Os foguetes acordaram-me às oito da manhã do domingo eleitoral e fiquei sem saber se já era alguma lista a cantar vitória ou a nova forma de chamar o povo a votar. Meio a dormir e de cócoras, tive uma ideia luminosa: Vestir a pele de analista político e escrever um artigo sobre o abstencionismo eleitoral, tentando arranjar um “tacho” no jornal para governar a “vidinha”. Que tal? Se hoje tantos o procuram, porque não eu? Vai daí, limpo as remelas dos olhos e desato a escrever, dando a justificação para mais de quatro milhões de portugueses não porem os sapatos nas mesas de voto. Ora cá vai.
Dois milhões e doze eleitores (a contagem manual é difícil…) ficaram em casa devido a excessos alimentares nos convívios com comes e bebes à borla (como se houvesse almoços grátis!!!…). Aí “enfardaram” quilos de porco no espeto que os deixou enfartados e com “barrigas de vaca prenhe”, a águas das Pedras e chá de limonete para “desmoer”. Outros apanharam uma grande “caganeira” pois, por falta de fundos, em vez de servirem vinho engarrafado “Barca Velha” a acompanhar, aviaram-nos com vinho “feito a martelo” – eu tive um professor que dizia que “O vinho é uma coisa que até de uvas se faz” – que os deixou com os rabos presos ao WC de onde não se podiam afastar mais de dois metros, a não ser que levassem a sanita às costas (imagine-se a figura de uns quantos eleitores a entrarem na Assembleia de Voto, amarelos e com aquele artigo de louça ao ombro, a pedirem os boletins para votarem? Ainda se pensaria que iriam dar outro uso aos três papelinhos…).
Um milhão e dois mil e um faltosos, foram idosos que, embarcados em milhares de camionetas de excursão a Fátima durante a pré e a campanha eleitoral, à borla (naturalmente pagas pelo Zé…), se perderam nas ruas laterais do Santuário depois do almoço, não mais conseguindo encontrar a sua camioneta. Ou ainda por lá andam ou meteram-se no autocarro errado, indo parar a “cascos de rolha”. Por informações recolhidas através do SIS (não, não é o Serviço das Secretas, é o Serviço de Idosos Sozinhos) soube há instantes que um grupo numeroso foi dar à costa algarvia e está a caminhar em direção ao Pontal, por saberem que ali, regularmente, se dá uma grande sardinhada.
Duzentos e seis mil e cinco abstencionistas são raparigas que se ausentaram para fazerem ensaios e castings, pré selecionadas para o exótico séquito de bailarinas dos cantores da nossa praça, com a função de agitarem a “padaria” e exibir os demais atributos… de dança, enquanto eles cantam canções eruditas como “És boa como o milho”, “Portugal é sexy” ou “E nós, pimba”.
Nota – Sabe-se que um grupo de rapazes apresentou queixa no Tribunal Constitucional, alegando descriminação no acesso a este emprego, pois se os cantores se fazem rodear de bailarinas, a lógica seria que as cantoras contratassem bailarinos, o que não acontece de forma inexplicável, razão para a queixa apresentada à entidade que é a “reserva moral” do país.
O grupo seguinte, de seiscentos mil e cem ausentes, é gente ofendida e zangada por não ter sido convidada a fazer parte das listas de um qualquer partido, nem que fosse do MRPP. É que, pior que não ser eleito é nem sequer ser convidado para o ser. A propósito disto, um presidente da Junta de Freguesia disse-me um dia: “Sabe, isto de ser Presidente de Junta não vale nada, não tem prestígio nenhum, ninguém quer ser mas, no fundo, no fundo, todos querem o lugar”. Ele lá sabia porquê, e naquele tempo ainda não havia “carcanhol” ao fim do mês…
Também não puseram os pés na mesa de voto, que é como quem diz, “os cotos”, duzentos mil e dois candidatos derrotados em eleições anteriores, “despeitados” por o povo não lhes dar colo. Bordalo Pinheiro representou o “poder” como tendo muitas tetas e um dos tais dizia há dias: “Se conseguisse pôr a boca numa, sempre me dava cá um jeito…”
Mil e vinte e quatro famílias nem se lembraram de ir votar por estarem muito ocupadas a arrumarem num grande armazém os brindes de campanha que conseguiram recolher, saltando de rua em rua, de feira em feira, de arruada em arruada, com a filharada e amigos a “abarbatarem” tudo o que ofereciam, das t-shirts aos bonés (também houve candidatos a “apanhar bonés”…), das esferográficas às sacas de plástico (que deram jeito para levar nacos de porco, à socapa), dos relógios às caixas de plástico (já lá vai o tempo em que ofereciam eletrodomésticos…), estando a organizar o stock por artigos para venderem nas feiras durante os próximos dois anos, até fazerem outra recolha de material na próxima campanha. E os slogans e nomes nos artigos? “É fácil, como a impressão é barata, basta pôr duas horas ao sol que desaparece” dizia um deles. “No entanto, alguns aproveitam-se e até têm muita saída, como é o caso do “Sempre a crescer”, muito procurado por carecas ou homens com problemas de masculinidade”.
Há milhentas razões mais que davam para escrever um livro, que ninguém leria, mas espero que estas justificações sejam suficientes para me assegurarem o “tachito”, objetivo a atingir mesmo que quatro milhões e meio se tenham estado a “borrifar” para o dever de cidadania.
Ah, apesar da abstenção, uma coisa é certa, em 308 câmaras foram eleitos 308 presidentes e em 3.091 freguesia foram eleitos 3.091 presidentes de junta, o que atesta a “maturidade” da nossa democracia. Melhor? Era impossível. Podemos dormir descansados porque a pesada máquina, que nós sustentamos, não parará…