Apesar de gostar da comodidade do “meu canto”, quando preciso (e tem de ser), vou ao Porto. Aquele aglomerado de “pressas” já não me motiva a ser mais um “com pressa”. Na última ida à capital do Norte, foi uma confusão danada, porque só vi gente apressada. O trânsito estava caótico, as pessoas impacientes por chegarem a sítio nenhum, os carros, esforçados do “para e arranca”, continham os “cavalos de potência” que não lhes servia de nada naquela teia de desencontros. Mesmo os polícias, depressa se escaparam da confusão. Sem pressa, mas querendo chegar, feito observador em palanque, assisti ao vai e vem de grandes vagas de carros no mar agitado do trânsito, ao som febril de buzinas inquietas, pressionadas por condutores com pressa, irritados e impacientes por “marcar passo”, quando já queriam estar algures, mas atrasados para nenhures…
É nestes dias que mais nos apercebemos que anda toda a gente com pressa, essa doença da vida moderna. Já Fernando Pessoa há muito tempo identificou o problema: “Movemo-nos muito rapidamente de um ponto onde nada se faz, para outro onde não há nada para fazer e chamamos a isto a pressa febril da vida moderna. Não é febre de pressa, mas sim pressa de febre. A vida moderna é um lazer agitado, uma fuga ao movimento ordenado por meio da agitação”. Se há mais de cem anos Pessoa já fez este diagnóstico, é caso para perguntar o que diria ele agora, em que tudo acelerou de forma descontrolada, como quem passa do passo de boi para a velocidade da luz?
A pressa é um dos grandes males das sociedades modernas e conduz as nossas vidas a uma agitação e preocupação permanentes. Somos por isso dominados pela ansiedade, apesar de usufruirmos de meios tecnológicos que deveriam facilitar-nos a vida, como os transportes rápidos, o computador, a internet, o telemóvel e tantos outros. Estranhamente, acabamos sempre por andar atrasados, correndo de um lado para o outro e sem ter tempo para nada.
A qualidade da nossa vida é afetada pela pressa constante, refém de agendas sobrecarregadas como se o dia tivesse mais de vinte e quatro horas. Aliás, estamos ligados e em serviço todas as horas do dia e até mesmo de noite. Onde fica o lazer, o descanso e, mais que isso, o “viver”? Relegados para o canto do “mais tarde” ou “quando for possível” ou ainda “quando me reformar”, como se a felicidade só vá chegar na velhice… Mas não vai.
Já pouco ou nada usamos o relógio que trazemos no pulso, talvez por estarmos em conflito com ele. É tempo de fazer as pazes com o ritmo de vida e usufruir das coisas boas, simples e calmas. Não fomos feitos para andar sempre acelerados, nem viver “a cem à hora”. Não temos paciência, esperar irrita-nos e achamos que a espera é só para quem não tem nada que fazer. Queremos tudo agora, agora mesmo. Porque temos urgência de chegar, como se tivéssemos urgência de chegar ao fim, como se no fim estivesse a felicidade…
Manuel Barros é um poeta brasileiro. Na sua filosofia, valoriza as insignificâncias e questiona as opulências. Dava mais importância aos passarinhos do que aos senadores. Tinha cisma com lesma, por achar que ela andava muito depressa. Dizia uma verdade que deveríamos guardar e até seguir: “A gente só chega ao fim, quando o fim chega! Então, para quê atropelar”?
Apesar do homem ter trocado os braços pelas asas, as pernas pelas rodas, a calma pela pressa e o perto pelo longe, está sempre atrasado, não conseguindo cumprir a agenda e os horários. Incapaz até de ter tempo para os filhos, para a família, para os amigos. Já não se dá tempo ao tempo, porque tudo tem de ser feito antes do tempo, como se o tempo não tivesse um tempo. Mas tem o seu tempo…
No supermercado, zangamo-nos connosco porque escolhemos a fila errada, fulminamos o cliente à nossa frente, porque é lento e não tem o dinheiro à mão para pagar logo e encaramos mal o caixa, porque não é despachado. Como se ninguém visse que temos pressa… Toda a semente tem um tempo para germinar, crescer, dar flor, frutificar e amadurecer o fruto. No ciclo da vida vegetal, ainda não há forma de saltar etapas, de fazer florir antes de germinar ou de colher antes sequer de se semear. E não adianta ter pressa. Apesar de recusarmos fazer da vida como no ciclo do reino vegetal: semear, regar, adubar e cuidar para colher.
Conta-se que o célebre pintor francês Renoir, já em idade avançada, foi procurado por um jovem admirador, muito interessado em aprender a arte do desenho. Porém, alegando ter pouco tempo para a tarefa da aprendizagem, o apressado discípulo queria saber quanto tempo demoraria a empreitada, pois ficara assombrado ao ver que o mestre fez uma bela pintura com uma rapidez espantosa. Perante tanta pressa, Renoir disse-lhe: fiz este desenho em cinco minutos, mas demorei sessenta anos para consegui-lo”.
Todas as últimas descobertas vão no sentido de acelerar a nossa vida e os nossos atos. Comunicamos à velocidade da luz, voamos acima da velocidade do som, inventamos o computador para nos resolver em segundos problemas que demoravam anos e inventamos máquinas para nos substituírem no trabalho. Mas estamos mais escravos da pressa, do ter de fazer mais ainda e mais rápido, porque não basta fazer. E nessa pressa, despachamos à pressa as coisas importantes da vida, porque temos pressa do resto, de ter o que não temos antes mesmo de usufruirmos daquilo que já temos.
Até temos pressa de chegar ao amanhã. De o antecipar. Como se fosse o que mais importa. A tal ponto, que até nos esquecemos de viver o presente, o dia de hoje, o agora. Bem vistas as coisas, no fundo, no fundo, até nos esquecemos de viver…