Num dos primeiros anos da minha infância houve um longo período de seca que fez com que as reservas de água caíssem para níveis muito baixos, com as fontes que abasteciam a aldeia a deixarem de jorrar água e os poços a secarem. Apesar de alguns afundarem os seus, a água minguava e os lavradores viram algumas culturas perdidas.
Para ajudar, o pároco da freguesia resolveu juntar os fieis numa tarde de domingo e fazer uma oração de apelo ao Senhor para que a seca terminasse. Às tantas, dentro da igreja ouviu-se uma trovoada logo seguida de chuva abundante mas, como a oração ainda ia a meio, o padre continuou.
No entanto, a chuva que caía era tanta ou tão pouca que acabou por entrar pela igreja dentro, pondo os fieis em alvoroço e aos gritos. Com muita calma, o padre deu por terminada a prece, dizendo qualquer coisa do género: “Vamos embora porque o povo já está farto de água”.
É verdade que nos queixamos quando a chuva está muito tempo sem aparecer, especialmente aqueles que precisam de água, mas não é menos verdade que também nos queixamos do contrário, depois de cair alguns dias seguidos. Nunca estamos satisfeitos com aquilo que temos e cansamo-nos depressa.
As estações do ano já não são o que eram, sendo significativas as alterações como em invernos recentes, com tão pouca chuva que nem sequer deu para encher as albufeiras, agravados por verões dentro dessa linha, nada favoráveis para a agricultura nem para a produção de eletricidade e não só. E agora, cai-nos um inverno em cima a desfazer-se em água, parecendo mesmo que temos um penico gigante e furado em cima de nós, que nunca mais para de deixar cair água. Até quando?
As pessoas já estão fartas de chuva, fartas do vento que lhes levanta os telhados e lhes vira os chapéus pregando-lhes uma molha das antigas, fartas de se verem metidas em casa porque o tempo não os deixa sair à rua.
Mas não nos ficamos pelas molhas. Vemos regos de água, rios e riachos a saírem das margens e a inundarem campos, habitações, lojas e tudo o mais que lhe apareça no caminho, deixando populações em desespero, apesar de mais ou menos prevenidas pois em muitos casos as situações são cíclicas. Por tudo isto impõe-se uma pergunta: A chuva é uma bênção ou uma maldição?
Já sei que podemos dizer que a chuva é necessária mas que podia vir mais repartida, mais regrada, intercalada com períodos de sol. Já agora, porque não pedirmos “sol na eira e chuva no nabal”? Se calhar, adaptado aos novos tempos, o sol também podia inundar as praias os 365 dias do ano para banhos permanentes? E porque não incidir nas estradas para evitar os despistes? E já agora nas zonas de “picadeiro”, para se poder dar a voltinha do costume, ao domingo e à noite? E porque não nos campos de futebol, onde ver a bola à chuva só tem piada se o nosso clube ganhar e o rival perder? E nas ruas de comércio tradicional, porque assim estariam em igualdade de circunstâncias com os “shopings”? E porque não nas feiras, onde se já é difícil ser-se comerciante com bom tempo, com chuva e vento nem se fala?
E podia enumerar um sem número de exceções para a chuva que nunca mais tinha fim, porque no fundo, no fundo, quase só os agricultores é que a desejam a sério. Os outros, na sua maioria, só pensam nela se a água lhes falta na torneira ou no poço porque, se a água aparecesse lá de outra forma qualquer, queriam lá saber da chuva para nada.
Também é fácil culparmos a chuva de nos levar as casas, os carros, as árvores, os jardins, os animais, as barracas e tudo o que vai no arrasto. É que a chuva não fala para se poder defender porque se falasse diria: “Não se colocassem a jeito, não construíssem onde não deviam, especialmente nas linhas de água, não pavimentassem tantas áreas impedindo que eu me infiltre no solo e assim tenha de correr à superfície provocando enxurradas tanto maiores quanto maior for a área pavimentada, não deixassem que os incêndios acontecessem deixando os solos nus, não cultivassem onde não deviam e não… não… não”…
A chuva é um fenómeno natural que, há muitos anos atrás, tinha uma certa sazonalidade, chegando nas estações próprias. Mas o ser humano resolveu brincar com a natureza, armado em “aprendiz de feiticeiro”, poluindo a terra, a água e o ar sem qualquer controle, destruindo os ecossistemas, explorando recursos até à exaustão, alterando os elementos que condicionam o clima e que faziam deste planeta um local privilegiado. Por isso, o que é que esperamos?
Sempre fomos brindados com temporais e outras manifestações violentas da natureza mas, ao alterarmos o equilíbrio natural e as regras que mantinham em equilíbrio esta bola chamada Terra, estamos a abrir a “caixa de Pandora”. Daí os tornados que nunca havíamos visto por cá, as alterações climatéricas e o que mais adiante se verá, diz quem sabe.
O ditado é velho: “Quem semeia ventos, colhe tempestades”. E, provavelmente, nós ainda não vimos “da missa a metade”…