Só nos sai “disto” na rifa…

A escola fez uma rifa com o intuito de angariar fundos para uma viagem de estudo dos alunos do último ano. Um deles abordou-me na rua com uma caderneta na mão, para ajudar. Em cada rifa estava referido o valor a pagar, dissimulado da maneira mais comum: Uma “bala”. Fiquei com cinco e entreguei cinco “balas”. Uma pequena ajuda para a viagem da rapaziada…

As rifas são uma forma informal e expedita que a sociedade tem para financiar associações, organizações, grupos e até atos nobres de solidariedade se bem que, para os devidos efeitos, são ilegais. Por melhor que seja a intenção da iniciativa, por mais altruísta e nobre que seja a causa, a lei, cega e surda, diz que é ilegal. A não ser que venha a ser emitida uma autorização do Ministério da Administração Interna, o que não é para todos…

A Secção Desportiva dos Bombeiros Voluntários de Monção efetuou uma rifa com o objetivo de angariar fundos para a compra de equipamento de combate a incêndios. Algum tempo depois de consumada a rifa, pelo simples facto de ser efetuada com base nos números da lotaria nacional, receberam uma notificação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para pagarem uma multa que, despesas incluídas, foi superior ao dinheiro arrecadado em tal sorteio. É que a Misericórdia de Lisboa – uma instituição privada que se tornou organismo público por via da nacionalização em 1834 mas que nada tem a ver com as outras Misericórdias – é detentora do exclusivo dos jogos sociais e “dos sorteios” mas, apesar de ter “Misericórdia” no nome, não teve qualquer misericórdia com os bombeiros, nem mesmo quando estes invocaram os “fins humanitários” da rifa. O argumento caiu em ouvidos nada “misericordiosos” e “surdos” ao apelo dos inocentes membros da Secção Desportiva dos BV de Monção.

Desde muito jovem vendi rifas para os mais variados fins sociais, sem que me tivesse passado pela cabeça estar a cometer um crime de “lesa pátria”. Nem sei como escapei à prisão… Pensando bem no que fiz e na quantidade de rifas que vendi, podia até ter passado metade da minha vida atrás das grades… Percebo que deve existir legislação que evite o jogo clandestino, as lotarias ilegais, mas o zelo excessivo é absurdo, mais ainda se vindo de uma instituição que se diz ter “objetivos sociais”. E pensava eu que já tinha visto de tudo!!!…

Em plena crise, alguns portugueses ao confrontarem-se com a impossibilidade de continuarem a pagar o empréstimo contraído ao banco para aquisição de casa e, para evitarem ficar sem ela e sem o dinheiro das prestações já pagas, optaram por fazer uma rifa em que o prémio seria a própria casa. A ideia era boa pois com a receita pagariam ao banco, reaviam o dinheiro já pago e libertavam os fiadores de qualquer risco. No entanto, para o fazerem, teriam de ter a tal licença do MAI. Um dos primeiros a avançar com a iniciativa foi um açoriano que, rapidamente, conseguiu a autorização do governo regional mas… acabaram aí as licenças. Não houve mais nada para ninguém, nem nos Açores nem no continente. Porquê? É um segredo de estado, reservado aos “deuses”…

As rifas são um meio usado em todo o mundo para angariar dinheiro com os objetivos mais diversos, tão diversos como o são os prémios (ou as promessas de prémios…) atribuídos. E todos querem conseguir fundos. Atletas, para financiarem a participação em campeonatos, clubes de bairro e outros, para a compra de material desportivo, paróquias, para obras na igreja, associações, para a aquisição de equipamentos ou construção de sedes. Enfim, um mundo de usos e abusos.. E os prémios vão desde carneiros a automóveis, de bicicletas a televisores, de lenha a violas. Um australiano ganhou um complexo hoteleiro no Pacífico que o dono rifou por estar cansado de aturar turistas… Americanos fazem rifas de armas como se de ursos de peluche se tratassem, até porque todos os americanos gostam de “brincar” com elas… Houve um que até já quis “rifar” a própria mulher mas, ao que parece, não teve interessados no prémio do sorteio… Numa aldeia do interior da Colômbia, com o objetivo de angariar dinheiro para as obras da igreja local, o padre fez a rifa de uma carrinha Toyota oferecida por um comerciante da terra. Anunciou a sua intenção em plena missa, apelando aos paroquianos para aderirem à iniciativa. Ora, a adesão foi excepcional e os bilhetes da rifa foram todos vendidos, conseguindo-se o dinheiro necessário para a recuperação da igreja. Durante a homilia da missa do domingo seguinte, o padre dirigiu-se aos fieis presentes, muito satisfeito: “Caros irmãos, é com grande alegria que hoje vos anuncio ter sido alcançado o nosso objetivo na angariação de fundos para as obras de restauro da igreja. Estou muito feliz pelo vosso contributo e todos estão de parabéns. Quanto à rifa, quero anunciar que o número sorteado saiu a … S. Felismin, nosso padroeiro. Ora, como ele está impedido de conduzir a carrinha Toyota, terei de ser eu a fazer isso por ele”…

A verdade é que a vida, sendo injusta, mais não é do que uma grande rifa. A uns, que “nasceram com o cu virado para a lua”, sai-lhes a sorte grande mesmo antes de porem os pés neste mundo. A outros, um prémio de consolação que às vezes nem chegam a receber. E à grande maioria, “que dá o corpo ao manifesto”, nem sequer o direito à terminação. E não é só uma questão de sorte no jogo…

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