As calças que têm a ver com o …

Nas questões de “andar na moda”, estou sempre desatualizado. Não leio nada sobre o assunto, nunca sei quais são as tendências do momento ou da próxima estação e só um acaso me faz entrar nessa onda e me veste de acordo com o modelo mais em voga. A minha opção é sempre pelo mais confortável, sem saber sequer jogar com as cores, perceber que camisa “diz bem com aquelas calças”, que gravata liga com o casaco. E sou capaz de repetir as mesmas roupas semanas a fio, trocando entre dois conjuntos só enquanto um deles vai para lavar, como se não houvesse mais nada no roupeiro. Até mesmo no calçado. E é preciso que alguém me vá chamando a atenção para os colarinhos que estão puídos, as camisolas com fios puxados ou os polos descorados pelo uso.

No meu ponto de vista, a moda procura dar satisfação a duas necessidades fundamentais: por um lado, à permanente insatisfação do ser humano, a necessidade de mudança, de andar diferente de ontem e amanhã. E dos outros. Por outro, para satisfazer a indústria de confeção e o seu desejo de que o ser humano continue a ter sempre vontade de mudar … de vestuário, atirando para o caixote do lixo a roupa “fora de moda”, para poder continuar a produzir e ter quem compre. Ora, por muito mais que me digam, eu não sinto essa atração. Nem me importo de “andar fora de moda”. Qual é o problema? Porquê ser obrigado a desfazer-me de roupa nova e confortável só porque quem decide as “tendências” da moda assim o ordena? Mas aceito que haja quem goste e faça disso uma obsessão. Reconheço ainda que a vida é feita de mudança.

Já passei por modas que o foram, caíram no esquecimento e voltaram à ribalta por mais que uma vez. As calças. Foram moda apertadas em baixo, depois largueironas, voltaram a ser justas e alargaram para além do razoável. No comprimento, já arrastaram pelo chão, ficaram curtas do tipo “para regar” ou medida normal, subindo e descendo, apertando e alargando conforme a vontade dos “ditadores”. Diz-se que “na moda, só é novo o que está esquecido”. E é verdade. Hoje os modelos são mais que muitos, para satisfazer todo o tipo de gostos, dos mais clássicos aos radicais, dos ousados aos excêntricos. Podem ser de corte clássico, chino, skinny, elefante, hip hop, street style, harém, cargo, casual cintura alta, média ou baixa, militar, saruel e muitos mais. Só não me parece que estejam na moda o “boca de sino”.

Foi nesta minha ausência do que “está na moda”, que um dia destes uma pessoa amiga me falou das “calças à cagão”. Pensei que estivesse a brincar comigo e que fosse o nome que ela, pessoalmente, dava a um determinado modelo. Mas, vim a confirmar que é a designação corrente. Então, movido pela curiosidade, quis ver que calças eram essas com nome tão “sugestivo”.

Procurei na internet e encontrei vários modelos e depois, mais atento, vi na rua diversos jovens com esse tipo de calças. Ao vê-los, fiquei convencido: a escolha do nome foi acertada. Revelou até perspicácia, pois a sensação que se tem ao ver alguém sair da casa de banho com “calças à cagão”, é de que “tudo o que fez” ficou nas calças. Talvez nos bolsos, sei lá, a fazer peso. Daí a malta andar com a cintura pelo meio da “padaria”, como se um peso extra puxe as calças para baixo, deixando à mostra uma boa parte das cuecas, quase sempre de cores apelativas. Ao ver as calças a “fugir” do rabo de um adolescente, não pude deixar de concordar com o “à cagão”. Revelam a irreverência e excentricidade próprias dos jovens.

Sendo um defensor da roupa prática e funcional, acho que seria o modelo certo para eu usar quando andava na escola primária, especialmente quando tinha de ir à retrete. Como lá havia sanitas turcas (aquelas que são rasas, com dois apoios para colocar os pés e um buraco onde é conveniente acertar), seriam excelentes para a função pois não era preciso desapertar os botões ao “arriar as calças”. Bastava aninhar-me e, nesse movimento para me colocar na “posição de tiro”, elas desciam de forma automática, o suficiente para poder “fazer o serviço”. Sem mais. Seriam muito funcionais. “E as cuecas”, perguntam-me? Não seriam problema. Bastava usar o “modelo do Amílcar”. “E que modelo é esse”, querem saber? Bom. O Amílcar era o vocalista do nosso conjunto (leia-se “banda” na versão atual) no início da década de setenta. Deixou a faculdade e dedicou-se à música, mas era um tanto “apanhado do clima”. Tornou-se tão bom, que chegou a tocar com o Cat Stevens, embora mais tarde se viesse a perder nos caminhos da droga. Um dia, o grupo tocava na Assembleia Penafidelense. Ao ajustar as calças no intervalo, o Amílcar mostrou ligeiramente a parte de cima das cuecas. O Nelo meteu-se com ele: “Oh Amílcar, tens umas cuecas giras”. Tímido e meio a gaguejar, respondeu-lhe: “Não são cuecas. É só o elástico…” E mostrou que, abaixo do cinto, não havia mais nada… Ora, aproveitando o “modelo” do Amílcar, as cuecas completavam na perfeição a funcionalidade das “calças à cagão”.

Se eu me satisfaço com a comodidade e simplicidade da roupa, tenho de concordar que há quem prefira a excentricidade e irreverência, tornando este nosso mundo mais colorido, original e alternativo. E a indústria, como toda a sociedade de consumo de que fazemos parte, precisa disso pois, por mais estranha e ousada que seja a moda, por mais esquisita ou feia (e o feio é relativo e às vezes, de tão feio que é, passa a original e de original a bonito), vai haver sempre quem adira e consuma… E cá estaremos nós a “olhar de lado” a excentricidade, quando não a dizer: “olha que até são giras e ficam-lhe bem” …

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