Vozes de burro não chegam ao céu…

“Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixe de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia de um coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. (…)”. Foram palavras de Guerra Junqueiro no ano distante de 1896, mas tão atuais, incluindo para o que aqui me traz.

Para quem não sabe, um provérbio é um dito de tradição popular que resume um conceito ou uma norma social. É curto, de autor anónimo e baseia-se no senso comum ou no conhecimento empírico. Por uma questão de princípio, devo confessar que gosto muito de provérbios e até comecei a fazer uma recolha há muitos anos. Esse rol dorme entre a anarquia dos meus papeis. Por isso escrevo, não só na condição de “fã incondicional” dos ditados e frases populares, mas também pelo respeito da tradição que passou de geração em geração e faz parte da cultura do povo que somos. E ainda como defensor dos direitos dos animais, se bem que já se estarão a perguntar “o que é que a cara tem a ver com a careta”. Mas tem. Já lá irei.

O PAN, partido dos animais, aderiu à campanha da PETA, organização com sede nos Estados Unidos, para alterar expressões que “reforcem comportamentos negativos contra os animais”, entre as quais alguns provérbios. Tiveram o desplante de propor “alternativas” para meia dúzia deles, quando ali “não vejo mata de onde saia coelho”. 

Sugerem que o ditado popular “matar dois coelhos de uma só cajada” deva ser alterado para “pregar dois pregos de uma só martelada” e ainda que “pegar o touro pelos cornos” deva ser substituído por “pegar uma flor pelos espinhos”. Diria o povo que é preciso ter cá uma “cabeçorra” !!! É que não é qualquer um que tem “inteligência” suficiente para tão arrojadas propostas. Trocar o “touro” por uma “flor”, é “genial. Será que perguntaram aos coelhos e aos touros se se sentem ofendidos por se verem nomeados na frase de um conceito? E mudar “cajada” para “martelada” – e cada um dá-lhe o sentido que quer – deu muito que pensar. Esta deve ter sido muito difícil …

Muita imprensa classificou este “devaneio absurdo” de autêntica “palhaçada”. Será que um deputado da nação não tem mais que fazer?Não sei se estas ideias peregrinas lhe surgem enquanto dorme no parlamento “embalado” pelos discursos desenxabidos e maçudos dos seus pares ou para ganhar protagonismo (que não tem). Há uns anos atrás um “pseudo intelectual” da nossa praça também propôs que se alterasse a letra do Hino Nacional. Dizia esse “iluminado” que já não fazia sentido a expressão “contra os canhões, marchar, marchar”. Foi ignorado e bem. Agora, estamos perante novo “iluminado”, com lugar de responsabilidade no Parlamento ao ser eleito pelos portugueses como deputado. É mais um assalariado do povo português. Ora, como não consegue resolver questões centrais do seu programa eleitoral – acabar com o abandono e maus tratos a animais – entretém-se com estes devaneios de fanatismo ridículo. Aprendeu depressa o jogo da política ao falar do acessório e esquecer o essencial, por ser incapaz de o resolver. Um absurdo. E assumindo as posições da PETA como suas causas, fez dos provérbios e frases populares que atravessaram séculos e passaram de geração em geração, um alvo a abater. Melhor, a adulterar, tal como o outro intelectual o queria fazer com o Hino Nacional. Devo ser “burro” – e espero que o digníssimo deputado não venha sugerir alterações à minha hipotética afirmação – pois não vejo no que as suas propostas possam ajudar a defesa dos direitos dos animais, se é nisso que está interessado.

A ser assim, se um “pato bravo” pode propor adulterar provérbios, porque não exerço eu também o meu direito de mudar alguns que já são “mais velhos do que a Sé de Braga”? Pode ser que a minha veia artística não lhe fique atrás, nem “no engenho nem na arte” e mais adiante, num próximo ato eleitoral, possa ser também candidato a um “tachito” na capital, com direito a dormir na hora do trabalho.

Considero desde já que o provérbio que serve de título a esta crónica deve sofrer uma pequena mudança para “Vozes de deputado não chegam ao Céu”, que é como quem diz, que ninguém está interessado nas suas propostas. Ou será mais adequado ser “vozes de burro…”? Afinal, voto pela manutenção do “burro”. Ajusta-se melhor à voz do proponente … Também, ao olhar para o ditado “pela boca morre o peixe”, acho que se pode substituir este pelo “político”, pois o que lhes sai da boca nem sempre lhes garante o futuro. Tal como “grão a grão, alguns (e todos sabemos quem) enchem o papo”.

Desde criança, sempre ouvi dos mais velhos variados provérbios que haviam aprendido com os mais velhos e assim sucessivamente, não se sabendo a idade de cada um deles. Mas, que são muito antigos, parece não existirem dúvidas. E, que se saiba, nenhum “inteligente” questionou de forma significativa o seu teor numa ótica de ofensa, estímulo à agressividade, ao mau comportamento ou ainda à boa saúde mental de quem quer que seja. Nomeadamente dos animais. Ou será que, afinal, quem está em causa são outros “animais”?

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