Dizem os cientistas que o cérebro humano tem capacidade quase ilimitada. Dizem mesmo que é ainda maior do que a internet. Coisa estranha, pois muitos de nós temos dificuldade em decorar o simples nome de alguém, uma morada, o número de telefone ou as tarefas do dia, pelo que “não bate a cara com a careta”. Das duas, uma: ou não somos capazes de fazer uso dessa apregoada capacidade quase infinita da nossa memória ou o seu tamanho não tem nada a ver com aquilo que os investigadores e cientistas afirmam “a pés juntos”. E isso vê-se todos os dias nos “esquecimentos” que todos temos ao ir daqui para acolá. Quando lá chegamos para ir buscar algo de que precisamos, já não nos lembramos do que íamos fazer. Se coisas bem simples como esta acontecem, imagine-se o que é ter de fazer várias tarefas ao longo de um dia em locais diversos se a tal “memória” não ajudar e resolver pregar-nos partidas. Em miúdo, como não existia papel ao desbarato nem esferográficas ou canetas à mão, tinha de se memorizar bem os afazeres para “dar conta do recado”, ou então ficavam algumas coisas por realizar. No entanto, conheci gente com uma memória impressionante, que registava bem datas e horas de compromissos com um rigor e precisão admiráveis. Mas também me lembro de quem amarrava um fio no dedo ou no pulso para lembrar algo. Só à medida que a utilização do papel se foi vulgarizando no dia a dia, também passou a ser usado como “auxiliar de memória”, vindo só a ser substituído a quando do aparecimento e desenvolvimento das chamadas “novas tecnologias” para relembrar os compromissos, através de diversos equipamentos eletrónicos. E é assim que hoje em dia já poucas pessoas se dão ao trabalho de decorar o que têm para fazer. Por isso, fazem-se acompanhar de algum telemóvel com lembretes sonoros, um computador com agenda ou um Ipad, onde se anotam todas as tarefas, não só para o dia, mas para a semana, meses ou anos. Chamam-lhe “agenda desmaterializada”, nome pomposo da “cábula” moderna. No entanto, se uma boa parte fica dependente das novas tecnologias com apitadelas a toda a hora e toques diversos que vão da música mais na “berra” à buzinadela, das marimbas até aos sininhos, só para lembrar o interessado que está na hora de tomar o remédio para a caspa ou de levar o filho à natação, ainda há muitos que preferem recorrer aos métodos antigos, à velha anotação numa agenda de bolso, no pequeno bloco ou até num simples retângulo de papel que se mete no bolso das calças ou do casaco e que se consulta volta e meia, para relembrar o que ainda falta fazer, se bem que ainda há os que assinalam a tarefa com uma cruz ou um nome escrito com esferográfica na mão ou no braço.
Os “auxiliares de memória” são cada vez mais variados e dependem da organização de cada pessoa. Já há muitos anos estou habituado ao uso de uma agenda dita “de secretária”, que renovo a cada ano que passa, onde anoto (ou penso que anoto) o que é importante para o meu dia a dia. Os compromissos, os encontros e todos os afazeres. E até registo o resultado de algumas reuniões, acordos ou conversas. Mas, mesmo assim, é frequente dar comigo a utilizar papelinhos mais ou menos pequenos, onde faço a relação daquilo que é prioritário para o dia, por uma questão de facilidade de manipulação e acesso, o que me faz andar com as duas coisas em simultâneo para… me esquecer de as consultar. É que a “cábula”, esse pequeno retângulo de papel, tem como vantagem permitir usar a esferográfica sempre que executo uma tarefa qualquer, para a riscar da lista. É menos uma, o que me dá algum consolo, embora de curta duração. Só dura até ver o que me falta fazer …
Estas listas de tarefas são profundamente ingratas, sejam elas feitas em papelinhos ou em agenda. É que, por cada tarefa que faça e abata, o que é sempre uma satisfação, há logo mais duas ou três novas para acrescentar ao rol, tornando a missão de acabar com a lista simples miragem. Em vez de mingar, o diabo da lista cresce, feita massa de bolo dentro do forno.
O Jaime era um “profissional” nessas “memórias de bolso” feitas de papel. Sempre que se aproximava a realização de algum dos eventos desportivos que realizamos ao longo de anos, ele usava um retângulo pequeno escrito com letra miúda onde tinha elencado tudo o que lhe competia fazer na distribuição de funções, guardando essa listagem de prova para prova, de ano para ano. Dada a sua grande capacidade de organização de trabalho, ia dando conta do rol de afazeres com uma regularidade impressionante. Trabalhamos juntos durante anos e anos e invejava-o sempre que o via riscar uma ou outra tarefa na sua lista de letra miudinha. É que, pelo contrário, no meu “auxiliar de memória”, as tarefas não paravam de crescer …
As agendas, em papel ou “desmaterializadas”, ajudam na organização individual de cada pessoa, tal como o simples papelinho … desde que se não perca ou não nos esqueçamos de o consultar. O importante não é o tipo de “auxiliar de memória” que usamos, mas a sua eficácia e o bom ou mau uso que dele fazemos. Isso tem a ver com a nossa organização pessoal. Como “burro velho não toma andadura”, eu vou continuar a usar a agenda, assessorada pelas “memórias de bolso” feitas de papel, se bem que o aumento da idade seja inversamente proporcional à memória. Mas, para isso, não há volta a dar …