“Dou a minha palavra de honra …

Nas palavras do brasileiro Anderson Senna, “a confiança é igual a virgindade. Só se perde uma vez”. Por isso, para se ser merecedor de confiança, é preciso saber honrar os compromissos, as promessas e ações. Era isso que faziam aqueles a quem outrora o povo chamava “Homens de Honra”. Da infância à adolescência, convivi com alguns homens de negócio e assisti a acordos verbais, “selados” com um simples aperto de mão. E os dois ficavam “presos” à sua “palavra”, porque era tida como “palavra de honra”. E a “honra”, esse princípio do ser humano que age com base em valores como a honestidade, dignidade e outros socialmente virtuosos, era coisa que ninguém queria perder. Como a virgindade.  Acompanhei um negócio que, algumas horas depois, se revelaria desastroso para o comprador. Mas ele quis honrar a palavra dada e cumpriu o acordado sem sequer solicitar ao vendedor qualquer alteração à transação. E, apesar de ter argumentos para o fazer … tinha dado a sua “palavra de honra”.

Os meus primeiros negócios de compra e venda de propriedades foram concluídos e selados com o tradicional aperto de mão, sem qualquer contrato escrito. Seguia o princípio em que fui formatado e tudo correu bem, pois sempre cumpri e cumpriram o acordado. Quando nos anos setenta começaram a surgir em Portugal os perfis de alumínio para caixilharias, através de um familiar meu conheci um grande importador de então que estava sediado em Lisboa e que me convenceu a abrir um armazém desse material em Lousada, numa oportunidade única. Decidido a avançar, procurei terreno adequado para construir o pavilhão e encontrei-o em local bem situado na vila. O vendedor, o homem que à época mais terrenos comprava e vendia na zona, marcou encontro comigo no local. Numa grande área de que era proprietário, marcamos uma parcela com a dimensão necessária, acertamos o preço e passei-lhe logo um cheque. Apertei-lhe a mão e, quando estava a virar-me para ir embora, ouvi-o dizer: “Espere um instante que vou dar-lhe um cartão a dizer que recebi este dinheiro”. E, enquanto tirava da carteira um cartão, respondi-lhe que não. Não era necessário. Mas ele insistiu e, nas costas do cartão de visita com o seu nome, escreveu: “Recebi duzentos contos pela compra de um terreno”. Assinou e entregou-mo. Para minha surpresa, ao outro dia, sofreu um AVC e foi a enterrar poucos dias depois. Aquele pequeno cartão foi a minha tábua de salvação, perante um familiar ranhoso e desconfiado, que questionou tudo e mais alguma coisa, insinuando e pondo em dúvida o teor do negócio. Só quando lhe disse que, não tendo eu querido aquele cartão, a verdade é que nele estava explícito que lhe comprara um terreno e lhe entregara duzentos contos. E, das duas uma: ou confiava em mim para saber qual o terreno e os termos do negócio ou me devolvia o dinheiro. Era um problema dele. Foi o meu primeiro sinal de que as coisas estavam a mudar. O aperto de mão já não era suficiente … 

Um pouco antes de falecer, o meu pai teve uma boa conversa comigo. Entre outras coisas, aconselhou-me a documentar-me bem sempre que efetuasse um negócio. Para não acreditar só na palavra. Já não era suficiente. E contou-me alguns casos em que o enganaram e teve prejuízos consideráveis, com “amigos” em quem confiara. Um deles, a quem vendera um negócio no início que viria a revelar-se altamente rentável, e que até era tido como seu “amigo”, nunca lhe pagou nada do acordado. Nem quando atingiu o estatuto de rico …

A partir de certa altura passei a formalizar os contratos promessa de compra e venda a partir duma minuta preparada pelo advogado e, sempre que fazia um acordo verbal selado com aperto de mão, nunca aceitava a entrega de sinal, em dinheiro ou cheque, sem preparar e assinar o respetivo contrato e onde constava o valor recebido. Dizia como argumento, com base no que me acontecera, que “há o viver e o morrer” … Já eram contratos formais, se bem que nem sempre com o rigor dos pormenores em que só os juristas são entendidos.

Passaram os anos, atravessamos o “deserto” de uma crise violenta e a realidade de hoje já nada tem a ver com os tempos da minha infância. De tal maneira, que me traz à memória o filósofo da Grécia Antiga Diógenes de Sinope, mais conhecido por Diógenes, o Cínico. Andava pelas ruas carregando uma lamparina acesa durante o dia, alegando estar à procura de “um homem honesto”. E o meu desencanto com a extinção quase total da “palavra de honra” como valor importante da sociedade, num desprezo por compromissos assumidos, já não é só apanágio dos contratos verbais selados com o aperto de mão, mas de todo o tipo de contratos. Hoje, mais do que nunca, tem uma enorme atualidade a velha máxima de que qualquer contrato deve ser feito “como se os intervenientes fossem inimigos, para virem a ficar amigos”. É que, basearmos a nossa confiança no velho aperto de mão ou mesmo num contrato simples, é correr um risco sério de, mais dia menos dia, virmos a “ser comidos por lorpas”. E sei do que falo por experiência (má) própria, com gente de quem nunca me passou pela cabeça que pudesse ser tão desonesta, no verdadeiro sentido literal da palavra e de quem não me acautelei em devido tempo.

Não deixa de ser curioso que, ao fim destes anos de vida, tenha sido entre pessoas com muito dinheiro ou tidas por ricas e até alguns a quem o povo ainda chama “fidalgos” (se bem que essa dita fidalguia deve ter caído na lama, para não dizer na m. há muito tempo), que encontrei os maiores vigaristas e desonestos. Confiar nalguns deles sem me precaver convenientemente, foi um erro que me custou e continua a custar, muito dinheiro e consumições. Pelo contrário, tendo efetuado muitas transações com pessoas simples e humildes, nunca me trouxeram qualquer dissabor. Foi com muitos desses que selei acordos com um simples aperto de mão, à moda antiga, sem nunca faltarem ao prometido. 

Por isso, se tem algum contrato para fazer, arranje um bom advogado e previna-se porque, mesmo assim, está sujeito a encontrar um vigarista encartado pela frente por mais engravatado que esteja e acaba esfolado como um pato. Se não quer acreditar, veja o caso do Joe Berardo, que tem “a lata” de dizer em público que não deve nada aos bancos … E, se calhar, sem ter razão nenhuma, a justiça vai ter de lhe dar razão …

Não deixa de ser curioso que para as pessoas humildes a “palavra de honra” ainda continua a contar. Só que não é para toda a gente …

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