A necessidade…

 

Uma das memórias mais antigas que tenho leva-me até aos cinco anos de idade. Ia a pé, da casa dos meus pais em Macieira até à Carreira da Areia, em Nogueira, e passava o dia em casa de uma professora a aprender coisas básicas, uma espécie de pré primária de hoje.

Levava sempre comigo um embrulho com o almoço e um dia, quando ia comê-lo sentado num muro por detrás da fábrica do barro, não encontrei o garfo do costume. Ainda hoje me vejo o garoto que era a apanhar um galho seco de eucalipto, quebrar-lhe as pontas e improvisar um garfo para espetar as batatas.

Já adolescente, como o meu irmão António ia para a guerra do Ultramar, fomos celebrar a sua despedida no Alvorada, em Penafiel, com um grupo de amigos. À saída, o velho Zephyr tinha um pneu furado e, para trocá-lo, todos ajudaram, ou pensamos que sim, pois no regresso a roda mudada acabou por sair por falta de aperto das porcas, ficando o tambor a rolar pelo asfalto, num mar de faúlhas em plena reta de Romariz.

Consegui segurar e parar o carro na estrada e mudei-me logo para o banco de trás com a intenção de dormir ali mesmo e esperar pela manhã para resolver o problema.

O meu irmão, menos conformado que eu, foi ver o que acontecera e acabou por me chamar para ajudar a resolver o caso: Levantar o carro com o macaco, retirar uma porca de cada uma das rodas e repor a que havia saído usando as três porcas retiradas das outras rodas. E lá regressamos a casa.

Todos nós já tivemos situações destas, mais ou menos complexas, em que se cumpre o velho ditado: “A necessidade aguça o engenho”. E na realidade, sob pressão, tendemos encontrar soluções em que, noutras circunstâncias, provavelmente não pensaríamos.

Vem isto a propósito do estado de necessidade a que chegou  país, as empresas e todos os portugueses em geral, e julgo que nenhum de nós o ignora, tal é a quantidade de informação que nos bombardeia e a realidade que nos rodeia.

É muito complicada a situação do país, catastrófica a de numerosas empresas que continuam a encerrar a um ritmo alucinante e dramático a de milhões de pessoas que num piscar de olhos viram o seu mundo às avessas, as suas certezas ruírem e o seu amanhã uma incógnita.

Não sendo esta realidade a falta de um garfo a uma criança ou a falta das porcas da roda de um carro a um adolescente, é uma situação de “necessidade” a que não pode nem deve “faltar o engenho”.

Os portugueses sempre encontraram novos caminhos por mares nunca dantes navegados, dobrando o Cabo Bojador e ultrapassando o Cabo das Tormentas, para chegar à tão sonhada Índia, embarcados numa “casca de noz”. Não seremos agora capazes de fazer honrar os que nos precederam, seguindo-lhes o exemplo?

É nas situações de necessidade que surgem as formas criativas de identificar e produzir recursos e de construir soluções inovadoras.

Se é grande a “necessidade”, de emprego, de emprego, de confiança, de empresas, de esperança, de crédito, de segurança, ainda acredito na capacidade dos portugueses e no “aguçar do seu engenho”. Que não nos falte o ânimo e que Deus nos ajude.

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