Tenho plena consciência de ter vivido em criança numa sociedade de homens em que as mulheres só obedeciam. O homem “caçava”, isto é, tinha o encargo de trabalhar e de angariar os meios para sustentar a família, enquanto a mulher tomava conta da casa e da prole. Por isso, era o homem quem mandava e quando dizia “é para ali”, era mesmo. Bom, não era bem assim porque, para as mulheres que “soubessem dizer-lhe para onde deveria ir”, ele ia. Mas, para fora, era ele a decidir. Com a passagem dos anos e a crescente emancipação da mulher, esta passou a estar em pé de igualdade (em teoria) com o homem, embora a prática nos viesse a mostrar em muitos casos uma outra realidade, fruto de causas que os sociólogos sabem identificar melhor do que eu. Daí as vítimas de “violência doméstica” em que a mulher domina nas estatísticas. No entanto, também lá estão homens como vítimas, embora (quase) ninguém fale deles, sendo ignorados pela imprensa, ausentes dos debates televisivos, esquecidos na legislação e excluídos dos sistemas de proteção. É verdade que a emancipação delas alterou a relação homem/mulher tornando-a menos submissa por parte do “sexo fraco”, mais competitiva, dura e combativa. E nesse processo, algumas mulheres “libertaram” a sua veia de “mandonas”, acabando por fazer dos homens “gato sapato”. O curioso é que isso agradou a muitos e foi de encontro ao seu comodismo, tendo eles sabido tirar proveito para terem mais espaço, tempo e até tranquilidade nas suas vidas pessoais, numa relação de interesse que não é saudável. Enfim, estrategicamente, tornaram-se uns “paus mandados”. No entanto há os que se sentem atingidos na dignidade pessoal, no seu “Ego” de macho latino e nesse caso, quando aguentam, “a pressão na panela” aumenta podendo tornar-se insustentável, quando não estoirar …
O cenário real é uma habitação da região. Gracinda (nome fictício), pega no telemóvel, marca um número e, quando atendem, pergunta: “Onde estás”? Do lado de lá responde-lhe o marido. Ela não desarma e ordena: “Vem já para casa”. Mas ele recusa-se a fazê-lo no imediato alegando que está a jogar o dominó com os amigos. Sem esperar mais e com modos rudes, desliga o telemóvel, vai à sala, pega nas chaves do carro e sai disparada porta fora. Em dez minutos chega ao tasco e entra de rompante sem cumprimentar, direta ao reservado onde se encontra o homem. “Vamos embora”, ordena-lhe ela, indiferente à presença dos amigos dele. E aquele “homenzinho”, envergonhado à frente dos seus pares, mas sem querer fazer escândalo, despede-se pedindo desculpa e sai vermelho de raiva com ela colada atrás. Mal arrancam, ele encosta-lhe o punho fechado à cara e, com voz rouca, ameaça: “Não voltes a fazer-me isto”. Mas ela não o teme e provoca-o: “Queres-me bater? Bate!!! Ou não és homem suficiente”? E indo ainda mais longe: “Não tens os t… no sítio para me bater”. Essa provocação acabou por lhe correr mal como contou mais tarde, embora convicta que tinha agido bem, afirmando solenemente que “ele vai acabar por fazer tudo aquilo que eu quero” … (em abono da verdade, já começou a “educá-lo”, ao ponto de afirmar que “ele já faz xixi sentado” …).
A falta de respeito pela individualidade do outro, que é frequente dos dois lados do problema, leva a que se queira moldar o conjugue à sua “imagem e semelhança”, não aceitando as diferenças, embora todos sejamos diferentes. E é essa vontade de querer “anular” a maneira de ser do seu par e “recriá-lo” à medida dos seus gostos pessoais que faz com que a relação esteja condenada a prazo ou seja uma hipocrisia.
“A mulher entrou no oculista, dirigiu-se ao empregado e enquanto lhe entregava uns óculos disse sem rodeios: “Venho-lhe cá devolver os óculos que comprei para o meu marido, pois ele continua a não “ver” as coisas à minha maneira” … Esta anedota que me enviaram há dias, é bem o reflexo duma realidade escondida em muitas relações, umas vezes em pequenas coisas que o homem nem sequer valoriza ou até lhe é conveniente, mas noutras onde tem tudo para que corra mal. É dos livros que “homem e mulher são muito diferentes” e têm muita dificuldade em comunicar e entenderem-se. Assim se conta que “um arqueólogo descobriu numas escavações uma velha lâmpada. Quando a esfregou para lhe limpar o pó, surgiu um génio a dizer: – Por você me libertar, pode pedir um desejo. O arqueólogo pensou, pensou e lá pediu: – Quero uma autoestrada com duas pistas da Suécia a Portugal. O génio abanou a cabeça: – Acabo de chegar, estou cansado e faz-me um pedido tão grande e tão difícil? Peça outra coisa. Ele pensou um instante e disse: – Gostava de poder comunicar com as mulheres. O génio arregalou os olhos, abanou a cabeça e respondeu: – Voltemos à autoestrada. Quantas pistas quer”?
Como hoje faço o papel de “advogado do diabo”, acho que conviver com uma mulher que não admite ser contrariada, vive estabelecendo regras e controla cada passo do seu “mais que tudo”, pode ser um grande problema. E mais difícil ainda é quando exige que ele cumpra as regras que ela impõe. Muitos são os que, para não se “chatearem”, “deixam correr o marfim”, acomodando-se. Mas quando o “espírito de mandona” cresce e fica fora de controle, a “chatice” pode passar a problema e o “caldo fica entornado”, nunca se sabendo quando e como vai terminar.
“Depois de chegar do emprego, Ana (nome fictício) “preocupa-se” com os filhos e as refeições de família, adotando “táticas” próprias. Para os filhos, telefona a diversos familiares até encontrar alguém que “tome conta” deles. Quanto às refeições, “salta” da mãe para a sogra e desta para a mãe, apanhando “boleia” ora numa, ora noutra. Quando não consegue, espera que o marido chegue de um dia longo de trabalho e diz-lhe em tom autoritário: “Vamos comer fora”. E vão. Mas não lhe basta isso, pois toda ela é exigências sem reticências, despesas sem se preocupar de onde vem o dinheiro, imposições sem permitir recusas ou hesitações. E ele, frustrado e incapaz de se impor talvez a pensar nos filhos, vive recalcado, remoído e vai confessando por aí a sua desdita, especialmente quando bebe uma pinguita a mais. Até um dia. Mas, pior ainda, é a frequência com que ela o vai procurar ao café ou a outro local e, sem qualquer tipo de recato, ordena: “Já à minha frente para casa”!!! E ele, pobre coitado, de “rabinho entre as pernas”, com ela “a morder-lhe os calcanhares”, lá vai, revoltado e impotente. Até um dia” …
Qualquer relação séria começa pelo respeito de um para o outro. Se não for assim, está condenada a prazo. E, porque a tradição tem muito peso e ainda diz que “quem veste calças em casa é o homem” (se bem que lá dentro é ela que manda), envergonhá-lo em público é um ato perigoso de desrespeito e humilhação, com consequências imprevisíveis.
Para estas duas mulheres que aqui trago à cena, tal como para muitos outros homens e mulheres capazes destas indignidades, apetece-me citar-lhes um pequeno trecho de Balzac: “Estas pequenas misérias, repetidas por várias vezes, ensina-os a viver sozinhos no seio do seu lar, a não dizer tudo em casa, a não se confessar senão a si próprios e passar a pôr muitas vezes em dúvida que as vantagens de ter um leito nupcial sejam superiores aos seus inconvenientes” …