Há alguns anos, um amigo disse-me, muito satisfeito, que tinha comprado um lote de estantes industriais em Alcobaça no leilão de uma fábrica falida, por vinte por cento do valor de mercado. “Parabéns”. Mas ele continuou: “No entanto, está lá um lote de vidros por vender, que aquilo é que é negócio!!! Você é que podia fazer uma oferta”. – Eu? Não percebo de vidros…
Ao longo dessa tarde foi insistindo para me candidatar à compra de tais artigos, coisa que não valorizei porque não era a minha atividade e não percebia nada da matéria.
Uns dias depois telefonou-me a perguntar se estava disponível para o acompanhar, pois tinha o pessoal a desmontar as estantes e queria ver como decorriam os trabalhos. Como estava livre aceitei o convite e lá fomos. Quando chegamos, os empregados estavam a desmontar as estantes, tendo de usar um empilhador para retirar as muitas paletes de caixas com artigos de vidro, como copos, taças, jarros, jarrões, queijeiras, galheteiros, etc., etc.. Em cima de várias paletes que estavam no chão viam-se amostras do seu conteúdo, muitas delas bastante apelativas. Enquanto dava uma volta pelo interior da fábrica repleta de material, imaginei que seriam precisos para aí quatro ou cinco camiões semi-reboques para carregar tudo aquilo, mas continuei como simples turista a vaguear por ali, enquanto ele conversava com os homens.
Pouco depois chegou o leiloeiro e o meu amigo cuidou de fazer as apresentações para, de imediato, insistir na tecla: “Faça uma oferta”. – Eu? Nem pense nisso, respondi-lhe. Durante duas horas andou à minha volta a insistir, a insistir, para apresentar uma proposta, o que continuei a recusar. Às tantas, para minha surpresa, voltou ao ataque com um argumento adicional: “Ofereça lá que eu também entro no negócio”. E, sem saber bem como, dei comigo a propor um valor ao leiloeiro, muito mais baixo do que aquilo que estava a pedir. Respondeu-me que era pouco mas que ia falar com o responsável e me daria a resposta depois. Viemos embora e esqueci-me do caso. Três dias depois, recebi um telefonema do leiloeiro: “O lote de vidros é seu”. Foi como se uma bomba me tivesse caído aos pés e eu ficasse sem saber o que fazer. “E agora? Que raio vou fazer aos vidros?” Desistir estava fora de questão, pois tinha feito a proposta e era a minha palavra que estava em causa. E ainda lhe dou o valor devido…
Como a “criança” me caiu nos braços, não havia volta a dar. Para trazer o material de Alcobaça eram precisos camiões, pelo que contratei uma empresa de transportes. Mas era necessário ir a Alcobaça organizar e preparar as paletes, endireitar as caixas e embalá-las com filme de plástico para não se alagarem, pois tinham quase dois metros de altura. E fui para lá com várias pessoas, dias seguidos, com rolos e rolos de filme, de fita adesiva, de luvas, de tesouras e outras ferramentas, embalando, encaixotando, amarrando, organizando, movimentando de um lado para o outro, para o que foi necessário alugar um porta paletes, para além de um empilhador para carregar na fábrica e um outro para descarregar em Lousada. E, dias e dias seguidos, foi essa a minha vida, até retirar todo o material. Não foram quatro ou cinco camiões como eu previa, não foram oito nem dez, nem quinze, nem vinte. No final, carregamos vinte e três daqueles camiões compridos, atulhados de paletes… Uma loucura.
E local para guardar tais artigos? Tinha dois pequenos armazéns que depressa ficaram cheios. Um amigo emprestou-me um outro de mil metros quadrados mas foi insuficiente, acabando por me ceder mais um de quinhentos… Ao fim de dois meses, tinha tudo organizado, empilhado, ordenado. Se colocasse as paletes umas a seguir às outras a fila teria mais de um quilómetro de comprimento…
E a partir daí? Como e a quem vender mais de um milhão e seiscentas peças de vidro? Eu não tinha disponibilidade (nem sabia) para tratar diretamente deste negócio. Arranjei um vendedor mas não conseguiu vender nada, não era a sua especialidade… A Teresa, lá no escritório, foi-me dizendo: “Hoje vendi uma dúzia de copos”. – Boa, grande “rombo” no armazém…
Ao fim de oito meses tomei a decisão de vender tudo em conjunto e por qualquer preço porque, aquilo que era suposto ser um negócio, virou problema. E vendi, mas não me perguntem pelos resultados…
Sem qualquer vontade de me meter no negócio, a verdade é que acabei por me envolver nele e a lição ficou: Devemos dedicar-nos àquilo de que percebemos caso contrário, dá buraco.
Costuma ser comum que, quem tem sucesso numa determinada atividade, muitas vezes acaba por se autoconvencer que pode também atingir o êxito em qualquer outra, mesmo que não perceba nada da matéria. A verdade é que todos os negócios exigem conhecimento do mercado e domínio dos produtos, para além das especificidades, os pormenores, que tantas vezes são aquilo que faz a diferença entre o sucesso e o fracasso. Querer ignorar isso é meio caminho andado para o “fiasco”. E eu que o diga…