As pessoas gostam de ser enganadas

Em 1810 nasceu nos Estados Unidos um homem que viria a ficar conhecido por Phineas Barnum. Embora tenha sido autor, editor, palestrante, filantropo e até político, tornou-se um empresário de sucesso no ramo do entretenimento norte americano, sendo lembrado principalmente por promover as mais famosas fraudes e curiosidades humanas e por ter fundado o mais famoso dos circos. O circo começou por ser um museu de esquisitices e monstruosidades que atraía multidões fazendo fila, inclinando-se diante da escrava cega que tinha 161 anos de idade e amamentara George Washington, beijando a mão de Napoleão Bonaparte que media 64 centímetros de altura e comprovando que estavam bem coladinhos um ao outro os irmãos siameses Chang e Eng, além de verificarem que as três sereias tinham rabos de peixe autênticos. Barnum tornou-se o homem mais admirado pelos políticos profissionais. Ele levou à prática, melhor do que ninguém, a sua grande descoberta: “As pessoas gostam de ser enganadas”. 

Se há duzentos anos essa afirmação era verdadeira, hoje tornou-se mais verdadeira que nunca, até porque vivemos num mundo global onde a informação, boa e má, circula à velocidade da luz. Do futebol à política, das falsas notícias às promessas de ganhos grandes e fáceis, das religiões que vendem a salvação, da publicidade enganosa que dá ideia de uma coisa quando a realidade é outra, tudo é campo fértil de tentações e enganos.  

Há alguns dias um amigo teve um problema elétrico no automóvel. Como conhecia o senhor José, bom eletricista e de confiança, apesar de não o visitar já há algum tempo, foi procurá-lo. Quando o encontrou e relatou o problema, ele disse-lhe que não podia fazer nada porque tinha fechado a empresa. Nem sequer tinha material para lhe fazer o serviço. “Mas você tinha uma empresa tão boa, com tanta clientela. O que diabo aconteceu?”, perguntou-lhe muito intrigado. E então, as lágrimas começaram a correr-lhe pela cara abaixo. Constrangido, lá conseguiu dizer: “Foi a minha mulher. Meteu-se numa dessas religiões que vieram do Brasil e confiou de forma cega no bispo. Sem eu me aperceber, limpou-me mais de duzentos mil euros da conta. Quando eu quis pagar aos fornecedores estava totalmente desfalcado. Só me restou pedir a insolvência”. 

Este “filme” já o vimos noutras ocasiões, com outros protagonistas. Apesar dos avisos, há sempre quem esteja “disponível” para “embarcar” na conversa das promessas de salvação pelo “desprendimento dos bens materiais”. Só que eles fazem precisamente o contrário. E o expoente máximo e mais mediático parece ser o “bispo” Edir Macedo, dono de um autêntico império, apesar da imprensa ir denunciando as fraudes e o fausto em que vive à conta da sua capacidade oratória. Tal como Barnum, descobriram que “as pessoas gostam de ser enganadas”. Mesmo quando lhes pedem dinheiro no meio do “barulho” …

É mais fácil acreditar em coisas esquisitas e anormais do que pensar, questionar. Acontece isso com os mágicos, bruxos, cartomantes e os adivinhos. Só que o mágico confessa que faz truque, mas não revela o segredo, enquanto os outros dizem que falam com os mortos, leem a sorte e alteram o destino das pessoas só ao olharem as cartas, a bola de cristal ou as borras de café e que têm visões. E as pessoas creem, porque “preferem ser enganadas”. E o mais caricato é que é preciso muito cuidado ao dizer a verdade a essas pessoas pois não querem acreditar nela. Preferem o engano. 

Mas se formos à política a coisa é igual ou pior. Veja-se o louco que esteve à frente de um país como os Estados Unidos, comportou-se como um elefante anormal no meio de uma loja de louças e, mesmo assim, quase metade da população americana continua a estar do seu lado, acreditando sem questionar nos milhares de mentiras que lhes impingiu ao longo do seu mandato. Aliás, nem precisamos de ir lá fora para encontrar “artistas” que, pela sua capacidade oratória, têm vendido todo o tipo de “banha da cobra”, angariando numerosos “crentes”, adeptos incondicionais que não questionam, que não se interrogam se é verdade ou mentira o que lhes sai da boca e nem se dão ao trabalho de pensar. É o mais fácil. Há mentiras vestidas de verdade e verdades irrefutáveis em que não acreditam. Quando são condenados pela justiça, cumprem prisão, voltam e são reeleitos precisamente por aqueles de quem se aproveitaram. O que se pode esperar? Estes políticos são uma espécie de “santos”, cartomantes ou bruxos em que as pessoas querem acreditar. Por isso, vão-lhes dando algumas “migalhas”, para dar credibilidade à mentira. Tal como dizia António Aleixo: “P’ra mentira ser segura/ e atingir profundidade/ tem que trazer à mistura/ qualquer coisa de verdade”.

Os “pregadores e vendedores” de grandes ganhos financeiros são um outro bom (mas mau) exemplo de que “gostamos de ser enganados” ou ainda de “nos querermos enganar a nós próprios”. E isso acontece mais nos períodos de crise económica, porque a falta de dinheiro faz com que as pessoas estejam “abertas” às tais “soluções milagrosas”, com promessas de ganhos muito acima da média. Aliás, já Hitler em 1925 no seu livro Mein Kampf diz: “as massas serão mais facilmente vítimas de uma grande mentira do que de uma pequena”. E isto ainda é válido nos nossos dias, porque as pessoas acreditam no que querem acreditar, quando têm de acreditar. Daí que, nas questões financeiras, quanto maior é a proposta de ganhos possíveis, maior é a apetência em aderir à solução proposta. Foi assim que este país viu surgir a D. Branca e todos os seus “discípulos”, seguidores dos princípios básicos que ela utilizou, mas com “outra sofisticação e uma melhor qualidade de imagem”. Os “herdeiros da filosofia” mantiveram a mentira num nível alto com os “10% de juros prometidos ao mês, e até mais”, o que aniquilava toda e qualquer “dúvida” que pudesse pairar na cabeça interessada de gente “obcecada, cega pela tentação de ganhos fáceis”, o que, normalmente, impede de ver além da “promessa fantástica”. E, pelo contrário, é uma rendição de quem quer ser enganado.

Eu sou uma pessoa como qualquer outra e sempre estive exposto às mesmas rasteiras, erros, tentações e defeitos dos seres humanos. Há ocasiões que penso no número de vezes que me deixei ir na “oratória milagreira”, na “ilusão de ganhos mirabolantes”, nas “promessas de políticos demagógicos”, no “conto do vigário” ou outra mentira bem travestida de verdade, por não querer ver o evidente, não questionar, pensar, nem pôr a razão a controlar a emoção. Francamente, quantas vezes também terei pedido para ser enganado?

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