Cá em casa sou eu que preparo o meu pequeno almoço. O ritual e os passos são sempre os mesmos: ainda em jejum, bebo um copo de água (no inverno aqueço-a ligeiramente no micro-ondas durante 35 segundos. Sempre). Depois, coloco na mesa da cozinha um tabuleiro com uma colher de sopa e uma tigela (a minha). Encho-a até um dedo abaixo do bordo com bebida de soja (vulgarmente conhecida como leite de soja), um quarto de litro mais coisa menos coisa. Levo-a ao micro-ondas durante 1 minuto e 30 segundos e, enquanto aquece, vou à sala retirar um medicamento e dois do armário na cozinha bem como o pacote de flocos de cereais. E é quando toca a campainha do micro-ondas a avisar que está quente. Com duas pegas retiro a tigela que volto a colocar no tabuleiro e tiro da lata de bolachas uma para a cliente do costume: a minha cadela Becas. Sento-me, mexo a bebida e, à medida que vou colocando flocos vou comendo, porque gosto de os sentir a estalar na boca. A cada quatro colheradas a Becas tem direito a um bocado da bolacha Maria. Faço coincidir o final do meu pequeno almoço com o último bocado de bolacha e arrumo tudo pela mesma ordem. Todos os dias cumpro este ritual, sem alterações de monta, como se o momento fosse reproduzido por uma cassete gravada. A mesma cena repetida ao longo dos dias, semanas, meses e anos.
Esta é uma cena diária, repetitiva, um hábito que não sofre qualquer alteração. Mas há muitos mais. Desde que acordo, a forma como o faço, como me levanto, o roupão, o telemóvel, a casa de banho, o cortar a barba, o banho e tantos outros ritos que se repetem dia após dia, ano após ano, sendo cada gesto, ato ou tique algo muito pessoal, mas sempre igual. Porquê? Porque sou um animal de hábitos.
Ao longo da vida, especialmente quando adultos, adquirimos hábitos. Uns podem ser bons e outros ruins. Alguns ajudam-nos a progredir e seguir em frente, enquanto outros não passam de um travão. Daí que a qualidade da nossa vida é o reflexo dos nossos hábitos, bons, ruins ou nem uma coisa nem outra. Aliás, há hábitos tidos como maus, mas que podem ser geradores de algo bom. Se um jovem tem o costume de usar e abusar da internet e dos jogos eletrónicos, isso pode dar-lhe capacidades que, bem orientadas e aproveitadas, podem vir a ser uma mais valia.
Se analisarmos ao pormenor cada dia da nossa vida, veremos que a maioria deles é quase uma cópia dos anteriores, como que tirada a papel químico. Nenhum de nós é igual ao outro nos seus hábitos, na sua maneira de ser. Cada um tem a sua forma de executar uma ação com frequência e regularidade até a tornar um hábito.
Para quem trabalha numa indústria em que os procedimentos fabris estão bem estandardizados, como é a de confeções, os gestos, os procedimentos, os movimentos de braços e pernas não passam de cópias ritmadas em cadências muito semelhantes ao longo da vida profissional. Se olharmos bem, até o levantar da cabeça, o ajeitar a peça com o braço, acionar o marcador das peças fabricadas, o respirar fundo, coçar o pescoço ou outra parte do corpo, são gestos automáticos, instintivos, fotocópias umas das outras ao longo de dias, semanas, meses, anos, vidas. Tudo é uma eterna repetição, como quando em criança cometia um erro no ditado ou cópia e a professora, por castigo, me obrigava a escrever a mesma palavra cinquenta vezes seguidas para não voltar a cometê-lo. E, na fábrica, essa repetição faz-se indefinidamente, vezes sem conta, como numa aprendizagem sem fim à vista …
Como procedemos quando vamos tomar banho pala manhã? Será que variamos a sequência dos passos a seguir ou cumprimos à risca uma “cartilha” sem um mínimo de variação? Eu dispo-me, coloco a roupa no mesmo lugar, entro no chuveiro, corro a cortina, abro a água e espero até ficar temperada, molho o corpo na mesma sequência do dia anterior (e dos outros), fecho a água, ensaboo-me, volto a abrir a água, enxaguo e retiro a espuma seguindo sempre o mesmo ritual, fecho a misturadora, limpo-me com a toalha a partir da cabeça, para terminar nos pés. E passo à fase do vestir. Todos os momentos são os mesmos do dia anterior e dos outros, como se já não soubesse tomar banho doutra forma. Como se fosse um robô programado e em piloto automático.
Tenho um amigo que tem horror aos hábitos e às rotinas. Quando vai a qualquer lado, a pé ou de automóvel, faz questão de voltar por um caminho alternativo. Acha ele que toda a repetição é monocórdica, entediante. Por isso, varia em tudo o que pode, desde o restaurante à comida, do que faz à música que ouve. Já lhe perguntei porque é que ainda está casado com a mesma mulher há quase quarenta anos, mas não me respondeu, nem eu quis saber se “quebra” essa rotina e com que frequência o faz …
É natural que cada um de nós tenha os seus hábitos, bons e maus, que definem muito quem somos e como somos. É verdade que podemos, e em muitos casos devemos trabalhar alguns deles, no mínimo para ter melhor qualidade de vida. Cá por mim preciso de “dar um jeito” a todos aqueles hábitos a que chamamos “males da vida moderna”, tais como alimentação não saudável, horários de sono desorganizados, vida sedentária, falta de descanso, excesso de trabalho e outros tidos como normais na nossa sociedade, mas que, mais dia menos dia, nos vão cobrar o seu preço.
Diz-se que somos um animal de hábitos. E, se olharmos bem para os nossos comportamentos e atitudes, temos de reconhecer que é bem verdade. A questão verdadeiramente importante é saber se somos capazes de manter os bons hábitos, os que funcionam a favor de uma saúde física e mental equilibrada, ao mesmo tempo que reduzimos o peso dos outros que não ajudam, naquilo que faz da vida “uma eterna repetição” …