, paciente e companheiro. Gratidão por ter perdido o cabelo e não a cabeça. Gratidão ao passar a ver a vida de forma diferente, com mais amor e paciência.  

Apesar dos grandes avanços conseguidos na luta contra o cancro, não temos dúvidas que continua a ser uma doença assustadora que deixa em pânico os mais informados. E de tal forma o é, que muitas pessoas ainda hoje se recusam a pronunciar a palavra “cancro”, substituindo-a por “mal ruim”, como se ao dizê-lo o possam atrair. Fazer frente à doença depois do choque terrível a que ninguém escapa ao ouvir o diagnóstico como se fosse uma sentença, é um ato heroico, o desafio de uma vida que merece ser relevado e digno de louvor.

As mulheres que aqui trouxe, todas elas com cancro da mama, fazem parte de um número imenso de pessoas que fez da sua vida uma luta constante e persistente no combate à doença, caindo e levantando-se de seguida, sofrendo, mas fazendo das tripas coração, percorrendo um caminho de derrotas e vitórias, tantas vezes a lutar ao mesmo tempo contra outras adversidades da vida pessoal num combate de várias frentes que se torna violento e difícil, num manancial infinito de histórias comoventes e heroicas. Trazê-las aqui é render homenagem a gente que nós conhecemos, mas a quem tantas vezes não soubemos ou não conseguimos levar conforto e força de ânimo por múltiplas razões, a começar pelo nosso egoísmo e falta de solidariedade. E percebemos melhor que nunca a importância dessa solidariedade quando somos nós a apanhar o choque de um diagnóstico que, apesar dos avanços da medicina, continua a ser terrivelmente assustador …     

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